Mochilas se transformaram em objetos criminosos. Cores, tamanhos, marcas diferentes, todas podem transportar armamentos pesados, possivelmente camuflados entre papéis, livros, jornais, notebooks, celulares e agendas. Este arsenal é utilizado por estudantes, professores e outros profissionais quando tem a intenção cristalina de, solitariamente, assaltar um banco. Estes marginais não formam quadrilha. São, na mente dos seguranças, lobos solitários. Ou – para alguns gerentes – iscas para roubos cirúrgicos.
Esta semana, um professor tentou sacar dinheiro no banco. Foi a uma agência, recheada de imagens de gente feliz, segura em situações confortáveis. Cartazes e outros tipos de mensagens publicitárias que repetem um mantra, quase um juramento: o banco foi feito para ele.
Ele não precisava entrar na agência. Faria o saque em um dos caixas eletrônicos, pois pretendia pagar duas contas ainda naquela tarde. Estranhou que o acesso estava concentrado na porta giratória. Quinze minutos antes, havia feito um depósito em um banco público, a uma quadra dali, e as áreas estavam devidamente separadas.
O professor carregava uma mochila. Não sabia que adentrava na zona perigosa do padrão meliante. Talvez as cores cinza e azul indicassem ao segurança o risco de violência. Ou a própria mochila fosse um sinal de perigo, que ressuscitava experiências anteriores de criminalidade no local.
O professor foi barrado pelo detector de metais. Entregou chaves, celular, todos os metais que julgava possuir. Ele o fez de boa vontade, sem duvidar de que havia um olhar determinado a constrangê-lo. Não ele exatamente, nada pessoal, mas o sintoma de periculosidade que carregava preso em um dos ombros.
Depois de barrado por três vezes na porta giratória, o professor informou aos dois seguranças que na mochila só haviam papéis. Agora eram dois seguranças – multiplicados e unidos pela atenção ao suspeito –, que reiteravam ao cliente que não poderia entrar na agência. A máquina indicava que a mochila transportava metais.
Em paralelo, uma fila de dez pessoas se formara no sentido oposto, parte com a cara fechada pelo entrave na porta giratória, parte com aquela expressão de “é assim mesmo, deixa disso”.
O professor, há 15 anos correntista do banco, de quem recebeu o cartão com as estrelinhas brilhantes de taxas abusivas, não teve dúvidas. Ele assumiu o personagem e se comportou como um suspeito. Abriu a mochila e retirou o armamento pesado que traria pânico para clientes e funcionários.
Dali, saíram papéis, uma revista, o jornal do dia, dois livros, agenda de compromissos, agenda de telefones, um fichário e uma caderneta. Artefatos capazes de provocar ferimentos graves e mortes em massa. Se acionasse todos ao mesmo tempo, o homem-bomba seria coroado mártir.
Neste momento, com a fila se reproduzindo como coelhos, a gerente foi chamada. Ela aproximou-se dos seguranças, olhou de lado, mediu o professor e, categoricamente, deu o veredicto, como especialista em situações de constrangimento.
— Ah, deve ser o fichário!
A sentença do processo kafkiano resultou no milagre da liberdade. A porta giratória deixou de detectar substâncias condenáveis na mochila e se moveu como as águas de Moisés. O professor foi liberado e pôde efetuar o saque. Com direito à mochila nas costas.
Na saída, dois minutos depois, ele olhou para um dos seguranças, que tentou desviar o rosto, mas não conseguiu ficar surdo.
— Viu? Ninguém foi assaltado. Pode ficar tranquilo. Nunca quis roubar o banco em 15 anos de correntista. Mas o contrário ...
O segurança agradeceu com o sorriso mais amarelo do que o cartaz solar à esquerda, que retratava uma família correndo feliz pela grama verdinha, amparada pelo texto que insistia: o banco era feito para ele.
Ao compartilhar a história, o professor percebeu que o treinamento anti-guerrilha ganhou contornos humorísticos e patéticos. Uma cliente, por exemplo, foi aconselhada a comprar uma bolsa com menos zíperes. Outra recebeu a dica para ir ao banco acompanhada. O guarda-costas particular ficaria do lado de fora para proteger a mochila. Proteger de quem?
Conselhos, assim, talvez sinalizem a contaminação por metais pesados nas portas giratórias. Metais que provocam problemas neurológicos e psiquiátricos, que infectaram e mataram o discernimento e parte da humanidade de homens de gravata e mulheres de terninho atrás de suas mesas. Afinal, mochilas e bolsas são a prova de que quadrilhas informais podem roubar o segmento que mais lucra no Brasil a qualquer hora, ainda mais no horário de expediente.