quinta-feira, 21 de julho de 2016

A escola com bobagens


Marcus Vinicius Batista

Vamos começar pelo be-a-bá. A escola brasileira, salvo exceções, é chata. Seja honesto: você conhece alguém, a partir do primeiro ano, que gosta de escola? O ensino brasileiro oscila entre a música "Another Brink in The Wall", do Pink Floyd, com as crianças marchando em fila, e a Escolinha do Professor Raimundo.

As escolas brasileiras são, em sua maioria, tradicionais, repletas de conteúdos para decorar, filhas dos currículos engessados e padronizados, que dispensam as particularidades regionais, culturais e sociais. Nas escolas mais ricas, as apostilas pasteurizam o conhecimento. Nas mais pobres, prevalece a ausência de continuidade. Salvo exceções, os processos de ensino estão atrelados aos prazos de quatro, oito anos no máximo, conforme o mandato.

As escolas brasileiras se transformam, cedo ou tarde, em depósitos de professores desmotivados. Discutir salário é necessário, mas é problema-clichê. Muitos professores têm deficiências de formação e representam o centro de um círculo vicioso, pois tentam construir pessoas em um modelo que os formou.

As escolas são, via de regra, vítimas da mentalidade política brasileira, preparada para não abrir a porta do conhecimento, para desviar o foco do que interessa. Se todos os projetos de lei que criam disciplinas fossem aprovados no Congresso Nacional, teríamos mais de 300 matérias. De corte e costura à economia doméstica. Somos o país do futuro e das metas nunca cumpridas.

Neste cenário, o movimento Escola sem Partido é mais uma daquelas soluções de falso milagre que pipocam no mundo da Educação. Desta vez, com a má fé em esconder a própria ideologia e, assim como tal, estar carregada de preconceito. Má fé porque mascara a vontade de impor uma visão moralista de mundo. E se deixa utilizar, por conveniência, como instrumento eleitoral.

O movimento Escola sem Partido pouco merece atenção, pois é um festival de bobagens que se preocupa em ganhar a conversa, em vez de pensar a educação brasileira. Desta vez, sem exceção.



Obs.: Texto publicado no jornal Diário do Litoral, em 20 de julho de 2016.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Por uma escola responsável

O que esconde o movimento Escola sem Partido?

Marcus Vinicius Batista

O movimento Escola sem Partido esconde as razões de seu nascimento ou, no mínimo, de sua ressurreição. Esta história começou em 2004 pelas mãos do advogado carioca Miguel Nagib e foi retomada a partir de 2014 por causa da polarização política no país.

Neste aspecto, brota a primeira inverdade. O movimento se diz a favor de neutralidade ideológica. Isso é impossível diante de duas palavras incompatíveis quando juntas. A inexistência de posição esconde uma posição. O grupo foi acolhido por uma parcela que enxerga a educação brasileira como um mundo bipolar. É um discurso antipetista e defensor de uma retórica alinhada com a extrema direita.

Um dos sinais disso é que Nagib procurou apoio político-partidário na família Bolsonaro, visando transformar suas ideias em projeto de lei. Primeiro, Flávio, deputado estadual no Rio de Janeiro. Depois, Carlos, vereador na capital daquele Estado.

Os diversos projetos de lei, principalmente os que tramitam no Congresso Nacional, tem como pano de fundo a Constituição. Mas o Escola sem Partido não apenas faz propostas redundantes quanto à Carta Magna, mas também a distorce. Um exemplo: a Constituição fala da educação como pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. A proposta do movimento exclui a discussão sobre concepções pedagógicas.

Quando se aproxima a lente destas ideias, percebe-se que o movimento se agarra em preceitos moralistas cristãos sem o reconhecimento de que o faz. Há, por exemplo, uma carta de deveres para o professor que, segundo o projeto de lei do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), se constitui em seis obrigações. Na verdade, todas se resumem ao que NÃO se deve fazer. Entre os deveres, não defender partidos políticos em sala de aula. Até aí, tudo bem, mas o texto vem acrescido da proibição de incitar (termo pejorativo) a participação de estudantes em manifestações, passeatas e atos públicos. A domesticação com um sorriso educado, é isso?

O projeto de lei retorce ainda a Constituição ao cortar a "liberdade de ensinar" para manter somente a "liberdade de aprender." É o atraso pedagógico, em qualquer concepção contemporânea, que descarta o diálogo, que considera o aluno como caixa vazia e o professor como detentor exclusivo do saber. Como acreditar nessa sandice em tempos de Internet e redes sociais?

A Internet, aliás, é o principal instrumento de propaganda do movimento. Qualquer iniciante sabe que, numa guerra ideológica, a propaganda é arma fundamental. Corações e mentes, amor pelo próximo, ódio pelo diferente.

O site do Escola sem partido repete várias vezes os termos clichês contra a esquerda e possui uma seção chamada Síndrome de Estocolmo, como se professores fossem sequestradores intelectuais. Só estes conteúdos já indicam a morte do próprio nome - Escola sem Partido -, que convenhamos é uma escolha eficiente, é claro, para o marketing político, não para a realidade das escolas brasileiras.

O presidente do movimento, Miguel Nagib, afirmou, em programa no Canal Futura, que o professor não deve ter liberdade de expressão, o que contradiz a própria essência do discurso dele, que se defende alegando que não há liberdade de expressão na escola e que os professores idolatram um único partido. No caso, o PT.

É difícil entender o discurso quase patológico, se não fosse mal intencionado. Como acreditar que todos os professores brasileiros são de esquerda? Mais do que isso, que defendem um partido único? É desconhecer a realidade escolar, abusando do estereótipo do professor de História que dá aula vestindo a camiseta do Che Guevara.

O Escola sem Partido argumenta que os professores brasileiros não recebem formação jurídica e ética sobre a própria profissão. Aí falta conhecimento. Os cursos de licenciatura, via de regra, possuem disciplinas como Políticas Públicas e/ou trabalham Ética como se recomenda, de maneira transversal.

O movimento Escola sem Partido representa, acima de tudo, uma desonestidade intelectual. É a construção de uma estratégia para se apropriar, com ideologia sim, dos processos educacionais, conduzindo a escola para um caminho sem reflexão, sem análise, sem senso crítico.

O que mais interessa à Escola sem Partido não é a diversidade ou a pluralidade de pensamento. Assim como muitos ismos de esquerda e de direita na História, o Escola sem Partido deseja e sonha com a ditadura do pensamento único. E escolheu os professores como bucha de canhão para alvo com bolinha vermelha na testa.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Panelas silenciosas


Marcus Vinicius Batista

Enquanto deputados berravam e se esbarravam pela Presidência da Câmara Federal, pré-candidatos sussurram nos corredores virtuais da política de Santos. São mundos que parecem ignorar, por hora, os eleitores, que respondem em silêncio. A mudez talvez prevaleça pela ausência de interesse ou pela falta de percepção de que eles são parte deste cenário, quando não cúmplices.

As panelas se calaram. Os gritos de "Fora Temer" ou de "Fora Cunha" são cochichos diante do falatório de dois meses atrás. Até o Fla-Flu da política polarizada joga na arquibancada vazia de quarta divisão às 10 horas, com sol de 35 graus à sombra. Só os apaixonados querem saber.

O silêncio deriva, é claro, de uma indignação seletiva. Os protestos contra Dilma e o PT nunca me passaram a ideia de uma queixa ampla, geral e irrestrita contra a corrupção. Havia foco, era circunstancial, mas é armadilha apostar como fenômeno definitivo. O preconceito se justifica apenas numa parcela que veste camisa amarela da intolerância e se cobre com a bandeira da ignorância, sem os exageros da generalização absoluta.

A democracia à brasileira é uma adolescente com as reações óbvias da idade. Corpo em transformação, acessos de raiva e de alegria com minutos de diferença, hibernação por causa dos hormônios de crescimento. Dela pode vir tanto birra gratuita quanto atenção para o aprendizado.

Os protestos recentes foram a primeira bebedeira forte, aquela pra valer, com lacunas de memória. Não foi um pileque, como diria minha avó. Agora, estamos de ressaca, sensíveis à luz, ao som, com dores e a promessa de que não repetiremos tal transgressão tão cedo.

As minorias não contam, dos fãs de Bolsonaro aos filhotes da ditadura, pois fazem jus à própria condição. Elas só representam o rodapé de página.

Minha esperança é que, quando a ressaca passar e o fígado estiver bem, este adolescente volte ao bar, escolha outra bebida - de outro teor alcoólico partidário - e se embriague para ressuscitar panelas, como recita a democracia que passa da adolescência à faculdade.

Obs.: Texto publicado, originalmente, no Diário do Litoral, em 17 de julho de 2016.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Arrogância e desrespeito

Por que o PT apoiou Rodrigo Maia para a presidência da Câmara?

Marcus Vinicius Batista

O PT assumiu, na semana passada, que apoiará Carina Vitral, do PCdoB, à Prefeitura de Santos na eleição de outubro. Foi um gesto de "humildade pragmática", nome qualquer para uma postura comum na política. O PT se reconheceu menor e adotou uma posição de coadjuvante na cidade, diante dos erros do passado e da necessidade de reinvenção.

Esta semana, o PT de Santos, como filho, ganhou de presente mais um tapa na cabeça como exemplo de comportamento do PT-pai, em Brasília. O partido, em baixa no Congresso Nacional por razões óbvias até para um alienígena, tentou cantar de galo no processo eleitoral para a Presidência da Câmara.

É óbvio que a festa era de mafiosos, com direito a execuções, traições, reviravoltas e escolha de novos capangas. Era, talvez, a oportunidade do PT, ainda cadáver fresco depois de dois meses do afastamento de Dilma Rousseff, mostrar que muitos estavam equivocados sobre o que o partido havia se tornado.

O PT fez o oposto ao se comportar como a criança que leva a bronca pela bagunça e fica mais agressiva para confirmar a fama de moleque-problema. O que as lideranças do partido tinham na cabeça? Acreditavam mesmo que poderiam costurar com o DEM e o PMDB, os chefes do Centrão, uma reaproximação do poder? Os líderes se esqueceram que foram as duas siglas que puxaram o gatilho há dois meses?

O PT, por meio de seus comandantes, se julga acima do bem e do mal. Seu líder máximo, e seus cúmplices, apostam a cabeça dos militantes para levar à frente um projeto de poder que se transformou em ruínas por causa da arrogância.

O PT, nos 13 anos de presidência da República, abusou da soberba ao crer que poderia governar o país se conseguisse o impossível: controlar o PMDB e aliados. A desculpa esfarrapada se traduzia pelo palavrão governabilidade, definição única para um sistema político corroído, no qual o presidente depende de deputados federais e senadores para trabalhar.

O termo da moda é presidencialismo de coalizão, repetido por analistas políticos. O PSDB de Fernando Henrique governou via acordos renováveis, com aquele sorriso espírita de quem concorda na fala, mas pode agir diferente.

O PT ainda padece da crença de que pode fazer parte da festa. Não apenas crê, como ousou construir uma versão século 21 da máfia. Estas lideranças pisam em cima da credibilidade e dos símbolos do partido desde 2005, quando estourou o mensalão.

Muita gente decente pulou fora ou viveu humilhações por causa deste projeto que vende a alma para qualquer demônio de segunda. Na eleição da Câmara Federal ou na eleição em Santos, ainda há gente que sangra pelo sonho de união da esquerda em torno de um projeto político.

O PT morreu como esquerda no século 20. Neste século, morre como instituição, pela picaretagem de quem escondeu as velhas escrituras só porque um suposto messias disse que valia tudo para alcançar o paraíso. Ou seria o inferno na Terra?

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Beto, o ex-amigo

Mas eles não eram unha e carne? 

Marcus Vinicius Batista

O deputado federal Beto Mansur (PRB) é um dos 14 candidatos à presidência da Câmara Federal. Na semana de gritaria e arranhões no Congresso Nacional, o parlamentar se tornou previsível.

Até ontem, o ex-prefeito de Santos era aliado de primeira hora do ex-presidente Eduardo Cunha. Ele estava sentado ao lado dele, orgulhoso, quando foi aprovado o afastamento temporário da presidenta Dilma Rousseff. Era o momento mais glorioso dele como parlamentar.

Nesta terça, em entrevista à Isto É, Beto Mansur tornou-se um deputado comum, daqueles que mudam de casaco a cada soprar do vento. Confirmou a tese de ser um espécime que se multiplica nos corredores e gabinetes da casa.

Mansur negou que tivesse proximidade com Eduardo Cunha. Aspas: “Nunca tive relação com o Eduardo Cunha. Ele devia ter renunciado no dia seguinte ao impeachment (da Dilma), mas deixou sangrando a Casa. Se o caso vier ao Plenário, ele será cassado. A agenda dele não pode se confundir com a agenda da Câmara”.

Acreditei, por um instante, que Beto Mansur saberia diferenciar vaidade de poder. Nunca teve relações? Pensei que, como secretário da Câmara, ele havia compreendido que a exposição do cargo de presidente corrói os políticos que se sentam na principal cadeira da Câmara. Nunca teve relações?

Mansur tinha me dado a falsa impressão de que não precisava negar a cumplicidade com Cunha para se manter no topo da cadeia alimentar. Nunca teve relações? Faltou a ele gratidão política, decência em pelo menos admitir que andava lado a lado com Eduardo Cunha. Negar isso soa como piada de mau gosto diante das imagens, das declarações e dos fatos dos cinco primeiros meses desse ano, no mínimo.

Mansur sucumbiu à obviedade dos vaidosos. Como um dos 14 candidatos, ele terá que responder pelos pecados recentes da gestão da qual fazia parte. O deputado parecia próximo ou ao menos capaz de negociar com Michel Temer. Candidato, será alvo de fogo amigo e de pedras da oposição. Em caso de derrota, corre o risco de voltar ao baixo clero.

O problema é que Beto Mansur tem um dos telhados mais largos entre os candidatos à Presidência. Ele é o campeão de pendências judiciais; entre elas, a acusação de trabalho escravo na sua fazenda em Goiás.

A exposição o faz perder a condição de analista, de alguém que era procurado por jornalistas para avaliar novos movimentos no tabuleiro da Câmara Federal. Agora, terá que se defender das mesmas vozes que o consultavam.

Beto Mansur admitiu à revista que as pendências judiciais têm "peso político, mas que não é alvo de nenhuma ação por desvio de dinheiro público." Caro deputado, sinto ter que informar, mas a ausência de ações deste porte configuram obrigação, e não mérito.

Entre as velhas máximas da política, uma das mais populares dizem respeito à amizade. "Na política, não existem amigos, existem interesses." Parece precipitado negar o sentimento de fraternidade com Eduardo Cunha, que passa a ter o direito de sentir traído.

Se me permite uma sugestão, caro deputado, não se esqueça: Cunha é daqueles personagens de filme de terror que sempre voltam para arrastar gente para a cova.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Carta à pré-candidata

O terreno pantanoso da corrida eleitoral

Marcus Vinicius Batista

Soube por uma rede social - a irmã caçula da família construtora de imagens - de sua pré-candidatura à vereadora na cidade onde moro. Confesso que assim, logo ao acordar, não fiquei contente com a notícia. Assim que a recebi, tive medo. Não por mim, mas pelas marcas que uma campanha eleitoral pode causar a alguém com certo idealismo na veia.

Você é uma pessoa acostumada a lidar com políticos de todas as espécies, mas entrar no pântano e remexer no lodo com eles significa outra forma de sobrevivência. É território distinto, com armas novas e, aposto que você não tem diploma presencial ou de curso à distância para operá-las. No pântano, os crocodilos não atiram. Eles mastigam e afogam ao mesmo tempo.

Quando te perguntei sobre o partido, confesso também que esperava uma sigla mais progressista. E torci o nariz ao ler sua mensagem sobre a casa escolhida como pousada (espero!) temporária. Depois, a razão me lembrou que partidos são como times de futebol para os jogadores atuais. Ritos de passagem, contratos pseudofictícios, numa troca justa, profissional, sem sentimentos mais profundos. Quem sofre é o torcedor, perdão, eleitor.

Você me disse, com convicção, que o partido te deixará ser quem é, sem amarras. Ele precisa mais de você do que o contrário, o que torna a promessa passível de execução. Estar na coligação mais forte reforça o clichê da faca de dois gumes: enquanto melhora as chances eleitorais, aquece o gatilho do fogo amigo.

A eleição é uma guerra e, nela, matam-se e constroem-se reputações. Para prefeito, a guerra nasce glaumorizada por câmeras, holofotes e maquiagens. É a Segunda Guerra Mundial, na versão hollywood, com vítimas de todas as idades, redenções, episódios de superação e, para alguns, a megalomania de conquistar o mundo como representante do bem, por motivos messiânicos e paranoicos de exterminar o mal a nossos pés, chamados de outros candidatos. O pacote do estelionato.

Se a eleição para prefeito opera no atacado, seu caminho eleitoral é o varejo. É a Primeira Guerra Mundial, a batalha nas trincheiras, o golpe de baioneta corpo a corpo, os conflitos que envolvem doenças, fome, frio e isolamento humano. É a trilha percorrida atrás das migalhas como bússola, sem referências como pesquisa eleitoral, na dependência de coligações, alianças e matemática pós-votação.

Sua campanha não nadará em rios de dinheiro. Você não tem a máquina parlamentar do seu lado. Não carrega alianças de longa data. Não vem de dinastia política. Os caciques não te idolatram, te toleram.

A lista de nãos poderia te fazer desistir e, não posso mentir, reduzem suas chances, mas defendo a ideia - de fora, uso minha posição privilegiada - de que vencer importa menos. A travessia tem que ser divertida, pois a outra margem sofre de neblina contínua.

Você faz política há mais de 25 anos. Faz porque crê nela como essência de seu trabalho artístico e social. E faz por uma questão de sobrevivência profissional e financeira. Só que nenhuma destas três características vai te expor tanto como os 45 dias de campanha. Nesta etapa, vão te difamar, dilacerar seu passado, multiplicar os boatos, pisar no chão recém pavimentado por ti, além de mentir, mentir e mentir.

Se você deseja mudar (prefiro cutucar, me soa mais sensato) o estado de coisas, é preciso sacudir os métodos como primeiro passo. Confio em você neste aspecto. Sua solidez cultural e humana te permitem transitar com transparência e agradar uma parcela de pessoas que anseiam por um pouco de conversa inteligente.

Se as campanhas robustas para prefeito possibilitam a construção de uma imagem plástica com cheiro de corredor de hospital, a disputa para vereador vai parir o provincianismo, a mediocridade, a mesquinharia e a pequenez de muitos candidatos, principalmente aqueles que colocam como lema "me arranjar" na porta de casa.

Não caia na tentação de saltitar além dos limites do cargo. Esclareça, acenda a luz e deixe claro o que um vereador pode fazer. Não escorregue em temas genéricos que se parecem com entidades espirituais ou pinturas abstratas, como emprego, saúde, segurança, educação e transporte. 90% os adotam por má fé ou por desconhecimento. Ou os dois.

Você perderá a massa, mas ganhará no miúdo. E campanha para vereador é nicho, é tribo, é fatia da pirâmide.

Corra da retórica dos milagres. Vereador não é benzedeira ou vidente que traz o marido em três dias. Você conhece como poucos essa cidade e, principalmente, a gente marginalizada por ela. 

Santos: uma cidade e suas promessas de milagre

Vivemos, como outras localidades, na cidade do quase. Quase um hospital equipado. Quase um VLT com destino definido. Quase pré-sal. Quase turismo de negócios. Tantos rótulos camuflados atrás da especulação imobiliária, dos salários achatados, do desemprego crescente, dos mais de mil moradores de rua e da comida mais cara do Estado.

Não há como você consertar a cidade. Tente amenizar, como já o faz, as dores e angústias de uma turma específica. Apresente uma pauta direcionada, sintética, coerente com sua biografia e de seus parceiros. Agradeço, aqui, pela chance de te dizer que, diante um tiro só com uma espingardinha de chumbo comprada em brechó, você não pode se distrair com o palavrório de quem vai brotar na antevéspera para te dar tapas nas costas, beijos e abraços.

A campanha vai te deixar doente. Você chorará pelos cantos. Pensará em desistir. Praguejará diante das ameaças veladas, das piadas de corredor, das juras de amor eterno de quem te diminuirá em público, em frente aos seus pares. Nada que você não esteja acostumada.

Portanto, é redundante dizer que você resistirá, mandará alguns para lugares desagradáveis, ironizará a estupidez dos que não te conhecem. Esses nunca quiseram ouvir você ou aqueles que te cercam, que até apoiam na labuta operária da arte. Fale com quem se sente ouvinte e cúmplice da retórica que se reflete no palco, na coxia, no café, nas aulas, no artesanato que purifica mentes vistas como atormentadas.

Ontem à tarde, eu, Beth e meus filhos, Mari e Vini, caminhávamos de volta para casa. Cruzamos com um pré-candidato à prefeito. Mari o reconheceu e me perguntou sobre ele. Não gastamos mais do que dois minutos no assunto (ou uma quadra de passos descompromissados).

A conversa foi didática sobre as contradições dele entre o discurso e a prática. Mari estava, com razão, mais interessada em aprender certos conceitos do que conhecer mais sobre o sujeito, de fato irrelevante como político e atrelado a um partido caça-níqueis.

Jamais te compararia a ele, mas aproveito a historinha para te fazer um pedido. Nunca deixe que a política te transforme em meros dois minutos da agenda cotidiana de alguém. A má notícia: na política partidária, a maioria cai, e de joelhos. Como sempre há uma minoria ...

Eu e minha mulher, Beth, conversamos sobre sua ideia de concorrer à vereadora. Estamos ainda meio atordoados com os riscos e com as consequências, mas entendemos que você tem ciência da maioria deles, inclusive porque muitos fatores pertencem ao imponderável das campanhas eleitorais.

De qualquer modo, você me representa. Beth, também.

sábado, 9 de julho de 2016

Antônio, o Ingênuo



Marcus Vinicius Batista

A cada dois anos, sinto que o sobrenome do meu amigo Antônio foi feito para ele. Antônio carrega um adjetivo e uma crença, não um sobrenome. Na rotina profissional, como vendedor de carros, ele parece a contradição em sua identidade nominal. Mas quando as eleições se aproximam ...

Depois de um mês, reencontrei Antônio Ingênuo. Ele mora na minha rua, a duas quadras de casa. Sempre sorridente e aberto a um bom papo, Antônio é tão simpático que – ele que me perdoe – cai em qualquer conversa em ano de eleição. Logo ele que, certa vez, me disse que era capaz de vender qualquer carro com o máximo de lucratividade. Eu vi, na estante da sala dele, dez troféus de vendedor do mês na concessionária onde trabalha.

Quando nos encontramos, ele estava animado. “Acabei de voltar de uma reunião”, começou a me contar logo depois do tudo bem. Ele participou de um encontro com um pré-candidato a vereador.

Sujeito de primeira viagem, mas com cargo importante na Prefeitura, o pré-candidato assegurou que desejava compartilhar ideias com formadores de opinião. “Mas nada de promessa, queria dividir conosco sua visão da cidade do futuro. Não pediu votos”. Só respondi com hum... (o primeiro, na verdade).

Antônio, em tom professoral, me chamou a atenção porque retruquei que, oficialmente, a campanha deveria começar em 35 dias. “É claro que sim, foi só uma conversa. Você é desconfiado!”

Antônio garantiu que era amigo do pré-candidato. Nunca haviam se encontrado até 2016, mas ele o acompanhava nas redes sociais. Vídeos, fotos de família, selfies com amigos, pessoas importantes e gente comum. “Ele nunca se recusa a tirar fotos na rua. Admiro a disponibilidade dele.” Meu segundo hum...

No sábado seguinte, voltei a encontrar Antônio Ingênuo. Ele voltava da feira, e eu seguia no sentido contrário, na esperança de comprar feijão e ovos, desta vez à vista, sem precisar parcelamento no cartão. Antônio não me cumprimentou. Partiu para o relato:

“Cara, acabei de ver fulano. Ele estava cercado por quatro pessoas, que o abraçavam e tiravam fotos. Pegou uma criança no colo e fez questão de pagar o pastel de uma senhora. Ainda bem que ele é pré-candidato. Muita gente o admira.” Balancei a cabeça e comentei: “hum...”

Antônio Ingênuo – tenho certeza – apostou que eu concordava. E continuou com a história. Era a segunda vez essa semana que encontrava o pré-candidato. “Muita sorte ou coincidência que fortalece uma amizade?” Só respondi: “Olha, hum....pode ser.”

Ele encontrara o sujeito num restaurante popular na mesma semana. Teve que almoçar por lá por causa do tempo curto entre duas vendas que fechou naquele dia. O pré-candidato traçava aquele prato de pedreiro, palavras do Antônio, cheio de arroz, feijão, salada e a mistura. “Ele não tem frescura, não faz cerimônia com nada.”

Antônio Ingênuo diz que vota com convicção. Lê o noticiário, acompanha as polêmicas nas redes sociais, dá uma bisbilhotada no horário eleitoral gratuito e nunca vota nulo ou branco. Jamais se absteve. Ele me diz, com uma convicção de assustar qualquer político sob delação, que o voto é sua arma contra os corruptos.

Esse ano, quase brigamos porque disse que não tinha batido panelas ou protestado na Praça da Independência. “Ah, foi lá que encontrei o pré-candidato pela primeira vez. Um cara de liderança, com camisa da seleção e bandeira do Brasil. Patriota na veia, cara.”

Eu me arrisquei a perguntar: “Mas ele não é de um partido de oposição?” O olhar de Antônio Ingênuo era mais inquisidor do que a cobrança contra um colega que perde cliente. “Isso importa? Ele é cidadão. Saiu de casa no domingo. Duvido que tivesse interesses.”

Tenho como princípio não perder amigos por causa de política. Fiquei em silêncio, acenei a cabeça e murmurei: “hum...”

Temos um pacto silencioso de amizade. Ele nunca me ofereceu um carro. Sabe que sou contra a ideia de ter um. Como contrapartida, eu jamais ofereci a ele uma alternativa política. Sei que ele é contra a ideia de ter uma.