Falar em descamisados é voltar ao início da década de 90. O então presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello usava esta expressão para se referir à população miserável, enquanto praticava esportes radicais, reformava a Casa da Dinda e fingia caçar marajás.
A palavra descamisados me veio à cabeça quando li sobre o atraso na entrega dos uniformes escolares nas nove cidades da Baixada Santista. Sabemos que a ideia de região metropolitana é conversa para político dormir em reuniões, mas – nesta história - todas as cidades se abraçaram na incompetência administrativa. Nenhum município foi capaz, de acordo com reportagem de Tatiane Calixto, publicada no jornal A Tribuna, de entregar o material escolar e todos os uniformes para os estudantes.
As Prefeituras escorregaram nas desculpas tradicionais. Em parte, culpam a transição de governos, que se traduz em – veladamente – acusar o antecessor para repartir ou desviar a própria negligência. Outra parte responsabiliza a burocracia, ator de nome e endereço conhecidos e sempre presente na lista de justificativas. Neste caso, as irregularidades variam entre as empresas vencedoras e o próprio edital de licitação.
Santos seria exceção no caso do material escolar, mas somente 43% das unidades de ensino receberam os uniformes. A empresa vencedora, com prazo até 17 de abril para efetuar a entrega, receberá – conforme o contrato - R$ 2,2 milhões. Já os kits de inverno ainda representam um sonho de verão.
A rede municipal de Santos não enfrenta este único problema. As mudanças administrativas ainda provocam turbulências dentro da Secretaria de Educação. Entre os coordenadores, houve dança das cadeiras, depois da exposição de que alguns profissionais não estavam qualificados ou nunca tinham atuado nas respectivas funções. Remanejar não significou mexer nos salários, até porque muitas nomeações vieram lá de cima.
No setor de projetos, as formações de professores foram suspensas. A secretaria pretende contratar uma empresa de fora para realizar as capacitações. Antes, muitos cursos eram ministrados por profissionais da própria secretaria. E nem se debateu a eficácia das formações, muitas em caráter fast-food, de final de semana. O setor chegou a ter 100 projetos pedagógicos em andamento. Atualmente, não passam de dez.
O Departamento Pedagógico, ponto considerado essencial na gestão da ex-secretária Sueli Maia, entrou em risco de extinção. A maioria das educadoras voltou para a sala de aula. As que sobraram foram absorvidas pelo projeto Escola Total.
A grande ironia, no entanto, está na escolha do cacique. Jossélia Fontoura ocupa o cargo de secretária pela segunda vez. No governo Beto Mansur, ela carregou a bandeira da progressão avaliada, alegando que o outro sistema aprovava os alunos de maneira automática. O discurso virou um sussurro quando os índices de avaliação permaneceram no mesmo patamar e provaram o óbvio: os alunos não progrediam por outros motivos.
Hoje, Jossélia Fontoura é secretária de Paulo Alexandre Barbosa que, enquanto secretário-adjunto de Educação do Estado, defendia justamente a progressão continuada. Ele argumentava que o sistema estava além da superficial discussão sobre reprovar ou não o aluno.
Enquanto se faz política de ocasião, as crianças da rede municipal, claro, se adaptaram depois de dois meses de aulas. Em mais dois meses, elas estarão de férias. Talvez continuem com a mesma roupa. E talvez continuem ouvindo o mesmo rosário de desculpas.
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