sexta-feira, 29 de maio de 2015

Por que só te calas?

Dois anos atrás, várias Prefeituras recuaram no reajuste do preço da passagem de ônibus e, no caso de Santos, a administração local decidiu manter a tarifa, por conta do clima político e das manifestações nas ruas. No domingo, dia 24, o preço pula de R$ 2,90 para R$ 3,25. Silêncio. Ruas caladas diante de um conformismo ou a reação de que não é conosco.

Nós ficamos em coma com o reajuste, assim como nos fingimos de mortos com a energia, com a gasolina, com a comida, tudo mais caro. Somos omissos diante de motoristas sem troco. Como será agora com as moedas de 25 centavos? Aceitaremos um assalto de valor mais alto? Somos omissos também com a distância maior entre os pontos de ônibus, para proteger o trânsito dos carros que – quase sempre – carregam exércitos de um passageiro só.

Aceitamos como favor ou migalhas obrigações transformadas em mérito como Internet e ar-condicionado nos veículos. Concordamos com ônibus lotados em horários de pico e minutos para um coletivo sair de um ponto por causa do número menor de paradas.

Não desconfiamos porque a mesma empresa controla o serviço de transporte público desde o século passado. Não perguntamos por que somente a mesma empresa se interessou pela concessão de um serviço tão lucrativo, ainda que os números não sejam públicos.

O aumento da tarifa de ônibus é só mais um exemplo que se multiplica como vírus numa sociedade de analfabetismo político. Ficamos calados quando deputados federais aprovam a construção de um shopping center ao lado do Congresso Nacional, ao custo de R$ 1 bilhão. Por que não transferir o esforço parlamentar para evitar um corte maior de R$ 9 bilhões na pasta da Educação?

Nós nos calamos quando o deputado federal Beto Mansur – o mesmo do selfie no incêndio da Alemoa – justifica o gasto da obra com palavras como “centro comercial” e “algumas lojas”. É o mesmo silêncio que ocorreu quando todos os deputados federais que representam a Baixada Santista votaram pela terceirização das relações trabalhistas.

Nós nos calamos quando os professores entram em greve para amenizar o abismo social que os engole ano a ano. Do vale-coxinha (nome sugestivo, anterior ao apelido que alcança o chefe do Palácio dos Bandeirantes) à violência diária nas escolas estaduais.

Nós nos calamos até o momento em que o governador Geraldo Alckmin, um mestre do xadrez político, esvazia o movimento pelo cansaço. Dois meses depois, dois meses de negativas e olhos fechados como Alice no País das Maravilhas, as escolas seguem quase em ritmo normal, de cotidiano heroico de várias categorias de funcionários.

Nós nos calamos diante das torneiras secas, do reajuste da água digno dos tempos do Sarney, na década de 80, e do mundo do não que governa Alckmin. Ele se elegeu, mais uma vez, com a cumplicidade de quem tolera um reajuste cavalar nos pedágios por causa de um contrato assinado pela turma que continua no poder. De quem tolera faltar água e ver professores com jornadas exaustivas e afastamentos por depressão, síndrome do pânico e outras patologias da modernidade semi-escravocrata.

Como dizem os argentinos quando falam de si, vivemos uma política adolescente. Reclamamos do PT com razão, por ser incapaz de cortar fundo a própria carne, mas transformamos a política numa novela mexicana, frágil na montagem de heróis e vilões.

Por que nos calamos? Talvez por nos faltar maturidade política para entender que os engravatados só se mexem quando a causa é clara, quando a faca encosta nos pescoços deles. Fora Dilma ou Volta Ditadura soam como pedido espiritual tamanha a abstração e distância da realidade. Blefes cívicos não resolvem uma questão prática, como abrir uma torneira ou pagar mais para subir num ônibus lotado, todos os dias.

Por que nos calamos e somos seletivos para ir às ruas? Gritar na Internet ajuda, mas não faz cócegas em que insiste em nos lesar. Bater panelas nas varandas não muda nada, apenas aumenta os decibéis de quem precisa descansar um pouco. Bater panela na janela faz, na prática política, o mesmo barulho que um monastério budista.

Por que não mudamos de janela? Talvez os ouvidos políticos fiquem mais sensíveis se as panelas estiverem embaixo das varandas com mandato? Por que não abrimos a boca e vamos para a rua, uma causa por vez?

sábado, 2 de maio de 2015

Os bandidos


Os professores são bichos estranhos. Enquanto todos falam de seus trabalhos como atividade remunerada, professores são voluntários porque dão aulas. E não somente dão aulas com ajuda de custo, como o fazem com exclusividade, traduzida na pergunta: você só dá aula?

Agora, os professores resolveram se comportar mal. Quando a ordem é enterrar a cidadania e os direitos adquiridos, os professores do Paraná foram petulantes ao protestar nas ruas. Manifestações só valem para questões tão dispersas quanto espirituais. Intervenção militar, por exemplo.

Os professores são sujeitos violentos. Quando não se armam com giz ou caneta de lousa branca – apagador é proibido -, os educadores perdem os bons modos e atacam policiais com os próprios corpos. Batem a cabeça em cassetetes, furam o braço nos escudos dos policiais.

Professores são masoquistas. Aceitam com prazer salários ruins, vale-coxinhas e jornadas em várias instituições. O altruísmo sem limites inclui dar a outra face para o murro policial. E tem que ser em praça pública, pois docentes são narcisistas que precisam apanhar e aparecer para as câmeras de TV.

Esses marginais contam com apoio de outros criminosos impregnados de má fé. Um deles era cinegrafista. Ele não só registrava o que acontecia para prejudicar os policiais como também provocou o pitbull que dilacerou sua perna esquerda. Um kamikaze, provavelmente, que pretendia tirar licença do trabalho e curtir férias no hospital. Por que não adquirir uma cirurgia reparadora no pacote de folgas?

Os bandidos de diploma de licenciatura representam má influência, claro. Os deputados estaduais do Paraná, assim como parlamentares de todo o Brasil, tem o direito de defender suas propriedades. Assembleia Legislativa não é casa do povo, da ralé. É a extensão residencial dos engravatados com mandato. E com guarda pretoriana particular, enfeitada de capacete, escudo, armas, bombas e dinheiro público.

A má influência contaminou 17 PMs desertores. Eles se recusaram a atacar os professores. Cadeia neles! Como puderam perder tamanha oportunidade de surrar insurgentes desarmados, baderneiros? A polícia não é para proteger patrimônio?

Esses policiais tomaram doses de humanidade. Envenenados pelo povo que deveria estar em sala de aula, de bico calado e cabeça baixa. Parar de trabalhar? O Paraná deveria aprender com São Paulo, onde o governador – do mesmo partido – jura que greves (ah, e falta d´água) não existem.

Três grandes jornais diários não surpreenderam. Nas manchetes, a palavra confronto. Jornalistas sabem – porque é matéria-prima – o peso e a intenção de uma palavra. Confronto quando um lado ataca e o outro corre pela impossibilidade de se defender?

Triste é o país onde seus professores são tratados como bandidos. Triste é uma sociedade que, em suas entranhas, defende intervenção militar e é incapaz de se mover por quem os ensinou durante muitos anos. Vai ver que a ironia está aí: os professores não ensinaram direito porque estavam preocupados em protestar!