quinta-feira, 28 de julho de 2016

O cheiro da renovação


Paço Municipal de Santos: a linha de chegada

Marcus Vinicius Batista

As convenções partidárias vão confirmar, no final de semana, as costuras de julho. Na eleição para prefeito de Santos, a marca é a renovação nas candidaturas. Dos sete candidatos que se apresentaram oficialmente, cinco são marinheiros de primeira viagem.

Carina Vitral, do PC do B, foi buscar apoio no PT, que indicará o vice, provavelmente o ex-vereador e professor Reinaldo Martins. Ela será uma das duas mulheres na disputa. A outra é a advogada Debora Camilo, filiada ao PSOL. Ela terá como vice o músico Maurão, numa chapa composta por candidatos negros. Outra novidade entre os partidos pequenos é o professor universitário Helio Hallite, do PRTB.

Entre os partidos maiores, duas alianças apresentadas na última semana. PPS e DEM, até recentemente ligados à administração Paulo Alexandre, uniram forças. O candidato a prefeito será Marcelo Del Bosco, que possui experiência como vereador e secretário. Outra união, em tese, recente é entre o PDT e a Rede. O jornalista Paulo Schiff disputa a Prefeitura e o vereador Evaldo Stanislau sai como vice.

A exceção entre os concorrentes é o servidor público Luiz Xavier, que concorre novamente pelo PSTU. Ele teve pouco mais de 1100 votos na eleição passada. O PSTU apenas se faz presente, sem chances de aparecer entre os primeiros.

Penso que há, por enquanto, somente cheiro de renovação, pelo excesso de candidatos. Haverá redundância no discurso anti-PSDB e disputa eventual pelas mesmas fatias de eleitorado, inclusive nichos. As candidaturas padecem também da falta de dinheiro e de tempo para se fazer conhecidas e se mostrar como alternativas. Todos sonham com o segundo turno. A divisão de votos é o pecado pelo qual o prefeito espera.

Essa turma tentará fazer frente à Paulo Alexandre que, embora jovem, trabalha pela velha cartilha política, como indicam seus três anos e meio de gestão. Para repetir o caminho, ele conta com o apoio de 16 partidos. Para esta aliança, política não respira novos ares.

Obs.: Texto publicado no jornal Diário do Litoral, em 27 de julho de 2016.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Prenderam o Eduardo? Ainda bem!

O primeiro suspeito

Marcus Vinicius Batista

Antes de me conectar numa rede social, a notícia estava lá, em um aviso pequeno, na minúscula tela do celular: Eduardo preso! Como as redes sociais multiplicam as notícias de qualquer fonte, achei que havia algum exagero. A Justiça não seria feita desta maneira, tão às claras, com tantas testemunhas. Ignorei e fui tomar café.

Meia hora depois, minha esposa, Beth, entrou na sala e gritou: "O Eduardo foi preso! E detido na rua, no meio do povo, numa confusão política."

Comecei a raciocinar: quem acompanha a história recente sabe que as investigações respigariam na liderança dele. Ele tem um passado histórico com o Partido dos Trabalhadores, numa distância segura de Dilma Rousseff nos últimos anos, mas trabalhou com discrição como interlocutor do ex-presidente Lula na década passada.

A prisão dele não me surpreendeu. Aliás, só seria surpresa para os desinformados, diante da liderança que ele exerceu no Congresso Nacional antes de sair de cena. Ele permaneceu, é claro, como uma voz na mídia, principalmente com críticas ao PT, aos ex-colegas de Parlamento e ao Governo Temer. Nada disso, porém, o afasta da presença constante dentro da gestão do Partido dos Trabalhadores.

Todos estes motivos seriam suficientes para que o Eduardo fosse preso. Não é um momento de ressurreição da Ética na política e blablablá? Que seja pela proximidade das eleições. Ou talvez pela vontade de mostrar serviço, às vésperas dos jogos olímpicos, para passar uma imagem positiva aos estrangeiros.

Como eu estava distraído, só pensei no assunto. Uns cinco minutos depois, Beth voltou à sala e me disse: "Você não falou nada! Prenderam o Eduardo!" Só respondi: "Bem feito. O cara foi uma das almas do governo Dilma. É ele mesmo, o Cunha?"

Ela olhou para mim, surpresa, e rebateu: "Não! Ele não, acha?" O telefonou tocou e ela saiu da sala para pegar o celular no escritório. 

Então foi ele!

Aí imaginei: "Deve ser o outro, claro!" Estamos perto das Olimpíadas e a Polícia quer entrar no circo. R$ 35 bilhões em gastos, ligações com o Governo Federal. Deve ser a Lava-Jato de novo! A cidade dele está em frangalhos do ponto de vista financeiro, as eleições estão aí, muita gente forte concorrendo.

O Eduardo adora falar. Será que soltou a língua nos últimos tempos? Foi criticar e recebeu pedrada de volta. Falou alguma besteira, o que acontece de vez em quando na atividade política dele. Mas antes muita gente levava na brincadeira, como causo, anedota política. Por que agora resolveram prender o homem? É provável que tenha dito algo torto para a Polícia.

É mais mídia negativa para o país. Mais uma para a coleção quando se discute a falta de infraestrutura no Brasil, a partir de olhos estrangeiros. Denúncias de corrupção, de dinheiro mal gasto, de irresponsabilidade na gestão em níveis estadual e federal. Deve ser a vez dos aliados do PT. Se não foi o Cunha, deve ter sido outro amigo antigo, outro de relacionamento morde-assopra.

Beth desligou o telefone, passou pela sala em direção à cozinha. Perguntei: "Amor, por que prenderam o Eduardo?" Ela respondeu: "Ele enfrentou a Polícia." A pergunta óbvia: "Por que o prefeito Eduardo Paes enfrentaria a Polícia? Novas denúncias de truculência?"

"Que Paes, a polícia continua batendo em pobre, mas prenderam foi o Suplicy."

Conectei o celular à Internet com uma certeza: o noticiário cada vez mais se parece com programas de humor.

A escola e a mulher livre

No momento desta postagem, a página contava com 101 mil seguidores

Marcus Vinicius Batista

Na última quarta-feira, escrevi neste espaço sobre o movimento Escola sem Partido, mais uma bobagem disposta a controlar o ensino brasileiro, e não melhorá-lo ou entendê-lo. No mesmo dia, a professora de História Joyce Fernandes se lembrava, enquanto fazia o almoço, de sua experiência como empregada doméstica. Daí, criou uma solução libertadora: a página "Eu Empregada Doméstica", que dá voz a elas.

Joyce é a prova viva de que a escola liberta. Ela tinha tudo para se vitimizar com a pilha de preconceitos que recaem sobre suas costas. E não é de hoje. É de sempre. Joyce foi minha aluna. Ela fazia parte de uma turma na faculdade, na qual 40% dos estudantes eram negros. Isso em um país onde somente 5% dos negros chegam à universidade.

Joyce acumula preconceitos contra si. É mulher, pobre, negra, cantora de rap - a Preta Rara -, gorda e moradora de periferia. Ela personifica a ideia de que a educação pode ser a alforria contra uma doutrina, que nasce além da escola e ecoa dentro dela. E que os alunos não são caixas vazias, que só acumulam dados e os repetem como cordeiros.

A escola abriu a cabeça de quem hoje transforma a cabeça de alunos em sala de aula na periferia. Alunos e alunas, muitos negros, pobres, que se encaixam nos estereótipos que a Casa Grande adora cooptar para a invisibilidade. 

A professora e rapper Joyce Fernandes, a Preta Rara
Foto: Fernanda Luz/divulgação

A escola é multifacetada porque é feita de gente de todos os tipos. Gente que implica com a cor do cabelo dela, a professora de História. Gente que critica as roupas que não escondem todas as partes do corpo fora do padrão estético. Gente que aponta o dedo para as mesmas roupas, com traços étnicos de uma descendência africana.

Joyce se tornou uma mulher livre dentro, por causa e apesar da escola. Pensa por si mesma, seja na letra do rap, seja na criação de uma página que ajuda as empregadas domésticas.

Joyce, ao reagir e criar, é o exemplo de que o Brasil teima em respirar a relação Casa Grande e Senzala. Só que, ainda bem, muitas vozes rejeitam grilhões nos tornozelos. Dentro e fora da escola!

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 24 de julho de 2016.

sábado, 23 de julho de 2016

Casamento comunitário

Quem será o coelho? E a tartaruga, na eleição em Santos?

Marcus Vinicius Batista

Enquanto a tocha olímpica acende o ufanismo, a corrida eleitoral ouve o disparo de largada. Às vésperas das convenções partidárias, os atletas-candidatos montam as equipes de revezamento; no caso de Santos, todos contra um único favorito.

Nesta prova de tiro curto, com 45 dias de campanha, os casamentos já se formalizam na situação e na oposição. Por enquanto, 12 partidos em torno do prefeito Paulo Alexandre Barbosa. Um quadro previsível, de olho nas secretarias e cargos por mais qua tro anos.

Na oposição, prevalece a esperança do segundo turno. Rede e PDT construíram a surpresa da semana, em dose dupla. Os dois partidos haviam apresentado pré-candidatos a prefeito: o médico Evaldo Stanislau, pela Rede, e o jornalista Paulo Schiff, pelo PDT. Os dois são amigos. Stanislau participava, com regularidade, de um programa de rádio, sob o comando de Schiff.

A primeira surpresa foi a decisão de construir uma chapa única. A segunda novidade veio com a ordem das candidaturas: Paulo Schiff sai como prefeito. Evaldo Stanislau, como vice.

Se tivesse que apostar, o meio político esperaria o médico como cabeça de chapa. Ele é vereador, possui maior visibilidade política pela oposição sistemática à gestão atual e experiência com mandato. Paulo Schiff, embora tenha sido filiado por muitos anos ao PMDB, trabalhou nas duas últimas décadas na mídia local, em emissoras de rádio e TV e jornal. Cobriu política, mas nunca se candidatou. E, na última gestão do Santos, presidiu o Conselho Deliberativo, cargo que o mergulhou na política do clube.

Os mesmos argumentos serviram para sustentar a inversão de papéis. Paulo Schiff teria menor rejeição por ser menos visível em termos eleitorais. Poderia também reforçar a ideia de renovação na política. Evaldo Stanislau correria o risco de ser associado ao PT, partido pelo qual se elegeu vereador há quatro anos e de onde se desligou em 2015.

O PDT teria melhor estrutura para organizar e executar as estratégias de campanha. A Rede é debutante em eleições locais. A dobradinha Schiff-Stanislau seria, na visão da aliança, exatamente isso. Os dois trabalhariam como uma dupla, capaz de cobrir pontos cegos numa disputa a prefeito.

As intenções parecem boas, mas é preciso conquistar apoios, que inclui a desistência de outros concorrentes de oposição. Seria uma cajadada em dois coelhos: diminui-se a divisão de votos entre vários peixes pequenos, enquanto se engorda uma das espécies que, mais robusta, encararia o dono do aquário.

As alianças devem se intensificar nos próximos dias, com as convenções partidárias. As pré-candidaturas funcionam, às vezes, como iscas para demarcar território e construir uma chapa com mais fôlego, no horário eleitoral gratuito e na parte financeira da campanha.

A chapa Schiff-Stanislau entra na corrida com o mesmo objetivo de todos os atletas: sobreviver à primeira volta do relógio. Depois, forçar uma volta adicional para evitar que Paulo Alexandre cruze a linha de chegada sem ninguém à vista na última curva.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

A guerra fria entre Táxis e Uber

Ilustração: http://harborstudioparis.tmblr.com

Marcus Vinicius Batista

Depois de duas quadras, o motorista José Gonçalves* pediu ao passageiro autorização para subir os vidros. Eram cinco pessoas no carro, o que poderia chamar a atenção. "Os taxistas são desconfiados, principalmente se veem no celular o aplicativo Waze."

Paulo de Almeida, logo no segundo dia de trabalho, levou um passageiro na Rodoviária de Santos. Desceu do carro, pegou as malas dele e fez questão do aperto de mão para que os taxistas não percebessem que estava a trabalho.

Nos dois casos, os motoristas trabalham com o aplicativo Uber, que gerou confrontos em São Paulo e acabou regulamentado. Em Santos, o uso do aplicativo é proibido. Em 19 de novembro do ano passado, o Diário Oficial publicou lei neste sentido, de autoria do vereador Ademir Pestana (PSDB). A lei prevê multa de R$ 1500, mais apreensão do veículo. Legislação semelhante também foi aprovada em Guarujá, com sanção maior: R$ 1700.

Santos possui cerca de 1150 taxistas, e a categoria fez pressão política para que a lei fosse aprovada. Mesmo assim, o uso do aplicativo cresceu na cidade, atraindo - inclusive - motoristas de São Paulo.

Augusto Barros trouxe uma passageira do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a Santos e permaneceu o resto do dia na cidade. Chegou a dirigir por quatro horas seguidas, quando decidiu desligar o celular para almoçar.

Everton Santos, por exemplo, vem a Santos duas vezes por semana. A família tem apartamento de temporada e ele aproveita as folgas para surfar. Nos intervalos, banca parte do passeio semanal com o transporte de passageiros.

Muitos motoristas preferem descer a serra e trabalhar em Santos. Eles alegam que o mercado ainda é pequeno, com poucos profissionais, e cresce pelo boca a boca entre passageiros. Marcelo Costa me mostrou, por exemplo, numa noite de terça-feira, que havia 26 motoristas disponíveis na cidade. Ele é de São Paulo e se mudou há quatro meses. O Uber completa a renda do trabalho em casa. "Só em Moema, certa vez, tinham 27 carros, oito na mesma quadra."

Atualmente, cerca de 50 pessoas trabalham com o aplicativo. São universitários, desempregados e profissionais liberais. Muitos começam a trabalhar após 18 horas, quando largam o emprego formal. Uma das falhas é a pouca quantidade de carros em certas horas do dia, como o meio da manhã, e aos domingos.

Um dos profissionais liberais é Fernando Machado, advogado que perdeu clientes com a crise econômica. "Dirigir via Uber paga as contas na crise e vai me ajudar quando abrir meu próprio negócio no final do ano." Ele e a esposa traçam, no momento, o Plano de Negócios para entrar no ramo de roupas. 

Alta demanda

Três dos motoristas são mulheres, número repassado por uma delas. Viviane Passos chega a dirigir seis horas por dia, entre 19 horas e 1 hora. "Há noites que vivo só de cafézinho tamanha a demanda. E, ainda assim, tenho que desligar o aplicativo para ir ao banheiro."

Os motoristas estão concentrados nos bairros da orla da praia. Vários desconhecem a cidade e dependem do aplicativo de localização. "Quem conhece melhor Santos já percebeu que basta se aproximar das avenidas Pedro Lessa e Afonso Pena para ter trabalho o tempo todo", explicou Antônio de Souza, que dirige por aqui há dois meses.

Apesar das balinhas, água e revistas, a maior vantagem do Uber é o preço. Uma viagem da Aparecida ao Campo Grande custa, em média, R$ 12,50. Quatro pessoas, se fossem de ônibus, gastariam R$ 13 em passagens. De táxi, entre R$ 23 e R$ 25.

A corrida, nos táxis, começa com bandeirada mínima de R$ 5,90. Cada quilômetro rodado, em bandeira 1, custa mais R$ 3,30. No Uber, o preço base é R$ 2, mais R$ 0,26 por minuto e R$ 1,40 por quilômetro. O mínimo cobrado é R$ 7.

Os motoristas de Uber tentam manter a discrição, não apenas pela transgressão à lei. Dos dez motoristas com quem conversei, nenhum deles relatou casos de violência, mas dois deles reproduziram o episódio de um motorista que teve dois pneus do carro furados por um taxista, na saída de uma casa noturna. 

Dois lados

Na crise econômica, o Uber é um mercado paralelo em crescimento. Não é possível medi-lo com estatísticas, até por causa da clandestinidade do serviço e da flexibilidade do trabalho. É possível perceber que, mesmo contrários, os taxistas se dividem em dois grandes grupos.

Um prefere reclamar sempre e se limita a encarar os motoristas de Uber como inimigos. O outro grupo começa se mexer, com simpatia, qualidade no atendimento e fidelidade com clientes, visando compensar o preço mais alto. As empresas de táxis adotaram aplicativos próprios. Uma delas, alvo de queixas pela demora no atendimento telefônico, agora responde aos clientes na primeira chamada.

Nesta guerra silenciosa, parte dos exércitos finalmente se virou para consumidor, não para atirar, mas para estender uma bandeira de paz.

* Todos os nomes dos motoristas são fictícios para preservação das identidades.

Obs.: Texto publicado no site Juicy Santos, em 19 de julho de 2016.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

A escola com bobagens


Marcus Vinicius Batista

Vamos começar pelo be-a-bá. A escola brasileira, salvo exceções, é chata. Seja honesto: você conhece alguém, a partir do primeiro ano, que gosta de escola? O ensino brasileiro oscila entre a música "Another Brink in The Wall", do Pink Floyd, com as crianças marchando em fila, e a Escolinha do Professor Raimundo.

As escolas brasileiras são, em sua maioria, tradicionais, repletas de conteúdos para decorar, filhas dos currículos engessados e padronizados, que dispensam as particularidades regionais, culturais e sociais. Nas escolas mais ricas, as apostilas pasteurizam o conhecimento. Nas mais pobres, prevalece a ausência de continuidade. Salvo exceções, os processos de ensino estão atrelados aos prazos de quatro, oito anos no máximo, conforme o mandato.

As escolas brasileiras se transformam, cedo ou tarde, em depósitos de professores desmotivados. Discutir salário é necessário, mas é problema-clichê. Muitos professores têm deficiências de formação e representam o centro de um círculo vicioso, pois tentam construir pessoas em um modelo que os formou.

As escolas são, via de regra, vítimas da mentalidade política brasileira, preparada para não abrir a porta do conhecimento, para desviar o foco do que interessa. Se todos os projetos de lei que criam disciplinas fossem aprovados no Congresso Nacional, teríamos mais de 300 matérias. De corte e costura à economia doméstica. Somos o país do futuro e das metas nunca cumpridas.

Neste cenário, o movimento Escola sem Partido é mais uma daquelas soluções de falso milagre que pipocam no mundo da Educação. Desta vez, com a má fé em esconder a própria ideologia e, assim como tal, estar carregada de preconceito. Má fé porque mascara a vontade de impor uma visão moralista de mundo. E se deixa utilizar, por conveniência, como instrumento eleitoral.

O movimento Escola sem Partido pouco merece atenção, pois é um festival de bobagens que se preocupa em ganhar a conversa, em vez de pensar a educação brasileira. Desta vez, sem exceção.



Obs.: Texto publicado no jornal Diário do Litoral, em 20 de julho de 2016.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Por uma escola responsável

O que esconde o movimento Escola sem Partido?

Marcus Vinicius Batista

O movimento Escola sem Partido esconde as razões de seu nascimento ou, no mínimo, de sua ressurreição. Esta história começou em 2004 pelas mãos do advogado carioca Miguel Nagib e foi retomada a partir de 2014 por causa da polarização política no país.

Neste aspecto, brota a primeira inverdade. O movimento se diz a favor de neutralidade ideológica. Isso é impossível diante de duas palavras incompatíveis quando juntas. A inexistência de posição esconde uma posição. O grupo foi acolhido por uma parcela que enxerga a educação brasileira como um mundo bipolar. É um discurso antipetista e defensor de uma retórica alinhada com a extrema direita.

Um dos sinais disso é que Nagib procurou apoio político-partidário na família Bolsonaro, visando transformar suas ideias em projeto de lei. Primeiro, Flávio, deputado estadual no Rio de Janeiro. Depois, Carlos, vereador na capital daquele Estado.

Os diversos projetos de lei, principalmente os que tramitam no Congresso Nacional, tem como pano de fundo a Constituição. Mas o Escola sem Partido não apenas faz propostas redundantes quanto à Carta Magna, mas também a distorce. Um exemplo: a Constituição fala da educação como pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. A proposta do movimento exclui a discussão sobre concepções pedagógicas.

Quando se aproxima a lente destas ideias, percebe-se que o movimento se agarra em preceitos moralistas cristãos sem o reconhecimento de que o faz. Há, por exemplo, uma carta de deveres para o professor que, segundo o projeto de lei do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), se constitui em seis obrigações. Na verdade, todas se resumem ao que NÃO se deve fazer. Entre os deveres, não defender partidos políticos em sala de aula. Até aí, tudo bem, mas o texto vem acrescido da proibição de incitar (termo pejorativo) a participação de estudantes em manifestações, passeatas e atos públicos. A domesticação com um sorriso educado, é isso?

O projeto de lei retorce ainda a Constituição ao cortar a "liberdade de ensinar" para manter somente a "liberdade de aprender." É o atraso pedagógico, em qualquer concepção contemporânea, que descarta o diálogo, que considera o aluno como caixa vazia e o professor como detentor exclusivo do saber. Como acreditar nessa sandice em tempos de Internet e redes sociais?

A Internet, aliás, é o principal instrumento de propaganda do movimento. Qualquer iniciante sabe que, numa guerra ideológica, a propaganda é arma fundamental. Corações e mentes, amor pelo próximo, ódio pelo diferente.

O site do Escola sem partido repete várias vezes os termos clichês contra a esquerda e possui uma seção chamada Síndrome de Estocolmo, como se professores fossem sequestradores intelectuais. Só estes conteúdos já indicam a morte do próprio nome - Escola sem Partido -, que convenhamos é uma escolha eficiente, é claro, para o marketing político, não para a realidade das escolas brasileiras.

O presidente do movimento, Miguel Nagib, afirmou, em programa no Canal Futura, que o professor não deve ter liberdade de expressão, o que contradiz a própria essência do discurso dele, que se defende alegando que não há liberdade de expressão na escola e que os professores idolatram um único partido. No caso, o PT.

É difícil entender o discurso quase patológico, se não fosse mal intencionado. Como acreditar que todos os professores brasileiros são de esquerda? Mais do que isso, que defendem um partido único? É desconhecer a realidade escolar, abusando do estereótipo do professor de História que dá aula vestindo a camiseta do Che Guevara.

O Escola sem Partido argumenta que os professores brasileiros não recebem formação jurídica e ética sobre a própria profissão. Aí falta conhecimento. Os cursos de licenciatura, via de regra, possuem disciplinas como Políticas Públicas e/ou trabalham Ética como se recomenda, de maneira transversal.

O movimento Escola sem Partido representa, acima de tudo, uma desonestidade intelectual. É a construção de uma estratégia para se apropriar, com ideologia sim, dos processos educacionais, conduzindo a escola para um caminho sem reflexão, sem análise, sem senso crítico.

O que mais interessa à Escola sem Partido não é a diversidade ou a pluralidade de pensamento. Assim como muitos ismos de esquerda e de direita na História, o Escola sem Partido deseja e sonha com a ditadura do pensamento único. E escolheu os professores como bucha de canhão para alvo com bolinha vermelha na testa.