A educação recebeu uma missão tão inglória quanto improvável. Virou o exorcista que nos salva de todos os demônios. A resposta para todos os problemas sociais, que mascara as feridas na infra-estrutura em diversas áreas, como saúde, transporte e segurança pública.
Dentro da fragilidade deste discurso, tão comum na boca de políticos, empresários e até educadores, teóricos de carteirinha ou não, o diploma ressuscita como o cavaleiro que cravará a espada no peito do dragão da ignorância, da miséria e da exclusão. A banalização chega ao nível de que qualquer canudo serve. A iniciação do aprendiz pode ser via presencial, virtual, em instituição de primeiro time ou na quitanda do seu Joaquim.
Ter diploma seria, pelas promessas de campanha, o passaporte para degraus mais altos na montanha da desigualdade social. As armas para sobreviver à travessia seriam conteúdos em grande quantidade, sem conexão entre eles, informações com serventia imediata e conhecimento que ganha importância se for aplicável em tarefas, nunca em reflexão.
Sempre fomos escravos do diploma como instrumento de poder. O papel servia para diferenciar os doutores dos seres humanos mortais. Estabelecia status e acesso a círculos sociais de chave restrita. Esta visão medíocre ainda persiste dentro de muitos segmentos, inclusive na universidade.
O problema mudou, mas a natureza dele não. A expansão do ensino superior levou o diploma para camadas sociais que jamais poderiam sonhar com ele. A ilusão se manifesta quando a aquisição do diploma representa o final da linha. É o momento em que se percebe o engodo após anos de gastos e privações. O mundo lá fora não se adequou ao papel recebido em festa. Em muitos casos, ignora a essência do documento e exige aquilo que o dono dele não pode proporcionar.
Diante de uma educação cada vez mais tecnicista, as deficiências e as limitações simbolizadas pelo diploma soam mais cristalinas. E parte delas não está na estrutura da casa do saber; aliás, denominação arrogante que indica falsa exclusividade.
O diploma jamais trará decência e caráter. Nada mais frágil do que supor que horas em sala de aula vão parir uma mudança de valores. Pelo contrário, é muito mais comum reproduzir o modelo desigual e cruel do lado de fora dos muros. Parece, para muita gente, aceitável e normal vomitar arrogância e frieza, absorvidas de quem deveria combatê-la ou reforçada pelo distanciamento do mundo.
O diploma jamais entregará sensibilidade. Olhar para o outro, compreendê-lo, aceitá-lo e respeitá-lo pelas semelhanças, mas principalmente pelas diferenças, não é uma lição que pode ser ensinada por disciplina alguma. Não está nos teóricos, muito menos nas correntes de pensamento que unem e rechaçam outras ideias. A sensibilidade reside em nós, que se manifesta nas relações entre as pessoas, independentemente da posição e do número de certificados pregados nas paredes da sala.
O diploma jamais dará poesia de presente. Perceber-se dentro de um cenário e buscar em seus detalhes o combustível para prosseguir é consequência dos requisitos anteriores. Como entender o que está além da janela se não se vê a própria casa? Como entender a importância das frutas do quintal se o alimento é a cobiça sobre o que não existe ou só existe sob forma de inveja?
Não me entenda mal. O diploma é crucial e merece defesa, até porque o problema não parte dele. A enfermidade está impregnada nos seres que o enxergam como passe livre para o poder. Que, acima de tudo, o utilizam para separar, para transformar pessoas em robôs ou gado.
Neste sentido, o diploma é sem cor, gosto ou cheiro, se a educação não servir para abrir a porta e libertar, desde que o viajante tenha a consciência de que pode escolher a rota e refletir continuamente sobre outros caminhos, inclusive suspender a viagem e se lambuzar de prazer na inércia.