quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
Jogo de palavras
A política tem uma relação de conflito com a palavra. Uma espécie de Complexo de Édipo, em versão pervertida. Políticos dependem dela para sobreviver. Discursos, sedução, convencimento, negociação. Ao mesmo tempo, a palavra vale tão pouco quando usada na política partidária. O valor cai ainda mais, como ações em blackout, com o cheiro mais próximo das eleições. Alianças, acordos, acusações, manipulação e promessas.
Numa época em que políticos viraram produtos e os partidos, itens de prateleira que, embora parecidos, podem ser trocados pelos vendedores-candidatos, a palavra se transformou em bijuteria. Enfeita a imagem de alguém que deseja reescrever os fatos conforme as aparências indicam.
Nas últimas semanas, há vários casos, em todos os níveis, que reforçam os jogos de palavras, símbolos da luta para reduzir o impacto de atos impopulares ou simplesmente construir heróis que, na prática, merecem algemas e grilhões.
Na política nacional, o maior exemplo é o braço erguido de gente como José Genoíno e José Dirceu, que mancharam o passado com o mel do poder. A definição de preso político soa como piada pronta em um país que ironiza e si mesmo.
Como esperar que, numa democracia, tenhamos presos políticos? Como delirar e acreditar que membros de um partido no poder há 11 anos, na mesma democracia, possam ser classificados como pessoas perseguidas? Ainda bem que a imagem se desfaz na inversão das palavras: políticos presos. Só falta, agora, Valdemar da Costa Neto, o colecionador de renúncias, seguir a moda e também levantar o braço como um pantera negra dos anos 70.
Em São Paulo, o Governo estadual se esforça para manter o armário trancado. Aqui, os esqueletos tentam escapar via metrô e trens. Em São Paulo, o esquema de corrupção ganhou o nome de cartel, que minimiza a conivência e a cumplicidade de figuras públicas em um desvio inesgotável de uma década e meia. Os tucanos se balançam na árvore, acusam os adversários, tentam desviar o foco por meio de e-mails sem assinatura ou juram processar as empresas corruptoras.
Em Santos, o IPTU aumentou 100%. No jogo matemático, traduzido em palavras, o reajuste foi de 12%, com um desconto de 88%. Vereadores mais ousados no palavrório se arriscaram a falar em atualização de valores, descartando a omissão política frente à especulação imobiliária. Nada que convencesse os eleitores de que não houve falta de compromisso. Os parlamentares receberam de volta um rosário de queixas.
Nesta semana, a Câmara Municipal ficou lotada por conta de outro projeto, que transfere para Organizações Sociais (OS) serviços em áreas essenciais como educação e assistência social. Para o Sindicato dos Servidores Municipais, é privatização com risco de exoneração de funcionários públicos.
Para os que apoiam a administração municipal, é uma necessidade para salvar os cofres públicos, que batem no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. E as OSs teriam à disposição servidores municipais, que não perderiam empregos. Em outras palavras, com o perdão do trocadilho, os funcionários públicos trabalhariam para empresas privadas, pagos com salários do contribuinte, que espera por serviços públicos de qualidade?
Os políticos vivem entre palavras sofisticadas. Comissões, projetos executivos, planejamento, aditamento (mais dinheiro) de obras, realocação, cadastramento. Neste dicionário, palavras são versáteis. Até porque, na política, palavra não é para ser cumprida.
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