Em 22 de novembro de 2002, participei de um encontro com jornalistas de todo o interior do Estado. O evento, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas, tinha como objetivo debater a situação do telejornalismo nas emissoras afiliadas e retransmissoras. Na ocasião, era chefe de reportagem e editor de texto na afiliada da Rede Record, em Santos. Escrevi um texto para aquela conversa, que localizei quando revirava um baú há uma semana. Ao reler, percebi que parte dos argumentos (e das dúvidas) são atuais. Fiz alterações mínimas para preservar a reflexão original.
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Ao ser convidado para debater, com colegas de todo o Estado, sobre as tendências do telejornalismo regional, fiquei preocupado com dois caminhos que são tentadores, mas que também podem desfocar o que – para mim – é a real intenção desse encontro.
O primeiro deles, não necessariamente na ordem de importância, é regionalizar demais a conversa (o que deve acontecer em alguns momentos, porém somente para simplificação). Se ficarmos presos ao universo da Baixada Santista, poderíamos frustrar expectativas e, acima de tudo, colocar sob os holofotes características próprias do telejornalismo produzido aqui, que não correspondem a outras praças produtoras e consumidoras de informação jornalística em São Paulo.
A segunda tentação seria esbarrar em profecias, exercícios de futurologia, diante do processo no qual se encontra o jornalismo atual. É pouco provável que alguém seja capaz de acertar na mosca quando se fala dos rumos a serem tomados pelas práticas jornalísticas e, principalmente, pelo ofício de jornalista.
Por isso, creio que a proposta mais relevante desse encontro – e acredito que seja esse o pensamento dos organizadores é discutir conceitos e como eles interferem no dia-a-dia do jornalismo regional. Quero deixar claro que não pretendo dar respostas. Tenho a intenção de confrontar ideias.
Além dos conceitos do fazer jornalístico cotidiano, precisamos relacionar a produção regional, local, com itens como velocidade, novas tecnologias, o grande número de fontes produtoras e distribuidoras de informação, crise ética da nossa categoria e, inclusive, excesso de dados como causa de desinformação.
O telejornalismo regional, no caso da Baixada Santista, pode ser considerado novo. Os telejornais mais antigos têm cerca de 20 anos (trecho atualizado, caro leitor). Se levarmos em consideração o tempo de vida de telejornais nacionais, ficamos ainda mais novos. E se levarmos em conta o mais tradicional veículo de comunicação da Baixada, o jornal A Tribuna, as TVs são bebês. E por serem bebês, são mais suscetíveis às mudanças de personalidade.
O advento dos telejornais regionais mudou completamente o mapa midiático da Baixada Santista. Além da evidente abertura do mercado de trabalho, que inclui o outro lado do balcão, os telejornais alteraram o comportamento das fontes, ampliaram a visão do públicos sobre as autoridades constituídas e modificaram muitas vezes a pauta política, econômica e social da região.
Não podemos esquecer o tamanho da responsabilidade, já que no Brasil 97% das pessoas se informam pela televisão. (O número é da Pesquisa Brasileira de Mídia 2014). E penso que aqui ou em outras áreas do Estado de São Paulo não é diferente.
No entanto, durante o processo de produção de um telejornal, muitas vezes eu me pergunto: o material que vai ao ar apresenta afinidade com o telespectador? As reportagens reforçam uma identidade regional? Para quem estamos falando?
Para retratar a identidade cultural de uma área, é preciso que o veículo de comunicação tenha uma identidade. Será que temos? Estamos em formação. Estamos incluídos num processo de mudança que afeta toda a prática jornalística.
Internet, jornalismo online, espetacularização da notícia, crise ética, formação dos jornalistas; são incêndios que deixam também chamuscados os jornalistas das praças mais afastadas dos grandes centros. Como lidar com isso sem perder o foco sobre o microcosmo que estamos inseridos? Francamente não sei.
Por este motivo, o debate é sempre interessante. Sair do sistema produtivo, olhando-o de fora e discutindo-o como objeto de estudo é para mim cada vez mais instigante.
De qualquer maneira, creio que é questão fundamental buscarmos um caminho próprio. À base de critérios elucidativos e tecnicamente profundos, os telejornais regionais devem estabelecer projetos editoriais próprios, que não dependam das grandes redes. Não devemos esquecê-las e tampouco ignorá-las, pois sabemos que em muitas ocasiões as medidas vêm de cima. As redes também são vitrines, pontos de visibilidade para a produção local.
No caso da tecnologia, precisamos ser tão rápidos, tão alucinados? É evidente que, em termos de jornalismo diário, a velocidade faz a diferença. Questiono a necessidade alucinógena de seguir à risca o conceito de tempo real. Tive um chefe – já falecido – que dizia: é melhor dar a notícia um pouco depois, com mais profundidade e qualidade do que divulgar de forma afobada e superficial.
A notícia fragmentada desinforma o público, quebra a essência do que considero jornalismo. Para que saber de parte da história agora se podemos tê-la por completo daqui a pouco? Por que os telejornais não podem tomar uma estrada diferente do senso comum?
Em parte, isso é feito. No telejornalismo regional, eventualmente há espaço para análise, para reflexão. Contudo, essa situação acontece numa linguagem diferenciada, em que imagem é secundária.
O que quero discutir é porque temos dificuldades em aplicar isso no formato convencional de telejornal. Tempo? Estrutura? Talvez. Aliás, quebrar o formato convencional – pelo menos numa fatia – seria também uma forma de regionalizar o processamento da informação.
O telejornalismo regional tem que pedir a carta de alforria à estética e à ditadura da linguagem. Por que não estética e linguagem próprias? Não estou propondo que queimemos tudo e iniciemos de novo. É evidente que os telejornais, quando nasceram, tinham que adotar um ponto de referência. E esse ponto foram os telejornais nacionais que, por sua vez, tomaram como influência a linguagem e estética jornalística norte-americana. Acredito que está na hora de andarmos com as próprias pernas e muitos já o fazem.
Adaptar é o que nos torna diferenciados, torna-nos regionais, aproxima-nos do público. Os telejornais regionais possuem essa enorme vantagem: o contato direto com as pessoas, sabendo de suas dificuldades, de seus desejos, de seu universo. A proximidade nos concede mais facilidades para que nós, jornalistas, possamos expor conceitos que socialmente são relevantes como cidadania, ética, alfabetismo políticos e relações sociais.
Os telejornais regionais – e posso dizer isso pelo que vejo na Baixada Santista – tentam seguir este caminho, muitas vezes de forma inconsciente, anárquica e, por isso, se surpreendem – dependendo do caso – com os resultados obtidos. Temos que enxerga à frente uma única meta: mostrar a face de quem estamos falando, com a definição clara para quem estamos falando.
Em outras palavras, dar ao telespectador a sensação inquestionável de identificação com seu bairro, cidade e região. Isso envolve também seus valores, cultura, modo de ver o mundo. É o maior desafio para os telejornais na atualidade.
Quero concluir com uma ideia exposta pela jornalista Neide Duarte. Ela deu uma entrevista para a revista Imprensa e, no meio da conversa, disse o seguinte: “Eu não acredito nesta história de que uma imagem vale mais do que mil palavras. É justamente a palavra que faz a diferença. Este tipo de texto pode ser usado em qualquer matéria, por menor que seja. Tem que buscar a palavra exata, a melhor palavra. E mais que isso: a palavra que revele a imagem. Que dê a imagem um novo sentido.”
Trazendo para o nosso cenário, quem não seja o caminho para o telejornal regional? Estimular a reportagem, no sentido de fortalecer a identidade local, fazer o telejornal a imagem e a semelhança de seu público, de sua cidade. Dar um novo sentido para a linguagem televisiva.