quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
O homem de 8 mil necropsias
Gabriela Nakashima e Mariana Carvalho*
O auxiliar de necropsia policial do Instituto Médico Legal de Santos, Almir Mestre, está na função há 27 anos. Tem um caderno aonde anota o nome de cada vítima que passou por ele. "Desde o inicio, eu escrevo o nome e marco todos que fiz necropsia. Até hoje, eu devo ter feito cerca de 8 mil, entre Guarujá, Praia Grande e Santos”.
Ele ainda se choca com alguns casos, mesmo depois de muito tempo de trabalho. "Por exemplo, os de mortes por acidente de trânsito ou aqueles em que as pessoas saem de casa para trabalhar e antes de chegar nela ou no trabalho elas acabam morrendo lamentavelmente".
Para Almir, a pior situação é receber o corpo de uma criança. "No início da minha carreira de necropsia, mexia muito comigo, e pensava que poderia ser meu filho, meus sobrinhos ou até mesmo alguma criança conhecida".
Preconceito - A profissão é, eventualmente, envolvida em preconceito, como acontece com outras atividades ligadas à morte. Para Almir, a saída é desabafar sempre com a esposa, família e amigos.
O auxiliar de necropsia policial não conta com apoio psicológico no cotidiano profissional. Por outro lado, ele entende que é parte da função sempre conversar com os familiares das vítimas que chegam ao IML. "Sempre procuro conversar com a família dos corpos que vou fazer a necropsia, saber o que houve. Assim, o exame que irei fazer fica mais claro para mim e para o legista."
Escolhido por Deus - No início da carreira, ele não ficava sozinho com os cadáveres. "Eu achava que eles iam levantar coisas assim. Levei alguns meses, o tempo foi passando e eu acabei me acostumando. Hoje fico de noite, de dia, não sinto mais medo."
Trabalhar com a morte, para Almir Mestre, é um sacerdócio. “Acho que as pessoas que trabalham nesse ramo de atividade são escolhidas por Deus."
* Esta reportagem faz parte do projeto “Os Indesejados”, produzido por estudantes de Jornalismo da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS)
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Crianças de verdade, profissão de mentira
Esta é a primeira reportagem da série "Os Indesejados", que aborda temas sociais na Baixada Santista. Os textos foram produzidos por estudantes de Jornalismo da Universidade Católica de Santos.
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Géssika Assis e Samira Lima
Mais ou menos 9h30 da manhã. Eles estão em dupla e sempre o fazem assim. O tempo é muito importante, pois quanto mais cedo chegarem, mais dinheiro os dois garotos podem ganhar. Vitor, de 13 anos, e Igor, de 11, são aparentemente pequenos para a idade.
A verdade é que o dia deles é condicionado ao tempo. Sempre sincronizados, ficam atentos às luzes do semáforo que está na esquina da rua Amilcar Mendes Gonçalves com a avenida Conselheiro Nébias, em Santos, litoral de São Paulo.
Depois que a luz vermelha se acende e os carros param, eles têm exatamente 1 minuto para a apresentação. Então, correm para a faixa de pedestres, se posicionando com a agilidade de meninos magrelos e leves.
Igor está sempre em pé sobre os ombros de Vitor, lançando no ar, uma por vez, as três bolas de tênis. Sem margem de erro, as bolinhas flutuam por cronometrados 30 segundos, podendo demorar até 34. Afinal, eles precisam da outra metade do tempo para percorrer o corredor entre os carros, sorrindo e fazendo o jóia simpático de um polegar opositor infantil.
Os dois meninos se vestem com camisetas simples e desgastadas bermudas pretas e, nos pés, chinelos de dedo, que Igor tira toda vez que vai subir nos ombros do colega.
Ambos moram em São Vicente, mas preferem sair de suas casas todos os finais de semana para irem até o ponto conhecido entre eles como "Azulzinho". Alegam que o valor que conseguem arrecadar é maior se comparado a qualquer semáforo de São Vicente. O apelido foi adotado pelos meninos, devido ao edifício Blue Tower, todo revestido de cerâmica azul, que fica no cruzamento, ao lado do farol.
“Assim, eu acho legal e interessante, é bem melhor do que ficarem por ai fazendo besteiras como usar drogas ou roubar”, diz Adeval Santos Silva, recepcionista do Blue Tower. E assim, não incomoda tanto? “O certo mesmo seria eles estarem na escola, praticando esportes, evitar esse tipo de iniciativa por parte deles”, completa João Carlos Ferreira Costa, protético dentário e morador do mesmo prédio.

Parentes e Danone - Vitor tem dois irmãos, estuda no período da tarde e só vem para o semáforo aos finais de semana. Jasline Tailise da SIlva, de 20 anos e promotora de vendas, que trabalhava no semáforo, os viu e descobriu que Vitor, filho da sua madrinha, era um dos garotos malabaristas. E diz que quem cuida dele e dos seus irmãos é a avó, com 53 anos, enquanto a mãe trabalha em dois empregos: meio período numa empresa de telemarketing e outro durante a noite, em um posto de gasolina.
Durante a conversa com Jasline, o garoto retorna com um danone nas mãos, que ganhou de um dos motoristas. Abre um sorriso e fita com os olhos cor de mel: "Qué, tia?"
Ao ser indagado se alguma vez já deixou a bolinha cair, Vitor responde com um ar sem jeito: "uma vez caiu no capô de um carro, fez um barulhão. O motorista disse 'que isso? Acontece'", diz sorrindo, ao bebericar o danone.
Vitor diz que vem para o semáforo todos os finais de semana para ajudar em casa, comprando as próprias coisas: "Minha mãe ganha 900 reais. Imagina. Comprar roupa e tudo pra nóis três. Daí, comigo não precisa se preocupá."
Igor, muito tímido, fala pouco de si no princípio, mas afirma que também tem dois irmãos. Ele está no "negócio" há dois anos e pretende aprender o malabares com 4 bolinhas.
Os dois meninos utilizam o dinheiro que ganham para comprar roupas de marcas, pois adoram QuikSilver, Oakley, Hollister, e gastam na lan house do bairro onde moram. Dizem que os pais estão cientes desta rotina e que se preocupam com atropelamentos, mas sabem que se proibirem não haverá resultado, já que os garotos iriam da mesma forma para o semáforo.
Cem reais - Ambos chegam por volta de 9h30 e vão embora às 16h, mas depende do valor que conseguem arrecadar: "É uma e vinte e cinco ó. Já fiz setenta e cinco, tia.", diz Vitor, orgulhoso. Mas já receberam de um motorista uma nota de R$ 100.
A dupla conta que sofre denúncias de alguns moradores: “Tem gente que não gosta não, chama os guardinha pra gente. Eles perguntam se a mãe da gente obriga a gente a fazer”. E por isso não ficam em semáforos na avenida da praia, onde obviamente conseguiriam mais dinheiro. Também por que temem que possam perder o dinheiro de um dia todo embaixo do sol. “Quando eles estão com fome, tia, eles vem e pegam nosso dinheiro”, explica Igor. “Só porque o menino não quis dar o dinheiro pra eles, eles foram lá e bateram no menino”, completa Vitor.
O semáforo, para Vitor, o mais velho, tem prazo de validade. "Quando fizer 14 anos, vou pro Camps". E você, Igor? Como vai fazer sem seu parceiro? "Vou continuar sozinho mesmo, tia." E seguem para a praia, aproveitar o fim de sábado como crianças de verdade.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Um ano, um balanço
Final de ano é tempo de balanços e promessas. Na política, é clichê dividir um governo em três etapas. O primeiro ano é a fase em que o novo administrador tenta arrumar a bagunça do antecessor. Os dois anos seguintes são o período de governo, de fato. E o último ano é campanha eleitoral.
O primeiro ano do PSDB na Prefeitura de Santos foi irregular. Mas o que esperar com uma turma de calouros? Meia verdade. Parte do governo atual já estava no poder com o ex-prefeito João Paulo Tavares Papa. O PSDB tinha o vice-prefeito da gestão anterior.
Salvo algumas declarações de secretários, os tucanos evitaram cutucar Papa, que depois se filiou ao próprio PSDB. Há funcionários de primeiro e segundo escalões que são governo há 17 anos, quase a maioridade no poder.
A Prefeitura se escorou em grandes projetos, que soam como promessas de réveillon. O VLT empacou depois de meses se arrastando entre São Vicente e Santos, entre discursos e rusgas jurídicas. O túnel, promessa desde 1927, ganhou uma dúzia de traçados, a pressão popular e a contratação de burocratas pelo Governo do Estado. A Prefeitura se apoiou também em parcerias com o Governo Federal. A Macrodrenagem na Zona Noroeste é o exemplo. Em ano eleitoral, o trabalho – quem sabe? – acelere.
Na política, o primeiro ano de Governo não enfrentou sobressaltos. O filho Paulo manteve ótima relação com o pai Geraldo. O governador esteve na cidade várias vezes, onde anunciou recursos e até falou de projetos que ainda não existiam na Baixada Santista. Até os adversários tentaram capitalizar votos por aqui, como o ministro da Saúde e pré-candidato ao Governo de São Paulo, Alexandre Padilha.
As relações com a Câmara Municipal seguiram com os vereadores – em sua maioria – adestrados pela Prefeitura. Até as medidas mais impopulares, como o reajuste do IPTU e a criação de Organizações Sociais, passaram sem dor, com parlamentares servindo de escudo do governo.
A pedra no sapato foram os servidores municipais. Houve a primeira greve da categoria em 18 anos. O prefeito atual acalmou os ânimos com um abono travestido de reajuste. Assegurou o cessar-fogo por seis meses. A ira dos servidores ressuscitou em dezembro por conta da criação da OSs.
A resposta de Paulo Alexandre assegurou a trégua das festas de final de ano. A Prefeitura anunciou um concurso público com 439 vagas. Uma medida estratégica, que mantém a categoria em compasso de espera até 9 de março, quando acontecerá a prova. Aliás, a folha de pagamento está bem perto do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na área social, o Hospital dos Estivadores – uma das principais promessas de campanha – segue em coma. Nos transportes, a administração congelou a tarifa dos ônibus e enalteceu medidas pontuais, como meia dúzia de ônibus com internet e ar-condicionado.
A cultura permanece como primo pobre, sobrevivendo com os trocados do orçamento e o trabalho apaixonado de muitos técnicos competentes. Por outro lado, a pasta teve que encarar as mortes no Carnaval e o menino eletrocutado em uma das tendas da orla da praia.
Mais de mil moradores de rua acenderam as pressões sobre o governo, que inaugurou centros de atendimento – ainda que insuficientes para a demanda – e acelerou acordos com entidades religiosas para tratamento de dependentes químicos. A administração municipal ignorou pesquisas internas e pagou R$ 221 mil para a Fipe realizar um censo de moradores de rua e descobrir o óbvio, como 90% dos moradores de rua têm problemas com álcool.
Na política, dizem que os governos começam a funcionar no segundo ano. Talvez seja a hora de cuidar, inovar e avançar, verbos tão desgastados na campanha de 2012.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Voto às cegas
Ao aprovar por 14 votos a cinco o projeto de lei que autoriza a transferência de serviços públicos para Organizações Sociais, a Câmara Municipal de Santos assinou um cheque em branco para a Prefeitura. Os vereadores legislaram em causa própria, preocupados em manter o bom casamento com o Poder Executivo, ao mesmo tempo em que viraram as costas para os protestos de servidores e de outros setores da sociedade.
Os vereadores precisarão de costas largas para se defender das reações fora do plenário. Contam com o recesso parlamentar para abaixar a poeira e, principalmente, com o jogo de desinformação em torno do assunto.
O nível de conhecimento do projeto das OSs por parte alguns parlamentares assusta. Hugo Dupreé, por exemplo, mencionou – durante entrevista a um programa institucional da Câmara – que o Poupatempo é um caso de sucesso, o que legitima o projeto. É como comparar bananas e feijões.
Tanto o prefeito quanto os vereadores citam o Hospital do Câncer como símbolo do êxito das Organizações Sociais. São incapazes de mencionar outros episódios. E argumentam que estas organizações não possuem fins lucrativos. Funciona como teoria infalível. Na prática, multiplicam-se pelo país casos de mau gerenciamento de recursos. No Nordeste, há inúmeros exemplos, como cooperativas de médicos.
A Prefeitura também defende que as OSs vão desafogar os gastos públicos. Mas se “esquece” que a folha de pagamento bate no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. O orçamento cresceu 23,7%, mas as despesas aumentaram na mesma intensidade.
Em linhas gerais, Organização social é um título concedido pela administração pública a entidades privadas, sem fins lucrativos. A entidade pode receber benefícios, no caso, da Prefeitura, como isenções fiscais e dotações orçamentárias. Em contrapartida, estas organizações prestam serviços, que devem ser de interesse público.
O projeto de lei autoriza a Prefeitura a firmar convênios com estas organizações para que assumam serviços nas áreas de ensino, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, direitos humanos e cidadania, proteção e preservação do meio ambiente, assistência social, esporte e lazer. Como se vê, a proposta é tão vaga quanto o texto jurídico do projeto de lei. As Organizações Sociais poderão atuar em serviços prestados pela administração ou em atividades que a Prefeitura não trabalha.
O projeto de lei entrou goela abaixo no final de feira do ano legislativo. Não aconteceram audiências públicas. Nenhuma experiência foi feita para testar a viabilidade do modelo. Santos já poderia adotar as OSs na área da cultura. O Teatro Coliseu, ainda que de forma tímida, foi um exemplo cogitado pela própria administração.
O incêndio político também alcançou o prefeito, vaiado duas vezes no último domingo. A reação foi previsível: classificar os protestos como campanha eleitoral antecipada. A presença quase semanal do governador Geraldo Alckmin na Baixada Santista significa o quê? Simpatia pela cultura caiçara? O mesmo vale para a visita do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no último domingo.
Todos os vereadores que aprovaram a criação de OSs também votaram a favor do aumento do IPTU. São eles: Ademir Pestana, Antônio Carlos Banha Joaquim, Cacá Teixeira, Douglas Gonçalves, Fernanda Vanucci, Hugo Dupreé, Jorge Vieira da Silva Filho (Carabina), José Lascane, Kenny Mendes, Manoel Constantino, Marcus de Rosis, Murilo Barletta, Roberto Teixeira Filho e Sandoval Soares. O vereador Sergio Santana, da base governista, se absteve da votação.
Os próximos três anos de governo devem nos dizer que tipo de presente serão as Organizações Sociais: de Natal ou de grego.
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
Qual Câmara queremos?
Salvo momentos cambaleantes, a Câmara Municipal de Santos está de joelhos. Não é a postura de oração ou um pedido de misericórdia. O Parlamento se ajoelhou por reverência e submissão política ao Poder Executivo. E começa a pagar o preço de apoiar medidas impopulares, muitas delas nascidas sem o debate público.
Na última sexta-feira, servidores municipais e representantes de outros sindicatos travaram a entrada de vereadores no plenário e impediram a segunda votação do projeto de lei que repassa serviços essenciais para Organizações Sociais (OSs).
Nas últimas três sessões, os servidores impediram os parlamentares de se manifestar no plenário. Os protestos oscilaram entre vaias, apitos e gritos de “vendidos!”.
A Câmara Municipal, via de regra, se contenta em ser um braço político do Poder Executivo. Na prática, quase um apêndice burocrático que pouco se interessa em confrontar a Prefeitura ou cumprir uma das funções básicas do Poder Legislativo, que seria fiscalizar a administração municipal.
A postura não é nova nem recente. A Câmara reza a cartilha da Prefeitura desde o período dos prefeitos biônicos. Os seis prefeitos da fase democrática seguiram com as rédeas sobre o Poder Legislativo, numa relação de morde-e-assopra, que varia conforme o perfil do comandante.
Na atual gestão, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa tem aprovado o que quiser na Câmara. Somente três dos 21 vereadores são de oposição, salvo mais dois ou três que, de vez em quando, gritam contra o Poder Público. Oposição, aliás, confortável porque também falta um discurso alternativo e pragmático para neutralizar a retórica de sorrisos, afagos e publicidade dos tucanos.
Nos corredores do poder, o máximo que muitos vereadores da base do governo fazem é reclamar que o prefeito não os recebe. As queixas se complementam com o sentimento de que “éramos felizes e não sabíamos”, veladamente se referindo ao governo anterior, que também compartilhava da política da distância segura. Sem intimidades, é mais fácil padronizar o controle.
Os vereadores não esperavam a pressão popular. Eles estão mal acostumados com a “qualidade” de vida na Câmara, sem sobressaltos ou conflitos. O primeiro impacto ocorreu em novembro, quando 17 dos 21 parlamentares legitimaram o aumento médio de 12% do IPTU (na verdade, 100%, com desconto de 88%, em trocadilho matemático).
Agora, os vereadores fizeram cara de surpresa com a pressão política em torno do projeto das OSs. O Sindicato dos Servidores fala em exoneração de funcionários, fato negado pela Prefeitura. O presidente do sindicato, Flavio Saraiva, fez promessas duras. Em entrevista ao repórter Luigi di Vaio, do Diário do Litoral, o sindicalista disse que, em 2014, “vamos mostrar para a população o quanto custa esta inutilidade chamada Câmara de Santos.”
Realmente, a Prefeitura não se preocupou em debater e explicar à população do que se trata o projeto. Sequer cogitou publicamente fazer experiências com o novo modelo de gestão. A Prefeitura pretende, com o projeto de lei, transferir para organizações privadas serviços em seis áreas como educação e assistência social. E com uso de servidores públicos, dependendo do caso. Para muitos, é uma privatização disfarçada.
A Câmara Municipal de Santos não é uma instituição inútil. É fundamental para a estrutura do processo democrático. Nos últimos 30 dias, apenas para mencionar o passado recente, o Poder Legislativo se mostrou de grande utilidade. Serviu com eficiência ao Poder Executivo, sem pisar em falso, quando não distribuía títulos de nobreza ou preenchia requerimentos.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
Jogo de palavras
A política tem uma relação de conflito com a palavra. Uma espécie de Complexo de Édipo, em versão pervertida. Políticos dependem dela para sobreviver. Discursos, sedução, convencimento, negociação. Ao mesmo tempo, a palavra vale tão pouco quando usada na política partidária. O valor cai ainda mais, como ações em blackout, com o cheiro mais próximo das eleições. Alianças, acordos, acusações, manipulação e promessas.
Numa época em que políticos viraram produtos e os partidos, itens de prateleira que, embora parecidos, podem ser trocados pelos vendedores-candidatos, a palavra se transformou em bijuteria. Enfeita a imagem de alguém que deseja reescrever os fatos conforme as aparências indicam.
Nas últimas semanas, há vários casos, em todos os níveis, que reforçam os jogos de palavras, símbolos da luta para reduzir o impacto de atos impopulares ou simplesmente construir heróis que, na prática, merecem algemas e grilhões.
Na política nacional, o maior exemplo é o braço erguido de gente como José Genoíno e José Dirceu, que mancharam o passado com o mel do poder. A definição de preso político soa como piada pronta em um país que ironiza e si mesmo.
Como esperar que, numa democracia, tenhamos presos políticos? Como delirar e acreditar que membros de um partido no poder há 11 anos, na mesma democracia, possam ser classificados como pessoas perseguidas? Ainda bem que a imagem se desfaz na inversão das palavras: políticos presos. Só falta, agora, Valdemar da Costa Neto, o colecionador de renúncias, seguir a moda e também levantar o braço como um pantera negra dos anos 70.
Em São Paulo, o Governo estadual se esforça para manter o armário trancado. Aqui, os esqueletos tentam escapar via metrô e trens. Em São Paulo, o esquema de corrupção ganhou o nome de cartel, que minimiza a conivência e a cumplicidade de figuras públicas em um desvio inesgotável de uma década e meia. Os tucanos se balançam na árvore, acusam os adversários, tentam desviar o foco por meio de e-mails sem assinatura ou juram processar as empresas corruptoras.
Em Santos, o IPTU aumentou 100%. No jogo matemático, traduzido em palavras, o reajuste foi de 12%, com um desconto de 88%. Vereadores mais ousados no palavrório se arriscaram a falar em atualização de valores, descartando a omissão política frente à especulação imobiliária. Nada que convencesse os eleitores de que não houve falta de compromisso. Os parlamentares receberam de volta um rosário de queixas.
Nesta semana, a Câmara Municipal ficou lotada por conta de outro projeto, que transfere para Organizações Sociais (OS) serviços em áreas essenciais como educação e assistência social. Para o Sindicato dos Servidores Municipais, é privatização com risco de exoneração de funcionários públicos.
Para os que apoiam a administração municipal, é uma necessidade para salvar os cofres públicos, que batem no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. E as OSs teriam à disposição servidores municipais, que não perderiam empregos. Em outras palavras, com o perdão do trocadilho, os funcionários públicos trabalhariam para empresas privadas, pagos com salários do contribuinte, que espera por serviços públicos de qualidade?
Os políticos vivem entre palavras sofisticadas. Comissões, projetos executivos, planejamento, aditamento (mais dinheiro) de obras, realocação, cadastramento. Neste dicionário, palavras são versáteis. Até porque, na política, palavra não é para ser cumprida.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Apenas 12%?
A Prefeitura de Santos vai terminar o ano da mesma forma como começou: sob um temporal de críticas, e sem guarda-chuvas. Nos três primeiros meses, a administração municipal teve que se defender diante de mortes no desfile de Carnaval, do caso do menino que foi eletrocutado nas tendas na orla da praia, além de uma greve dos servidores, algo que não ocorria há 18 anos.
Agora, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa e os vereadores da base de apoio tentam explicar porque o IPTU será reajustado em 12%, na média, no próximo ano. O aumento, o dobro da inflação, provocou críticas da imprensa e queixas de centenas de moradores nas redes sociais.
É óbvio que se trata de uma medida impopular. A classe política já esperava por isso. Atualizar a Planta Genérica de Valores pode soar como uma justificativa plausível, mas a população entende – e com razão – que elevar a carga de impostos é transferir as chibatadas para o lombo mais fraco.
Ninguém aguenta mais impostos, ainda mais diante do testemunho diário de que os recursos não aparecem de forma latente em benefícios públicos. A Prefeitura responde, como se previa, com o argumento das grandes obras, como a entrada da cidade e a macrodrenagem na Zona Noroeste ou se envolve em discussões sobre projetos como o VLT e o túnel, ambos com sinais cristalinos de planejamento falho.
Neste tempo, os serviços públicos não iluminaram os olhos. Um exemplo é a dificuldade da Prefeitura em intervir no transporte coletivo. Meia dúzia de coletivos com ar-condicionado e internet mal cutucam os problemas reais. Mudou-se o sistema de cobrança e a eficiência no atendimento seguiu inerte.
A administração municipal e os vereadores usaram jogos de palavras para justificar o reajuste do IPTU. Na verdade, o aumento foi de 100%, com um desconto de 88%. Assim, a retórica matemática alcança os 12%. O vereador José Lascane usou este argumento em entrevista ao Jornal A Tribuna.
Por hipótese – e o prefeito prometeu o contrário no Jornal Enfoque, na Santa Cecília TV -, a Prefeitura pode perfeitamente reduzir o tal desconto em 2015 e aplicar novo reajuste bem acima da inflação.
Os 17 vereadores, que aprovaram a toque de caixa o aumento do IPTU, também viraram alvo das críticas nas redes sociais. Alguns deles se defenderam com um caminhão de números. O vereador Kenny Mendes, por exemplo, afirmou que votar contra o reajuste seria permitir que a cidade quebrasse financeiramente. E disse que o município não precisa de heróis para brigar contra as estatísticas.
Realmente, Santos não necessita de heróis. A cidade precisa de uma Câmara capaz de questionar a administração, e não de se ajoelhar diante de todos os projetos do Poder Executivo, prática usual desde a gestão Beto Mansur. E necessita de uma administração que seja capaz de abrir a caixa preta de suas finanças, para que saibamos se há possibilidade de quebra e quais foram os responsáveis pela bagunça. Mas é esperar que a gestão atual corte a própria carne – muitos estão no governo há quase 17 anos – e confrontar o ex-prefeito Papa, hoje no próprio PSDB.
Os vereadores têm a obrigação de saber que aprovar o reajuste de 12% no IPTU, rejeitando todas as emendas, é esperar pelos tomates do público, revoltado com tantas vozes desafinadas. E sabem disso!
Diante disso, você sabe quem votou pelo reajuste? Eis os 17 parlamentares, em ordem alfabética: Ademir Pestana, Antônio Carlos Banha Joaquim, Cacá Teixeira, Douglas Gonçalves, Fernanda Vanucci, Hugo Dupreé, Jorge Vieira da Silva Filho (Carabina), José Lascane, José Teixeira (Zequinha), Kenny Mendes, Manoel Constantino, Marcus de Rosis, Murilo Barletta, Roberto Oliveira, Sadao Nakai, Sandoval Soares e Sérgio Santana. A conta também é deles!
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