sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O curso e os pecados

Quer aprender a ocupar escolas? Curso no Palácio dos Bandeirantes
Foto: Jornalirismo

Marcus Vinicius Batista

Abri o jornal na tarde de hoje e vi o seguinte anúncio: "Matrículas abertas! Aproveite suas férias e participe do curso de extensão mais procurado do verão. Vagas limitadas!"

Não havia ninguém ao meu lado para dividir a fantasia. Apanhei uma tesoura e resolvi guardar o recorte. Vai que um inimigo precise. Era de graça. O número de telefone, no canto direito inferior, me fez ligar para matar a curiosidade.

Liguei e, no terceiro toque, uma moça atendeu: "Palácio dos Bandeirantes."

"Oi, desculpe-me, foi engano. Queria saber sobre um curso."

"Ah, é aqui mesmo. O Curso de Reorganização de Escolas."

"Isso. Fiquei curioso."

"Claro, você quer se inscrever?"

"Não, não. Apenas vi um anúncio no jornal."

"Olha, se inscreva rápido. Tem muita procura e as aulas são com o próprio governador."

"Sério?"

"Sério. Inclusive porque falta professor por aqui. Vou te mandar um programa das aulas."

Cinco minutos depois, recebi um e-mail. Ao abrir a mensagem, o cronograma. Curso apostilado, com aulas em vídeo e toda a parafernália da educação fast-food.

O curso tem sete lições. Uma semana de aulas. A primeira se chama Soberba. Nesta aula, o Governo vai te ensinar como reduzir a importância dos estudantes, com argumentos que sustentam que jovens não são capazes de saber nada. Até porque não tiveram tantas aulas assim, explica o folheto.

Na lição seguinte, de nome Avareza, o curso pretende mostrar que a ordem é sempre não investir sem falar de dinheiro. Fecham-se escolas, alega-se falta de recursos - jamais mencione números financeiros, apenas estatísticas manipuláveis a seu favor - e usam-se palavras como otimização, sinônima de reorganização, no sentido pejorativo da bagunça.

Na terceira aula, fale de Gula. Sede e fome de poder. Tome decisões sem consultar ninguém. Imponha as regras de cima para baixo, sempre contando com a falta de crítica política das pessoas. Gula, deste modo, é irmã da soberba. No folheto, uma observação: as aulas são interligadas. Chame de interdisciplinaridade.

Para equilibrar o ritmo, acelerado na aula anterior, o curso traz a Preguiça. Não há necessidade de esforço no debate público. Fale em uso político pelo movimento estudantil. Tudo que acontecer é política. Na cortina de fumaça, diminuímos a política estudantil, transformando o mérito em deficiência.

O próximo encontro aborda a Ira. Morda e assopre, na prática. Finja conversar, convoque as autoridades fardadas. Fale em Guerra. Troque o giz e lousa por cassetetes e sprays de pimenta. Estudantes são baderneiros que deveriam fingir que aprendem nas escolas sem infra-estrutura e com professores desmotivados.

O auge do curso parece ser a Luxúria. Neste ponto, aprendemos como sacrificar todos pelo prazer do poder. O Reorganizador de Escolas precisa responsabilizar professores, culpar os gestores locais, criminalizar estudantes e, como gozo final, decapitar o secretário de Educação em praça pública, enquanto fala muito sem dizer algo diante de câmeras e microfones.

A última aula se chama Vaidade. Diante da pior popularidade, o Reorganizador precisa manter a pose. Dizer que está aberto ao diálogo, mesmo que o tenha sempre negado. Adiar as medidas autoritárias, descansar o sono de beleza e sonhar com a retomada do processo quando a caldeira esfriar.

Terminei a leitura, pensei por um segundo, fechei a mensagem e voltei a cogitar sobre como as férias são valiosas demais para desperdiçar com cursos preparados às pressas.

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