sexta-feira, 19 de abril de 2013

A pérola e os marajás


Guarujá, no auge como estância balneária, era conhecido como a Pérola do Atlântico. Se dermos outro sentido à palavra, a política local mantém viva a produção de jóias, muitas delas em caráter quase clandestino. 

A última pérola foi a Gratificação por Assiduidade e Pontualidade (GAP), resolução derrubada esta semana pelo presidente da Câmara, Marcelo Squassoni. O mimo praticamente dobrou os salários dos funcionários do Poder Legislativo durante quatro meses. Motoristas ganhavam R$ 12 mil por mês. Telefonistas com salários de R$ 18 mil.

A Câmara do Guarujá tem 39 servidores concursados. Metade deles recebeu, entre janeiro e abril, mais de R$ 20 mil. Alguns chegavam a R$ 35 mil no contracheque. A outra metade dos funcionários tinha vencimentos entre R$ 10 mil e R$ 19 mil. Para efeito de comparação, a prefeita Maria Antonieta de Brito recebe R$ 17,1 mil mensais.

A gratificação que pariu uma nova espécie de marajás premiava os servidores justamente por cumprirem obrigações profissionais. Em outras palavras, os funcionários ganhavam o equivalente a duas horas extras por dia apenas por comparecem ao trabalho e serem pontuais.

A gratificação foi aprovada em 7 de novembro do ano passado, na gestão do vereador José Carlos Rodriguez, hoje secretário de Turismo da cidade. A jogada política era pagar as “horas extras” em cima do salário líquido. Desta forma, o servidor não ganharia – em tese – mais do que a prefeita, teto estabelecido por lei.

A vida dos marajás ficou exposta também por conta da comparação com os salários dos funcionários comissionados, que recebem - em média – R$ 3,5 mil. A diferença entre o bolso de motoristas e telefonistas e o dos assessores dos vereadores causou mal-estar e fofocas nos corredores do Legislativo.

O presidente atual, Marcelo Squassoni, afirmou que só soube dos marajás em março, depois de dois meses no comando do Poder Legislativo. Ele afirmou à imprensa que resolveu cortar a gratificação para evitar um desgaste político, mas que não enxerga ilegalidade por parte dos servidores.

À repórter Simone Queirós, de A Tribuna, Squassoni disse: “conversei com os servidores antes, expliquei o motivo da minha atitude. Parece-me que todos entenderam”. Por que justificar? Ninguém desconfiou da imoralidade?

Para Carlos Ratton, do Diário do Litoral, Squassoni falou “em preservar dinheiro público.” Por que não conversou, então, com seus eleitores e demais moradores, responsáveis por bancar a festa do “prêmio por cumprir obrigações”?

É estranho digerir - sem precisar de antiácido - a justificativa de que o líder da casa não sabia que seus funcionários de carreira recebiam uma fortuna desde janeiro. Squassoni comandou a Câmara por três meses sem ter ouvido nada a respeito? Demorou tanto assim para notar a diferença nas finanças? Seria outra manifestação da lenda na qual presidente nunca sabe de nada?

Não é a primeira vez que a Câmara do Guarujá tenta dar de comer a seus marajás. Em 2010, o presidente da Casa, o mesmo José Carlos Rodriguez, teve que reduzir salários de seis funcionários, que recebiam por volta de R$ 23 mil, após determinação do Ministério Público. A prefeita ganhava R$ 10,5 mil na época. 

A Promotoria de Patrimônio Público de Guarujá abriu inquérito para investigar a Gratificação por Assiduidade e Pontualidade. Mesmo moralmente condenável, é preciso reconhecer que a Câmara de Guarujá foi criativa para brincar com dinheiro público. De fato, a criatividade – às vezes - reside na mágica que transforma obrigação em mérito.

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