sexta-feira, 26 de abril de 2013
Vida de índio
Bertioga recebeu, no último final de semana, 160 índios de quatro etnias, sendo três do Mato Grosso e uma do Maranhão, além da anfitriã Guarani, que habita quatro cidades da Baixada Santista. Os anfitriões são os guaranis que vivem na Aldeia Rio Silveira, na divisa de Bertioga com São Sebastião.
O Festival Nacional da Cultura Indígena é tradicional no município, obviamente na semana em que se comemora o Dia do Índio. O tamanho da festa depende da vontade política das autoridades locais e do desejo de dar visibilidade às minorias. Atualmente, a festa anda bem magrinha e tímida, coerente com as últimas pancadas que as nações indígenas têm tomado em diversos lugares do país.
O Brasil possui cerca de um milhão de índios. São os sobreviventes de um genocídio que vem ocorrendo desde o século 16, por razões variáveis, nenhuma delas nobres, mas todas com um fundo econômico. Índios são vistos como entraves à ganância, à ocupação, ao desenvolvimento e ao progresso. A palavra varia conforme o período histórico e aos olhos e interesses de quem analisa a questão.
A construção da Usina de Belo Monte, na região Norte, mais a ocupação de um antigo casarão no Rio de Janeiro servem como termômetros para indicar como as nações indígenas são tratadas num território supostamente democrático.
Índios, ainda que possuam direitos jurídicos, são classificados como invasores, como sujeitos dependentes do Estado e inúteis para uma economia selvagem e travestida pela retórica da produtividade. Parte da imprensa, mesmo sem assumir de forma explícita, os coloca como vilões de um fundo dramático financeiro, perturbadores da ordem, ignorando que todos os caminhos de diálogo e de protesto foram esgotados.
Via de regra, as nações indígenas são vistas como primitivas, como sinal de atraso diante do poder civilizatório do mundo urbano, escravo da tecnologia e consumista. É claro que a turma do bem – agarrada nas bíblias do politicamente correto – jamais utiliza o termo primitivo em público. É papel dela fingir que defende as causas indígenas como sinal de compaixão e apreço em prol dos desprotegidos.
A contrapartida seria o silêncio indígena e a aceitação em viver em jaulas a céu aberto, sob os olhos lânguidos do dominador solidário. Índios viveriam de favor, sob a tutela do homem que os colocou sob um cabresto invisível e que também determina quais as atividades econômicas serão adotadas pelos índios. Quem escapa das reservas entra na lista da ingratidão, acusado de renegar sua cultura e de cair na tentação de usufruir das benesses do homem da cidade. Condenado por rejeitar o rótulo de infantilizado.
Os índios, neste sentido, não teriam direito de escolha. Seria um intercâmbio cultural de via única, vamos dizer assim. Os seres humanos – e autoproclamados evoluídos – podem explorar e se apropriar da cultura material e imaterial indígenas. Quando os índios o fazem, sofrem o estigma de quem renegou o próprio passado e a própria história. Ou são culpados por doenças ou comportamentos desviantes levados pelo próprio homem que os recrimina.
A própria história brasileira, por si mesma, distorce o papel indígena na construção do projeto Brasil. De cara, o discurso implícito de que o Brasil – e não falo dos conceitos de nação ou de colônia – começou com a chegada do branco português.
A partir daí, um rosário de deturpações históricas, como a ideia de que os índios não prestavam para a escravidão e, por conta disso, foram substituídos pelos negros. Por conveniência, desconsideraram-se as dificuldades dos portugueses em enfrentar as etnias indígenas, além dos múltiplos interesses econômicos e políticos para a consolidação do tráfico negreiro em todo o mundo.
Sempre desconfiei de datas comemorativas. Normalmente, reforçam a hipocrisia de se preocupar com as minorias. Repetem-se os sorrisos de falso envolvimento, os discursos de mudança e a promessa de políticas públicas.
Mas compreendo que tais datas podem também servir para relembrar o quanto somos negligentes com quem nos forneceu uma das bases de uma cultura tão profunda quanto diversificada. Da mandioca que acabamos de almoçar aos nomes de várias cidades da região. Do hábito de tomar banho diariamente à essência do conceito de preservação da natureza.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
A pérola e os marajás
Guarujá, no auge como estância balneária, era conhecido como a Pérola do Atlântico. Se dermos outro sentido à palavra, a política local mantém viva a produção de jóias, muitas delas em caráter quase clandestino.
A última pérola foi a Gratificação por Assiduidade e Pontualidade (GAP), resolução derrubada esta semana pelo presidente da Câmara, Marcelo Squassoni. O mimo praticamente dobrou os salários dos funcionários do Poder Legislativo durante quatro meses. Motoristas ganhavam R$ 12 mil por mês. Telefonistas com salários de R$ 18 mil.
A Câmara do Guarujá tem 39 servidores concursados. Metade deles recebeu, entre janeiro e abril, mais de R$ 20 mil. Alguns chegavam a R$ 35 mil no contracheque. A outra metade dos funcionários tinha vencimentos entre R$ 10 mil e R$ 19 mil. Para efeito de comparação, a prefeita Maria Antonieta de Brito recebe R$ 17,1 mil mensais.
A gratificação que pariu uma nova espécie de marajás premiava os servidores justamente por cumprirem obrigações profissionais. Em outras palavras, os funcionários ganhavam o equivalente a duas horas extras por dia apenas por comparecem ao trabalho e serem pontuais.
A gratificação foi aprovada em 7 de novembro do ano passado, na gestão do vereador José Carlos Rodriguez, hoje secretário de Turismo da cidade. A jogada política era pagar as “horas extras” em cima do salário líquido. Desta forma, o servidor não ganharia – em tese – mais do que a prefeita, teto estabelecido por lei.
A vida dos marajás ficou exposta também por conta da comparação com os salários dos funcionários comissionados, que recebem - em média – R$ 3,5 mil. A diferença entre o bolso de motoristas e telefonistas e o dos assessores dos vereadores causou mal-estar e fofocas nos corredores do Legislativo.
O presidente atual, Marcelo Squassoni, afirmou que só soube dos marajás em março, depois de dois meses no comando do Poder Legislativo. Ele afirmou à imprensa que resolveu cortar a gratificação para evitar um desgaste político, mas que não enxerga ilegalidade por parte dos servidores.
À repórter Simone Queirós, de A Tribuna, Squassoni disse: “conversei com os servidores antes, expliquei o motivo da minha atitude. Parece-me que todos entenderam”. Por que justificar? Ninguém desconfiou da imoralidade?
Para Carlos Ratton, do Diário do Litoral, Squassoni falou “em preservar dinheiro público.” Por que não conversou, então, com seus eleitores e demais moradores, responsáveis por bancar a festa do “prêmio por cumprir obrigações”?
É estranho digerir - sem precisar de antiácido - a justificativa de que o líder da casa não sabia que seus funcionários de carreira recebiam uma fortuna desde janeiro. Squassoni comandou a Câmara por três meses sem ter ouvido nada a respeito? Demorou tanto assim para notar a diferença nas finanças? Seria outra manifestação da lenda na qual presidente nunca sabe de nada?
Não é a primeira vez que a Câmara do Guarujá tenta dar de comer a seus marajás. Em 2010, o presidente da Casa, o mesmo José Carlos Rodriguez, teve que reduzir salários de seis funcionários, que recebiam por volta de R$ 23 mil, após determinação do Ministério Público. A prefeita ganhava R$ 10,5 mil na época.
A Promotoria de Patrimônio Público de Guarujá abriu inquérito para investigar a Gratificação por Assiduidade e Pontualidade. Mesmo moralmente condenável, é preciso reconhecer que a Câmara de Guarujá foi criativa para brincar com dinheiro público. De fato, a criatividade – às vezes - reside na mágica que transforma obrigação em mérito.
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Os descamisados
Falar em descamisados é voltar ao início da década de 90. O então presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello usava esta expressão para se referir à população miserável, enquanto praticava esportes radicais, reformava a Casa da Dinda e fingia caçar marajás.
A palavra descamisados me veio à cabeça quando li sobre o atraso na entrega dos uniformes escolares nas nove cidades da Baixada Santista. Sabemos que a ideia de região metropolitana é conversa para político dormir em reuniões, mas – nesta história - todas as cidades se abraçaram na incompetência administrativa. Nenhum município foi capaz, de acordo com reportagem de Tatiane Calixto, publicada no jornal A Tribuna, de entregar o material escolar e todos os uniformes para os estudantes.
As Prefeituras escorregaram nas desculpas tradicionais. Em parte, culpam a transição de governos, que se traduz em – veladamente – acusar o antecessor para repartir ou desviar a própria negligência. Outra parte responsabiliza a burocracia, ator de nome e endereço conhecidos e sempre presente na lista de justificativas. Neste caso, as irregularidades variam entre as empresas vencedoras e o próprio edital de licitação.
Santos seria exceção no caso do material escolar, mas somente 43% das unidades de ensino receberam os uniformes. A empresa vencedora, com prazo até 17 de abril para efetuar a entrega, receberá – conforme o contrato - R$ 2,2 milhões. Já os kits de inverno ainda representam um sonho de verão.
A rede municipal de Santos não enfrenta este único problema. As mudanças administrativas ainda provocam turbulências dentro da Secretaria de Educação. Entre os coordenadores, houve dança das cadeiras, depois da exposição de que alguns profissionais não estavam qualificados ou nunca tinham atuado nas respectivas funções. Remanejar não significou mexer nos salários, até porque muitas nomeações vieram lá de cima.
No setor de projetos, as formações de professores foram suspensas. A secretaria pretende contratar uma empresa de fora para realizar as capacitações. Antes, muitos cursos eram ministrados por profissionais da própria secretaria. E nem se debateu a eficácia das formações, muitas em caráter fast-food, de final de semana. O setor chegou a ter 100 projetos pedagógicos em andamento. Atualmente, não passam de dez.
O Departamento Pedagógico, ponto considerado essencial na gestão da ex-secretária Sueli Maia, entrou em risco de extinção. A maioria das educadoras voltou para a sala de aula. As que sobraram foram absorvidas pelo projeto Escola Total.
A grande ironia, no entanto, está na escolha do cacique. Jossélia Fontoura ocupa o cargo de secretária pela segunda vez. No governo Beto Mansur, ela carregou a bandeira da progressão avaliada, alegando que o outro sistema aprovava os alunos de maneira automática. O discurso virou um sussurro quando os índices de avaliação permaneceram no mesmo patamar e provaram o óbvio: os alunos não progrediam por outros motivos.
Hoje, Jossélia Fontoura é secretária de Paulo Alexandre Barbosa que, enquanto secretário-adjunto de Educação do Estado, defendia justamente a progressão continuada. Ele argumentava que o sistema estava além da superficial discussão sobre reprovar ou não o aluno.
Enquanto se faz política de ocasião, as crianças da rede municipal, claro, se adaptaram depois de dois meses de aulas. Em mais dois meses, elas estarão de férias. Talvez continuem com a mesma roupa. E talvez continuem ouvindo o mesmo rosário de desculpas.
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Cartada de mestre
A nomeação de João Paulo Tavares Papa para a diretoria de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente da Sabesp não representa apenas o retorno do ex-prefeito à empresa onde exerceu o primeiro cargo de destaque, há 20 anos. É a confirmação de que Papa se constitui no maior vencedor político das últimas eleições.
Se Paulo Alexandre Barbosa ganhou nas urnas e, em três meses de governo, coleciona obstáculos, o ex-prefeito parece ter o controle das peças no tabuleiro. Cada passo é pensado e executado de maneira meticulosa, como qualquer estrategista político que se preze.
Perceba que me refiro ao político, e não ao administrador. A cidade quase andou no piloto automático na segunda gestão. A Prefeitura lavou as mãos para a transformação urbana e a especulação imobiliária. Papa não mexeu – sequer blefou – com o monopólio do transporte coletivo. O trânsito nos presenteia com o lado perverso das metrópoles. Na área social, mais de 600 pessoas moram nas ruas, muitas dependentes químicas.
Um ano atrás, o noticiário político cutucava o suposto mau relacionamento entre o então prefeito de Santos e Geraldo Alckmin. Papa recebia, por exemplo, convites em cima da hora para eventos com a presença do governador. Os mais apressados diziam que as rusgas eram previsíveis por conta da candidatura de Paulo Alexandre.
O primeiro ato apenas se desenhava. Quase sempre em silêncio, quando não por meias palavras, Papa segurou até onde pôde a definição do candidato à sucessão. Sérgio Aquino fazia parte, no mínimo, de uma lista tríplice de especulações.
Enquanto isso, Paulo Alexandre Barbosa disparava na frente, apoiado – ainda que parcialmente - em um discurso de continuidade e sem atacar a administração municipal. E não negava a imagem de ser um candidato do governo. Até porque o PSDB, de fato, pertencia à base do prefeito. O então vice e secretário de Assistência Social, Cacá Teixeira, por exemplo, era do partido e se elegeu vereador. Quando Aquino entrou na corrida, era tarde demais. Mesmo com a presença de Papa na campanha e triplicando os números das pesquisas, Aquino ficou em terceiro lugar.
Depois da eleição, o ex-prefeito pouco se expôs. Deu as tradicionais entrevistas de balanço, auxiliou o sucessor na transição e deixou o governo com a popularidade elevada. Manteve a quarentena de praxe e não caiu nas armadilhas da retórica do atual que culpa o anterior. Mais do que isso: Papa reapareceu na hora em que Paulo Alexandre enfrenta o pior momento, numa volta às origens e convidado pelo governador Geraldo Alckmin.
João Paulo Tavares Papa sempre demonstrou fome de aprendizado. Teve um grande professor, Osvaldo Justo. Nunca se expôs a escândalos pessoais. A vida privada sempre foi discreta. E absorveu que – na arte da política – o silêncio das sombras produz mais frutos do que os holofotes.
Voltemos ao ano de 2004. Papa convenceu Beto Mansur a apostar em um novato, em um técnico sem experiência eleitoral. A cidade ficou dividida e Papa venceu Telma de Souza por 1771 votos. Assim que pôde andar com as próprias pernas, a criatura abandonou o criador. Papa se afastou de Mansur, que apresenta altos índices de rejeição. A última eleição para prefeito que o diga! Quatro anos depois, Papa venceu no segundo turno com a maior votação proporcional da história de Santos, numa coligação recorde de 19 partidos.
João Paulo Tavares Papa, como político, segue silencioso. Muitos, dentro do mundo da política, acreditam que ele mostrará as cartas no momento certo. Em 2014, teremos eleições legislativas. A previsão óbvia é que Papa, invicto nas urnas, se candidatará a deputado. As apostas variam somente no CEP. João Paulo pretende subir a serra ou morar em Brasília?
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