quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Mulheres, ocupem as cadeiras!



Marcus Vinicius Batista

O início das Olimpíadas reacendeu a conversa sobre o papel das mulheres, por causa do futebol feminino e pela medalha de ouro de Rafaela Silva, no judô. Ambos os casos simbolizam como a luta das mulheres por espaço é marcada por sofrimento, preconceito e resistência. Nos Jogos Olímpicos, Estados Unidos e China são as potências com mais mulheres do que homens inscritos como atletas.

A briga feminina por voz na sociedade e pela redução de estigmas é um processo em curso. São, por exemplo, as denúncias da cultura do estupro, o movimento pelo direito de amamentar em público, além das várias vertentes do feminismo.

É essencial aproveitar o quadro favorável e ultrapassar mais uma fronteira, a da política. Faltam menos de dois meses para as eleições, e a Baixada Santista dá sinais de retrocesso histórico. As três cidades, Guarujá, Cubatão e Peruíbe, administradas por prefeitas, devem ser governadas outra vez por homens.

Em Santos, dos nove candidatos a prefeito, apenas duas mulheres: Carina Vitral (PC do B) e Débora Camilo (PSOL), ambas sem o manto do favoritismo. A última prefeita foi Telma de Souza (PT), há 24 anos.

A Câmara de Santos tem um quadro pior: a atual turma de 21 vereadores forma o Clube do Bolinha. Apenas uma suplente, Fernanda Vanucci, ocupou o cargo por curtíssimo tempo. O Poder Legislativo sempre teve tradição de mulheres combativas em plenário. Nomes como Sueli Morgado, Sueli Maia, Maria Lúcia Prandi e Cassandra Maroni.

A maioria das mulheres passou pelo PT ou começou no partido. A cota de 30% de mulheres nas chapas de candidatos ao Legislativo nunca foi alcançada, nem pelo PT no auge da militância na cidade. O eleitorado feminino é maioria (52%), mas gênero não parece ser critério de voto.

Esse cenário me lembra a história de uma psicóloga, convidada para entrar em um partido político, em Santos. A proposta envolvia aumentar a presença feminina na sigla. Na primeira reunião, no escritório partidário, ela descobriu que "aumentar a presença feminina" significava organizar chás da tarde e bingos beneficentes. Ela nunca mais voltou.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 10 de agosto de 2016.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

As pedaladas e os jogos de poder

O dilema de alguns candidatos: vencer ou proteger o líder? 

Marcus Vinicius Batista

Com o término das mornas convenções partidárias, a campanha eleitoral pode finalmente sair do armário. Na sexta-feira, confirmou-se o nono e último candidato a prefeito de Santos, o jornalista Edgar Boturão (PROS). Ele representará uma coligação de três partidos nanicos, sem chances de incomodar os cachorros maiores na rinha de outubro.

A entrada de Boturão no clube dos 9 reforça que a corrida eleitoral deve ser vista por aquilo que não se vê. Explicando melhor: a eleição em Santos se parece com uma prova de ciclismo, em que vários competidores, sem possibilidades de vitória, trabalham para atrapalhar os principais concorrentes e ditar o ritmo que conduzirá o líder da equipe à vitória.

O prefeito Paulo Alexandre Barbosa, gostando dele ou não, merece o reconhecimento como estrategista político. Além do trem de carga com 16 partidos-vagões, ele conta com o apoio às avessas da oposição para se reeleger sem sair de casa.

Independentemente do tempo monstruoso de TV e rádio - duvido cada vez mais da eficácia do horário eleitoral -, o prefeito não precisará se prender à competência do marketing para vencer outra vez. Basta observar, do gabinete, a implosão eleitoral de seus adversários.

A eleição em Santos será, com alto grau de probabilidade, uma batalha marcada pelo fogo amigo. É preciso descontar as candidaturas de partidos pequenos, por tradição ideológica contrários ao modelo de gestão atual e afinados com os preceitos de uma esquerda do século 20. Outros nanicos somente compõem o cenário.

Eliminemos também a candidatura de Carina Vitral que, pela aliança com o PT, enfrentará a rejeição histórica das alas conservadoras da cidade, mais as fagulhas do incêndio da escola lulista.

Sobram três candidaturas que poderiam unir esforços, mas caminham em paralelo, com discursos semelhantes e fatias de eleitorado mais parecidas ainda. Fora a relativa intersecção de público com Carina Vitral.

Paulo Alexandre Barbosa poderá vencer por inércia. Minha dúvida é: como alguns candidatos vão se portar depois que o primeiro turno passar?

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 7 de agosto de 2016. 

domingo, 7 de agosto de 2016

Patriotas e ufanistas



Marcus Vinicius Batista

Acompanhar as Olimpíadas é mais do que se sentar diante da TV, vaiar ou gritar nas arquibancadas. Os Jogos Olímpicos são o retrato de um conjunto de sentimentos e de valores culturais que brotam e se manifestam por exagero durante duas semanas, para adormecer logo após que a tocha se apagar.

No Brasil, as Olimpíadas nos levam a cozinhar na mesma panela, em fogo alto, ufanismo e patriotismo, tornando os dois obrigação cívica e pressionando aqueles que tentam se afastar da euforia. Ufanismo e patriotismo são pratos de gosto parecido, principalmente pelo impacto do espetáculo e da carga emocional que abraçam vitórias e derrotas.

Os ufanistas me preocupam pela empolgação quase patológica, cegos e surdos diante de vários aspectos que envolvem as competições. O ufanista é escravo da ausência de reflexão. É vítima de um amor incondicional e servil. Padece da ilusão de que seu sonho de país se aproxima da concretização real e sem volta. Todos os insucessos e defeitos serão apagados assim que ouvir o primeiro acorde do hino nacional.

O ufanista não trabalha em silêncio. Vende-se como um sujeito leal e, portanto, digno de ser testemunha das conquistas que se avizinham. O nacionalismo, a face política (ou pseudo-política) do ufanismo, está atrelado aos princípios elementares da propaganda de guerra. Não basta seu país. É vital esmagar o adversário e ratificar a condição de superioridade e, por tabela, de inferioridade do perdedor.

O ufanista jamais perde. É egocêntrico demais para isso. Nas derrotas reais, florescem os mecanismos de defesa, as justificativas, as desculpas que, se pensasse, nem o ufanista acreditaria na própria voz. Na inspiração e expiração de ingenuidade, ele coloca nas costas de um terceiro a culpa pelo resultado indesejado.

Nas Olimpíadas, ele se queixa de árbitros, fórmula de disputa, infraestrutura do adversário, El Niño, Bolsa de Valores, o que for para jamais olhar em direção ao próprio umbigo e perceber que não o lava há tempos, quanto mais compreender os méritos de quem o venceu.

O patriota representa quase a visão oposta. Quase, pois se fundem no mar verde e amarelo. Mas a diferença não seria sutil? Nos Jogos Olímpicos, patriotas e ufanistas estão lado a lado, simbióticos na torcida. O patriota é perceptível no rescaldo, etapa menos suscetível às pressões sociais carnavalescas.

O patriota se preocupa, em tese, com as consequências da festa. Quem ficará com a despesa, por exemplo, de R$ 59 milhões por ano para manter dois grandes complexos esportivos no Rio de Janeiro? O patriota, eventualmente, consegue ser capaz de manter uma distância segura e ponderar sobre o cenário, preocupado com os excessos presentes via propaganda.

Não consigo ser um ou outro. Embora lute, posso até ser ambos, assim como você. Verei de perto os jogos, porém admito que me interesso muito mais pelas histórias do que pela cor da bandeira. Na maioria das vezes, já que certas cicatrizes nunca somem.

sábado, 6 de agosto de 2016

A caça ao Zé das Medalhas

Zé das Medalhas, personagem interpretado por Armando Bogus

Marcus Vinicius Batista

A Câmara de Santos aprovou o projeto de lei do vereador Benedito Furtado (PSB) que diminui pela metade o número de homenagens que cada parlamentar poderá conceder durante os quatro anos de gestão. Com a mudança, cada vereador só poderá entregar duas placas comemorativas e duas medalhas Braz Cubas. Ficam mantidos dois títulos de cidadão santista ou de cidadão santista emérito.

A justificativa é que as homenagens seriam mais valorizadas, o que evitaria a banalização das honrarias. No entanto, a questão me parece mais profunda, dentro da mentalidade presente na política brasileira desde o período colonial.

O projeto de lei, ao tratar de um assunto cosmético, indica o quanto se perpetua o hábito de se legislar sobre tudo. Qualquer problema que poderia ser resolvido com bom senso ou parcimônia necessita de uma lei que, em tese, colocaria um ponto final.

Os políticos adoram pregar um broche ou pendurar uma medalha para agradar o resto da turma. Na fase colonial, os sujeitos bem quistos ganhavam um cargo com a palavra "mor". Ou seja: mais, diferente, acima dos outros.

No século 19, os amigos do imperador eram acariciados com títulos de nobreza, como barão, conde, duque, visconde, marquês. Era a retribuição pela lealdade, pelos serviços prestados ou para selar a troca de favores.

Com o Brasil-República, permaneceu a cultura de distribuição de títulos aos amigos do "rei". Muitos dos premiados, inclusive, acumulam comendas como heróis de guerra. Ou ostentam nomes informais que simbolizam poder, como comendadores e coronéis.

O projeto de lei me fez lembrar de um personagem da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes. Na trama, Zé das Medalhas, um sujeito mesquinho e avarento, acaba afogado nas próprias medalhas que tanto prezava.

Se somarmos os 21 vereadores, a Câmara poderá conceder, a cada quatro anos de mandato, 42 placas, 42 medalhas Braz Cubas e mais 42 títulos de cidadão santista. Dá ou não para lembrar do destino final do Zé criado por Dias Gomes?

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 5 de agosto de 2016.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Os candidatos-pokemons




Marcus Vinicius Batista

A febre se aproximava há semanas, mas só chegou por aqui nos últimos dias. Eles começaram a aparecer em vários lugares da cidade, sem avisar quem não acompanha o processo político. Alguns parecem perdidos, deslocados, desnorteados diante do que podem fazer nas ruas, nos espaços privados, do que devem dizer para seus eleitores-jogadores.

Os candidatos-pokemons apresentam pontuações diferentes, assim como os parentes japoneses virtuais. A pontuação varia conforme algumas habilidades, como a capacidade financeira de entupir a cidade de propaganda, a força para derrubar adversários com mensagens enganosas (ou até verdadeira, mas projetada no outro), a velocidade para negar o passado e recriar, com hologramas eleitorais, um presente intacto e as armas para construir alianças com outros pokemons.

Muitos destes candidatos jogam com realidade aumentada, o que por vezes beira a pirotecnia arco-íris. Discutem problemas além da alçada de um vereador, falam de questões metropolitanas, quando não prometem soluções irreais e/ou megalomaníacas como se concorressem ao posto de prefeito de uma cidade virtual.

Não é preciso acionar o GPS do celular para localizá-los. Na eleição passada, eram 450 personagens. Agora, parecem que receberam água, feito os avós tamagochis, e se multiplicaram como gremlins. Eles estão nas redes sociais, nos adesivos dos carros, nos abraços nas ruas, comendo pastéis nas feiras, almoçando no Bom Prato, nas conversas com velhos amigos que se conheceram há cinco minutos.

Nós, eleitores, só podemos nos defender sozinhos, pelas regras do jogo. Nem treiná-los podemos, pois daqui a pouco o horário eleitoral gratuito começa e nos indicará o quanto prevalecem as armadilhas desta disputa.

Os candidatos-pokemons bem que poderiam ter saído do jogo que faz sucesso global. O problema é que carregam com eles duas diferenças dos personagens japoneses. Em primeiro lugar, não evoluem enquanto jogamos. Pelo contrário, regurgitam a retórica de todos os dias!

Depois, qual eleitor desejará capturá-los para avançar na disputa? Não há pokebolas - dispositivo para aprisionar as criaturas - que dê conta de tantos personagens caricatos que devem viralizar na urna eletrônica.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O vice de Paulo Alexandre

O vereador Sandoval Soares, candidato a vice-prefeito pelo PSDB

Marcus Vinicius Batista

As convenções partidárias são óbvias, pois confirmam o que já está nas ruas há semanas. Mas houve uma exceção: a escolha do vereador Sandoval Soares para ser candidato a vice-prefeito na chapa de Paulo Alexandre Barbosa. O nome dele só vazou poucas horas antes do encontro tucano e sacramentou uma estratégia política costurada pelo próprio prefeito.

Paulo Alexandre é aluno diplomado da velha escola da política. Repete as tradicionais táticas, que costumam dar certo quando o vento é favorável. A escolha de Sandoval Soares atende a uma série de princípios que poderão reduzir possíveis danos no segundo mandato.

Sandoval é um homem de partido. Um político discreto, acostumado a trabalhar nas sombras, sem vaidade excessiva por holofotes. Sandoval sempre esteve ao lado da Prefeitura, sem emitir uma queixa em três anos e meio.

Para ele, aceitar ser vice é um passo à frente. Na última eleição, Sandoval foi o último vereador eleito da lista do PSDB. Quatro anos depois, a turma cresceu - pulou de seis para dez vereadores -, fora os concorrentes de outros partidos da coligação. Ser vice-prefeito, numa eleição sem riscos, é manter a discrição de gabinete, somada a um pouco mais de poder.

Para o prefeito Paulo Alexandre, a escolha do vice foi uma cartada de mão cheia. Cozinhou os aliados até a última badalada para fechar com um soldado leal da própria infantaria. A chapa pura tucana é a primeira desde 2004, quando Raul Christiano saiu a prefeito e Bruno Covas, a vice. A pureza dá o recado sobre quem comanda o tabuleiro.

Com Sandoval como vice, o prefeito não corre riscos de ver um monstro crescendo dentro do armário. Esta eleição, salvo milagre, é vestibular para 2020. Tanto que vários partidos pleitearam a indicação do vice, inclusive com gente se oferecendo pela imprensa.

Sandoval, na cartilha do prefeito, repetirá o comportamento do vice atual, Eustázio Alves Pereira. Ou seja: política recatada, sem ambições sobre a cadeira alheia e, como prêmio, um pequeno feudo para comandar no reino chamado Prefeitura de Santos.

domingo, 31 de julho de 2016

O que não existe!

Crédito da imagem: Universidade Santa Cecília

Marcus Vinicius Batista

Confesso que tive dificuldades para escrever sobre ficção neste espaço. Não se trata do texto em si, mas do lugar que o abriga. Aqui, minhas colunas transitam entre dois polos: a política e a crônica. Às vezes, se fundem numa crônica de fundo político. Mas como escrever sobre ficção científica, já que o assunto seria uma ideia de 20 anos, que só nos resta projetá-la no post-mortem da minha geração, talvez numa galáxia tão, tão distante?

Como inspiração, não precisei ir aos livros de Isaac Asimov, aos episódios da série Jornada nas Estrelas ou aos filmes de Star Wars. Bastaram-me duas fontes: a imprensa local e as redes sociais. Nelas, vivem os personagens com suas histórias fantásticas.

Muitos deles existem para se repetir por anos; ou até 20 anos, como é o caso. Usam o mantra para tudo: transporte, segurança, lixo, saúde, educação ... Outros, nesta estação do ano, em que florescem as pré-campanhas, escolhem embarcar na nave cuja senha é "Metropolização da Baixada Santista".

A Região Metropolitana da Baixada Santista, após 20 anos de conto da carochinha - a riqueza de imaginação permite o trânsito entre gêneros literários -, já atraiu a atenção de cientistas, principalmente arqueólogos. Eles estariam procurando vestígios históricos do início deste processo, no século passado.

Neste ponto, residem duas dificuldades. Primeiro, até agora nada foi encontrado além de documentos. Pilhas de papéis da espécie Homo burocraticus. Não há ruínas ou artefatos, exceto cacos de xícaras de café, mas de pouco valor histórico. São genéricas, compradas em supermercados.

O segundo problema é que as escavações arqueológicas podem desperdiçar dinheiro público. Os cientistas se dividem: 1) parte vê valor nas louças encontradas, o valor cultural de uma época em que se falava, falava, falava, e pouco se realizava. Gente de religião arrisca em culto à espera de um messias; 2) parte entende que a comunidade acadêmica confundiu literatura com pesquisa historiográfica.

Poetas se interessaram pelo assunto. Quem sabe a Metropolização fosse uma nova corrente literária? Filósofos falaram em caos da pós-modernidade, do niilismo político caracterizado pela reciclagem contínua da mesma ideia, a promessa de felicidade o tempo todo numa cultura de aparências.

Pareceu-me palavrório complexo demais para um grupo de práticas tão singelas. Talvez seja sim uma corrente literária, se pensarmos na papelada que até gerou publicações. Quem sabe uma religião? Os papéis seriam a doutrina?

A Metropolização gerou um Conselho, que pariu comitês, que provocou reuniões, que inseminou novos encontros, para a criação de outras propostas, a fim de se elaborar mais ideias. E tudo com cafés da manhã mensais e troca anual de líder.

Juntando tudo, um amigo raciocinou: se é ficção científica, a história então se passa num mundo distópico, onde tudo acabou e sobrou um grupo de humanos, vestidos de branco, com discurso zen a pensar numa nova sociedade. Será?