sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A falsa divisão



Fonte: Revista Fórum

O resultado das eleições presidenciais provocou uma série de leituras estranhas, que não sobrevivem ao olhar frio dos números das urnas eletrônicas. As interpretações sugerem, acima de tudo, a procura por estatísticas que alimentem o preconceito, talvez a maior lembrança de uma campanha tão suja quanto equilibrada.

O primeiro equívoco trata de um país dividido. A tese inicial dava conta de que Dilma Rousseff representaria as regiões Norte e Nordeste. Aécio Neves, por consequência, seria o presidente escolhido pelas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Dilma venceu em 15 Estados. Aécio, em 12. A divisão não é geográfica. Dilma, por exemplo, venceu em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, o que derruba o argumento de que o Sudeste era tucano. São Paulo, por mais que seja quintal do PSDB há mais de 30 anos (se somarmos os primórdios da legenda, dentro do PMDB), não é o Brasil, muito menos decisivo para selar uma eleição, como muitos pregaram durante a campanha.

Por outro lado, a candidata do PT perdeu no Acre, onde o governador Tião Viana, do mesmo partido, se reelegeu. Dilma perdeu também em Rondônia e Roraima. No Centro-Oeste, Aécio perdeu em Tocantins.

Apostar em um país dividido por geografia é arranhar a superfície e desconsiderar os regionalismos na política. Por que nos assustamos com as alianças estaduais bizarras e não esperamos resultados condizentes nas urnas?

Se tivermos que desconfiar de uma divisão, mesmo assim torta, que se creia – duvidando sempre - que o país está rachado no aspecto socioeconômico. Ou seja: PT seria o partido dos pobres. PSDB, o dos ricos. Nos 12 Estados onde o tucano venceu, Dilma teve, no mínimo, 35% dos votos. Em sete deles, mais de 40%. Na verdade, está mais com cheiro de leitura atravessada de classe média.

Compreender a tendência de votos não é, de longe, acreditar no erro da generalização. E também não levar em conta a minoria barulhenta como o todo. Corrida aos aeroportos, metamorfose cubana, comunismo, nada mais antigo quanto o século XX, mais perto da Segunda Guerra Mundial do que do mundo contemporâneo.

No governo Lula, deu-se o paradoxo. Enquanto os bancos lucraram como nunca, as camadas mais pobres tiveram acesso aos bens materiais domésticos. Ambos os extremos foram beneficiados pela política econômica baseado no crédito e consumo, marca do mundo globalizado. Na ocasião, ninguém ameaçou comprar passagem só de ida para o exterior.

A eleição deste ano apenas reacendeu uma característica sempre presente, desde a formação deste território. O preconceito social é inerente a todos os outros tipos de violência discriminatória. Como qualquer preconceito, é baseado em desinformação e insegurança. Um comportamento regado à ameaça de quebra de privilégios e manifestado como o individualismo mais virulento.

Discutir políticas públicas é apenas um detalhe. Fazer política, para essa gente, é o exercício cotidiano do moralismo e da hipocrisia.

Em tempo: o pedido de auditoria sobre a apuração dos votos soa como choro de mau perdedor. O PSDB acompanhou a eleição de perto e sempre foi defensor do sistema eleitoral brasileiro, inclusive porque também se beneficiou das regras atuais e nunca se esforçou pela reforma política, por exemplo.

Comprar as teorias conspiratórias que nascem nas redes sociais ou na pena dos escribas destemperados parece berreiro infantil. Na prática, será perda de tempo de quem poderia se preocupar mais em estruturar uma oposição construtiva e presente.

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