terça-feira, 19 de julho de 2016

Panelas silenciosas


Marcus Vinicius Batista

Enquanto deputados berravam e se esbarravam pela Presidência da Câmara Federal, pré-candidatos sussurram nos corredores virtuais da política de Santos. São mundos que parecem ignorar, por hora, os eleitores, que respondem em silêncio. A mudez talvez prevaleça pela ausência de interesse ou pela falta de percepção de que eles são parte deste cenário, quando não cúmplices.

As panelas se calaram. Os gritos de "Fora Temer" ou de "Fora Cunha" são cochichos diante do falatório de dois meses atrás. Até o Fla-Flu da política polarizada joga na arquibancada vazia de quarta divisão às 10 horas, com sol de 35 graus à sombra. Só os apaixonados querem saber.

O silêncio deriva, é claro, de uma indignação seletiva. Os protestos contra Dilma e o PT nunca me passaram a ideia de uma queixa ampla, geral e irrestrita contra a corrupção. Havia foco, era circunstancial, mas é armadilha apostar como fenômeno definitivo. O preconceito se justifica apenas numa parcela que veste camisa amarela da intolerância e se cobre com a bandeira da ignorância, sem os exageros da generalização absoluta.

A democracia à brasileira é uma adolescente com as reações óbvias da idade. Corpo em transformação, acessos de raiva e de alegria com minutos de diferença, hibernação por causa dos hormônios de crescimento. Dela pode vir tanto birra gratuita quanto atenção para o aprendizado.

Os protestos recentes foram a primeira bebedeira forte, aquela pra valer, com lacunas de memória. Não foi um pileque, como diria minha avó. Agora, estamos de ressaca, sensíveis à luz, ao som, com dores e a promessa de que não repetiremos tal transgressão tão cedo.

As minorias não contam, dos fãs de Bolsonaro aos filhotes da ditadura, pois fazem jus à própria condição. Elas só representam o rodapé de página.

Minha esperança é que, quando a ressaca passar e o fígado estiver bem, este adolescente volte ao bar, escolha outra bebida - de outro teor alcoólico partidário - e se embriague para ressuscitar panelas, como recita a democracia que passa da adolescência à faculdade.

Obs.: Texto publicado, originalmente, no Diário do Litoral, em 17 de julho de 2016.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Arrogância e desrespeito

Por que o PT apoiou Rodrigo Maia para a presidência da Câmara?

Marcus Vinicius Batista

O PT assumiu, na semana passada, que apoiará Carina Vitral, do PCdoB, à Prefeitura de Santos na eleição de outubro. Foi um gesto de "humildade pragmática", nome qualquer para uma postura comum na política. O PT se reconheceu menor e adotou uma posição de coadjuvante na cidade, diante dos erros do passado e da necessidade de reinvenção.

Esta semana, o PT de Santos, como filho, ganhou de presente mais um tapa na cabeça como exemplo de comportamento do PT-pai, em Brasília. O partido, em baixa no Congresso Nacional por razões óbvias até para um alienígena, tentou cantar de galo no processo eleitoral para a Presidência da Câmara.

É óbvio que a festa era de mafiosos, com direito a execuções, traições, reviravoltas e escolha de novos capangas. Era, talvez, a oportunidade do PT, ainda cadáver fresco depois de dois meses do afastamento de Dilma Rousseff, mostrar que muitos estavam equivocados sobre o que o partido havia se tornado.

O PT fez o oposto ao se comportar como a criança que leva a bronca pela bagunça e fica mais agressiva para confirmar a fama de moleque-problema. O que as lideranças do partido tinham na cabeça? Acreditavam mesmo que poderiam costurar com o DEM e o PMDB, os chefes do Centrão, uma reaproximação do poder? Os líderes se esqueceram que foram as duas siglas que puxaram o gatilho há dois meses?

O PT, por meio de seus comandantes, se julga acima do bem e do mal. Seu líder máximo, e seus cúmplices, apostam a cabeça dos militantes para levar à frente um projeto de poder que se transformou em ruínas por causa da arrogância.

O PT, nos 13 anos de presidência da República, abusou da soberba ao crer que poderia governar o país se conseguisse o impossível: controlar o PMDB e aliados. A desculpa esfarrapada se traduzia pelo palavrão governabilidade, definição única para um sistema político corroído, no qual o presidente depende de deputados federais e senadores para trabalhar.

O termo da moda é presidencialismo de coalizão, repetido por analistas políticos. O PSDB de Fernando Henrique governou via acordos renováveis, com aquele sorriso espírita de quem concorda na fala, mas pode agir diferente.

O PT ainda padece da crença de que pode fazer parte da festa. Não apenas crê, como ousou construir uma versão século 21 da máfia. Estas lideranças pisam em cima da credibilidade e dos símbolos do partido desde 2005, quando estourou o mensalão.

Muita gente decente pulou fora ou viveu humilhações por causa deste projeto que vende a alma para qualquer demônio de segunda. Na eleição da Câmara Federal ou na eleição em Santos, ainda há gente que sangra pelo sonho de união da esquerda em torno de um projeto político.

O PT morreu como esquerda no século 20. Neste século, morre como instituição, pela picaretagem de quem escondeu as velhas escrituras só porque um suposto messias disse que valia tudo para alcançar o paraíso. Ou seria o inferno na Terra?

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Beto, o ex-amigo

Mas eles não eram unha e carne? 

Marcus Vinicius Batista

O deputado federal Beto Mansur (PRB) é um dos 14 candidatos à presidência da Câmara Federal. Na semana de gritaria e arranhões no Congresso Nacional, o parlamentar se tornou previsível.

Até ontem, o ex-prefeito de Santos era aliado de primeira hora do ex-presidente Eduardo Cunha. Ele estava sentado ao lado dele, orgulhoso, quando foi aprovado o afastamento temporário da presidenta Dilma Rousseff. Era o momento mais glorioso dele como parlamentar.

Nesta terça, em entrevista à Isto É, Beto Mansur tornou-se um deputado comum, daqueles que mudam de casaco a cada soprar do vento. Confirmou a tese de ser um espécime que se multiplica nos corredores e gabinetes da casa.

Mansur negou que tivesse proximidade com Eduardo Cunha. Aspas: “Nunca tive relação com o Eduardo Cunha. Ele devia ter renunciado no dia seguinte ao impeachment (da Dilma), mas deixou sangrando a Casa. Se o caso vier ao Plenário, ele será cassado. A agenda dele não pode se confundir com a agenda da Câmara”.

Acreditei, por um instante, que Beto Mansur saberia diferenciar vaidade de poder. Nunca teve relações? Pensei que, como secretário da Câmara, ele havia compreendido que a exposição do cargo de presidente corrói os políticos que se sentam na principal cadeira da Câmara. Nunca teve relações?

Mansur tinha me dado a falsa impressão de que não precisava negar a cumplicidade com Cunha para se manter no topo da cadeia alimentar. Nunca teve relações? Faltou a ele gratidão política, decência em pelo menos admitir que andava lado a lado com Eduardo Cunha. Negar isso soa como piada de mau gosto diante das imagens, das declarações e dos fatos dos cinco primeiros meses desse ano, no mínimo.

Mansur sucumbiu à obviedade dos vaidosos. Como um dos 14 candidatos, ele terá que responder pelos pecados recentes da gestão da qual fazia parte. O deputado parecia próximo ou ao menos capaz de negociar com Michel Temer. Candidato, será alvo de fogo amigo e de pedras da oposição. Em caso de derrota, corre o risco de voltar ao baixo clero.

O problema é que Beto Mansur tem um dos telhados mais largos entre os candidatos à Presidência. Ele é o campeão de pendências judiciais; entre elas, a acusação de trabalho escravo na sua fazenda em Goiás.

A exposição o faz perder a condição de analista, de alguém que era procurado por jornalistas para avaliar novos movimentos no tabuleiro da Câmara Federal. Agora, terá que se defender das mesmas vozes que o consultavam.

Beto Mansur admitiu à revista que as pendências judiciais têm "peso político, mas que não é alvo de nenhuma ação por desvio de dinheiro público." Caro deputado, sinto ter que informar, mas a ausência de ações deste porte configuram obrigação, e não mérito.

Entre as velhas máximas da política, uma das mais populares dizem respeito à amizade. "Na política, não existem amigos, existem interesses." Parece precipitado negar o sentimento de fraternidade com Eduardo Cunha, que passa a ter o direito de sentir traído.

Se me permite uma sugestão, caro deputado, não se esqueça: Cunha é daqueles personagens de filme de terror que sempre voltam para arrastar gente para a cova.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Carta à pré-candidata

O terreno pantanoso da corrida eleitoral

Marcus Vinicius Batista

Soube por uma rede social - a irmã caçula da família construtora de imagens - de sua pré-candidatura à vereadora na cidade onde moro. Confesso que assim, logo ao acordar, não fiquei contente com a notícia. Assim que a recebi, tive medo. Não por mim, mas pelas marcas que uma campanha eleitoral pode causar a alguém com certo idealismo na veia.

Você é uma pessoa acostumada a lidar com políticos de todas as espécies, mas entrar no pântano e remexer no lodo com eles significa outra forma de sobrevivência. É território distinto, com armas novas e, aposto que você não tem diploma presencial ou de curso à distância para operá-las. No pântano, os crocodilos não atiram. Eles mastigam e afogam ao mesmo tempo.

Quando te perguntei sobre o partido, confesso também que esperava uma sigla mais progressista. E torci o nariz ao ler sua mensagem sobre a casa escolhida como pousada (espero!) temporária. Depois, a razão me lembrou que partidos são como times de futebol para os jogadores atuais. Ritos de passagem, contratos pseudofictícios, numa troca justa, profissional, sem sentimentos mais profundos. Quem sofre é o torcedor, perdão, eleitor.

Você me disse, com convicção, que o partido te deixará ser quem é, sem amarras. Ele precisa mais de você do que o contrário, o que torna a promessa passível de execução. Estar na coligação mais forte reforça o clichê da faca de dois gumes: enquanto melhora as chances eleitorais, aquece o gatilho do fogo amigo.

A eleição é uma guerra e, nela, matam-se e constroem-se reputações. Para prefeito, a guerra nasce glaumorizada por câmeras, holofotes e maquiagens. É a Segunda Guerra Mundial, na versão hollywood, com vítimas de todas as idades, redenções, episódios de superação e, para alguns, a megalomania de conquistar o mundo como representante do bem, por motivos messiânicos e paranoicos de exterminar o mal a nossos pés, chamados de outros candidatos. O pacote do estelionato.

Se a eleição para prefeito opera no atacado, seu caminho eleitoral é o varejo. É a Primeira Guerra Mundial, a batalha nas trincheiras, o golpe de baioneta corpo a corpo, os conflitos que envolvem doenças, fome, frio e isolamento humano. É a trilha percorrida atrás das migalhas como bússola, sem referências como pesquisa eleitoral, na dependência de coligações, alianças e matemática pós-votação.

Sua campanha não nadará em rios de dinheiro. Você não tem a máquina parlamentar do seu lado. Não carrega alianças de longa data. Não vem de dinastia política. Os caciques não te idolatram, te toleram.

A lista de nãos poderia te fazer desistir e, não posso mentir, reduzem suas chances, mas defendo a ideia - de fora, uso minha posição privilegiada - de que vencer importa menos. A travessia tem que ser divertida, pois a outra margem sofre de neblina contínua.

Você faz política há mais de 25 anos. Faz porque crê nela como essência de seu trabalho artístico e social. E faz por uma questão de sobrevivência profissional e financeira. Só que nenhuma destas três características vai te expor tanto como os 45 dias de campanha. Nesta etapa, vão te difamar, dilacerar seu passado, multiplicar os boatos, pisar no chão recém pavimentado por ti, além de mentir, mentir e mentir.

Se você deseja mudar (prefiro cutucar, me soa mais sensato) o estado de coisas, é preciso sacudir os métodos como primeiro passo. Confio em você neste aspecto. Sua solidez cultural e humana te permitem transitar com transparência e agradar uma parcela de pessoas que anseiam por um pouco de conversa inteligente.

Se as campanhas robustas para prefeito possibilitam a construção de uma imagem plástica com cheiro de corredor de hospital, a disputa para vereador vai parir o provincianismo, a mediocridade, a mesquinharia e a pequenez de muitos candidatos, principalmente aqueles que colocam como lema "me arranjar" na porta de casa.

Não caia na tentação de saltitar além dos limites do cargo. Esclareça, acenda a luz e deixe claro o que um vereador pode fazer. Não escorregue em temas genéricos que se parecem com entidades espirituais ou pinturas abstratas, como emprego, saúde, segurança, educação e transporte. 90% os adotam por má fé ou por desconhecimento. Ou os dois.

Você perderá a massa, mas ganhará no miúdo. E campanha para vereador é nicho, é tribo, é fatia da pirâmide.

Corra da retórica dos milagres. Vereador não é benzedeira ou vidente que traz o marido em três dias. Você conhece como poucos essa cidade e, principalmente, a gente marginalizada por ela. 

Santos: uma cidade e suas promessas de milagre

Vivemos, como outras localidades, na cidade do quase. Quase um hospital equipado. Quase um VLT com destino definido. Quase pré-sal. Quase turismo de negócios. Tantos rótulos camuflados atrás da especulação imobiliária, dos salários achatados, do desemprego crescente, dos mais de mil moradores de rua e da comida mais cara do Estado.

Não há como você consertar a cidade. Tente amenizar, como já o faz, as dores e angústias de uma turma específica. Apresente uma pauta direcionada, sintética, coerente com sua biografia e de seus parceiros. Agradeço, aqui, pela chance de te dizer que, diante um tiro só com uma espingardinha de chumbo comprada em brechó, você não pode se distrair com o palavrório de quem vai brotar na antevéspera para te dar tapas nas costas, beijos e abraços.

A campanha vai te deixar doente. Você chorará pelos cantos. Pensará em desistir. Praguejará diante das ameaças veladas, das piadas de corredor, das juras de amor eterno de quem te diminuirá em público, em frente aos seus pares. Nada que você não esteja acostumada.

Portanto, é redundante dizer que você resistirá, mandará alguns para lugares desagradáveis, ironizará a estupidez dos que não te conhecem. Esses nunca quiseram ouvir você ou aqueles que te cercam, que até apoiam na labuta operária da arte. Fale com quem se sente ouvinte e cúmplice da retórica que se reflete no palco, na coxia, no café, nas aulas, no artesanato que purifica mentes vistas como atormentadas.

Ontem à tarde, eu, Beth e meus filhos, Mari e Vini, caminhávamos de volta para casa. Cruzamos com um pré-candidato à prefeito. Mari o reconheceu e me perguntou sobre ele. Não gastamos mais do que dois minutos no assunto (ou uma quadra de passos descompromissados).

A conversa foi didática sobre as contradições dele entre o discurso e a prática. Mari estava, com razão, mais interessada em aprender certos conceitos do que conhecer mais sobre o sujeito, de fato irrelevante como político e atrelado a um partido caça-níqueis.

Jamais te compararia a ele, mas aproveito a historinha para te fazer um pedido. Nunca deixe que a política te transforme em meros dois minutos da agenda cotidiana de alguém. A má notícia: na política partidária, a maioria cai, e de joelhos. Como sempre há uma minoria ...

Eu e minha mulher, Beth, conversamos sobre sua ideia de concorrer à vereadora. Estamos ainda meio atordoados com os riscos e com as consequências, mas entendemos que você tem ciência da maioria deles, inclusive porque muitos fatores pertencem ao imponderável das campanhas eleitorais.

De qualquer modo, você me representa. Beth, também.

sábado, 9 de julho de 2016

Antônio, o Ingênuo



Marcus Vinicius Batista

A cada dois anos, sinto que o sobrenome do meu amigo Antônio foi feito para ele. Antônio carrega um adjetivo e uma crença, não um sobrenome. Na rotina profissional, como vendedor de carros, ele parece a contradição em sua identidade nominal. Mas quando as eleições se aproximam ...

Depois de um mês, reencontrei Antônio Ingênuo. Ele mora na minha rua, a duas quadras de casa. Sempre sorridente e aberto a um bom papo, Antônio é tão simpático que – ele que me perdoe – cai em qualquer conversa em ano de eleição. Logo ele que, certa vez, me disse que era capaz de vender qualquer carro com o máximo de lucratividade. Eu vi, na estante da sala dele, dez troféus de vendedor do mês na concessionária onde trabalha.

Quando nos encontramos, ele estava animado. “Acabei de voltar de uma reunião”, começou a me contar logo depois do tudo bem. Ele participou de um encontro com um pré-candidato a vereador.

Sujeito de primeira viagem, mas com cargo importante na Prefeitura, o pré-candidato assegurou que desejava compartilhar ideias com formadores de opinião. “Mas nada de promessa, queria dividir conosco sua visão da cidade do futuro. Não pediu votos”. Só respondi com hum... (o primeiro, na verdade).

Antônio, em tom professoral, me chamou a atenção porque retruquei que, oficialmente, a campanha deveria começar em 35 dias. “É claro que sim, foi só uma conversa. Você é desconfiado!”

Antônio garantiu que era amigo do pré-candidato. Nunca haviam se encontrado até 2016, mas ele o acompanhava nas redes sociais. Vídeos, fotos de família, selfies com amigos, pessoas importantes e gente comum. “Ele nunca se recusa a tirar fotos na rua. Admiro a disponibilidade dele.” Meu segundo hum...

No sábado seguinte, voltei a encontrar Antônio Ingênuo. Ele voltava da feira, e eu seguia no sentido contrário, na esperança de comprar feijão e ovos, desta vez à vista, sem precisar parcelamento no cartão. Antônio não me cumprimentou. Partiu para o relato:

“Cara, acabei de ver fulano. Ele estava cercado por quatro pessoas, que o abraçavam e tiravam fotos. Pegou uma criança no colo e fez questão de pagar o pastel de uma senhora. Ainda bem que ele é pré-candidato. Muita gente o admira.” Balancei a cabeça e comentei: “hum...”

Antônio Ingênuo – tenho certeza – apostou que eu concordava. E continuou com a história. Era a segunda vez essa semana que encontrava o pré-candidato. “Muita sorte ou coincidência que fortalece uma amizade?” Só respondi: “Olha, hum....pode ser.”

Ele encontrara o sujeito num restaurante popular na mesma semana. Teve que almoçar por lá por causa do tempo curto entre duas vendas que fechou naquele dia. O pré-candidato traçava aquele prato de pedreiro, palavras do Antônio, cheio de arroz, feijão, salada e a mistura. “Ele não tem frescura, não faz cerimônia com nada.”

Antônio Ingênuo diz que vota com convicção. Lê o noticiário, acompanha as polêmicas nas redes sociais, dá uma bisbilhotada no horário eleitoral gratuito e nunca vota nulo ou branco. Jamais se absteve. Ele me diz, com uma convicção de assustar qualquer político sob delação, que o voto é sua arma contra os corruptos.

Esse ano, quase brigamos porque disse que não tinha batido panelas ou protestado na Praça da Independência. “Ah, foi lá que encontrei o pré-candidato pela primeira vez. Um cara de liderança, com camisa da seleção e bandeira do Brasil. Patriota na veia, cara.”

Eu me arrisquei a perguntar: “Mas ele não é de um partido de oposição?” O olhar de Antônio Ingênuo era mais inquisidor do que a cobrança contra um colega que perde cliente. “Isso importa? Ele é cidadão. Saiu de casa no domingo. Duvido que tivesse interesses.”

Tenho como princípio não perder amigos por causa de política. Fiquei em silêncio, acenei a cabeça e murmurei: “hum...”

Temos um pacto silencioso de amizade. Ele nunca me ofereceu um carro. Sabe que sou contra a ideia de ter um. Como contrapartida, eu jamais ofereci a ele uma alternativa política. Sei que ele é contra a ideia de ter uma.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

A humildade possível

Carina Vitral, pré-candidata do PCdoB à Prefeitura de Santos

Marcus Vinicius Batista

A decisão do PT em não ter candidato à Prefeitura de Santos em 2016 e apoiar a pré-candidatura de Carina Vitral, do PCdoB, é o desfecho provisório de um processo que empurrou o partido diversos degraus abaixo neste século. Escolher uma candidata jovem pode soar como atitude sensata - e o é, em tese -, mas também indica como o PT se esfacelou na cidade. Virou coadjuvante.

É a primeira vez, desde 1984, que o Partido dos Trabalhadores não disputa a Prefeitura de Santos. Historicamente, não é uma decisão fácil para quem venceu duas vezes e perdeu cinco na sequência. Numa delas, protagonizou a mais disputada votação de Santos, quando João Paulo Tavares Papa derrotou Telma de Souza, por 1771 votos (0,3%).

Essa derrota foi emblemática. A (quase) chance de vencer não deu ao PT a humildade de estudar e aprender com a derrota. Ali, talvez estivesse a oportunidade de renovação, de formação de novas lideranças, da construção de um novo discurso de oposição.

O PT, a partir dali, sangrou e encolheu em praça pública. Os velhos caciques ficaram no comando, os desafetos foram para o Planalto Central ou para a reserva. Daí em diante, derrotas por goleada. Um segundo lugar sem vestígios, em canto algum, de lugar mais alto do pódio.

A consequência está posta: recolher a soberba e apoiar uma candidata que representa aquilo que o partido deveria ter feito há duas eleições. De sobremesa, engolir a pré-candidata de um partido que o PT sempre tratou como irmão bastardo, como mais um dos componentes de coligação, como o nanico que nunca seria cabeça de chapa.

Carina Vitral é presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e cursa Economia na PUC-SP. Ela pode ser o frescor que a campanha morna de Santos necessita. Em teoria, é simpática ao público jovem, pode atrair o hipersegmento universitário mais aquela parcela de esquerda do eleitorado, que se sente órfã do próprio PT, inclusive, ao longo dos últimos 10, 12 anos.

No entanto, é preciso ter cautela. Carina Vitral tem que provar, em 45 dias de campanha, ser mais do que um rosto bonito. Seguir a trilha e enfrentar os pedregulhos pelos quais passou Manuela D'Ávila, também do PCdoB, no Rio Grande do Sul.

As perguntas nascem aos soluços. Como ser a alternativa para a gestão atual, também comandada por um prefeito jovem, embora com estratégias antigas? Como será o discurso de alternativa para um eleitorado murcho e inerte, com tendências a manter tudo como está? Carina Vitral pretende minimizar o passado de apoio à presidente afastada, Dilma Rousseff?

Como se desvincular dos vícios e dos estereótipos que corroem aqueles que se dizem de esquerda? Como escapar do fogo amigo (de voto, inclusive) de candidatos de outras correntes da oposição, como Evaldo Stanislau, da Rede? Como ficar conhecida em tão pouco tempo? O horário eleitoral ajudará?

O PT, ao apoiar Carina Vitral, pode parecer humilde, num primeiro momento. Mas desconfio - com um grau bem próximo da certeza - de que o partido estava numa sinuca de bico. Em outras palavras, sem opções. Falou-se no ex-ministro da Saúde, Artur Chioro, um técnico sem manchas, mas pouco conhecido e - infelizmente - vinculado ao passado recente do governo Dilma Rousseff.

A ex-vereadora Cassandra Maroni Nunes, uma das mais combativas parlamentares e exceção da oposição inteligente, é experiente para fugir deste presente de grego, de um desgaste que a idade e a trajetória política não aceitam mais.

Telma de Souza, ainda que apareça em segundo lugar nas pesquisas, sabe que há o risco grande de virar um cavalo paraguaio. Não há como vencer. Seria a repetição do velho filme, numa versão mais gasta. Mas Carina Vitral teria chances, então? Poucas, mas aí o problema será do PCdoB. Telma disputará para vereadora, vencerá e trará o PT de volta à Câmara. Quem sabe com outro "companheiro" via matemática?

O cenário sombrio - decorrente dos erros e da vaidade - levou o PT à decisão certa. O desgaste extremo da imagem do partido aponta a hora de se recolher, reconhecer o tamanho menor e, dependendo do curso do processo político, renascer como outra instituição.

Nada como uma roupa reformada, apesar de emprestada, para entrar na festa pela porta da frente e com nome na lista de convidados.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

O parque dos dinossauros

Rodovia dos Imigrantes ou um parque temático?

Marcus Vinicius Batista

O parque ficou com fama de caro. Muito dinheiro para pouca aventura. Muitos clientes reclamam que o passeio é curto: uma hora em média. Os defensores alegam que o parque é imprevisível, inclusive com novidades fora das férias escolares. Ótimo para que prefere a baixa temporada. A freguesia chia sempre quando o preço do ingresso aumenta. Todo dia 1º de julho sobe. Desta vez, foi para R$ 25,20.

O lado bom, se defende o parque, é que o ingresso é por carro, o que valeria como combo-família. Mas e os solitários? Pagam o mesmo preço, é a resposta-padrão, porque usufruem de todas as atrações do mesmo jeito.

Desde que duplicou as instalações, o parque atraiu mais gente. São 70 quilômetros aproximados de extensão. O visitante, de acordo com os folhetos de divulgação, se sente acolhido logo de cara.

Não precisa pensar em dinheiro, desembolsar nada. É só apreciar o verde, com as manchas de civilização nas margens. Gente que se vê de longe, sabe-se que existem, evita-se o toque.

Coisa de uma vez por ano, eles se rebelam, queimam uns pneus na pista, nada grave, garante a empresa responsável. Para parte da imprensa, são os bárbaros que reclamam de barriga cheia - e TV em casa -, porque não podem frequentar as instalações.

O passeio pelo parque é interrompido uns 15 minutos depois. É o momento do pedágio antes de viver a aventura. Não tem meia-entrada, desconto para aposentados, benefícios para professor ou funcionário público. Todo mundo paga R$ 25,20. Contrato assinado entre a empresa responsável e a Alckmin Entretainment Inc., que repassou os serviços quando tinha outro nome. Hoje, só responde - é o que diz o folheto - pela segurança.

O melhor dia é com neblina. Aumenta a ansiedade de se ver dinossauros. Único momento em que a escolta aparece. Aviso para ter medo? A neblina atrapalha um pouco, mas é possível testemunhar tiranossauros, muitos em fila, pela Ala Anchieta do parque. Todos, domesticados, seguem para o Porto de Santos, onde se alimentam.

Nos últimos tempos, o parque retomou a maior de suas atrações. Expectativa para as férias? Depois dos tiranossauros, surgem os velociraptors, espécimes que podem atacar os veículos. Muitos jogam pedras. Outros atiram. Deve ser efeito especial. Pertences de frequentadores sumiram, mas - como explica o folheto - os objetos deixados no parque são de responsabilidade dos visitantes.

Dizem que gente morreu nesse passeio. O jornal A Tribuna denunciou que os documentos que mostram as queixas não estão disponíveis. A Alckmin Entertainment Inc. garante: é para tranquilidade de quem deseja descansar da vida agitada.

Uma dica: vá pela saída sul do parque e adquira o combo que dá direito ao WaterWorld. Este complexo das águas reproduz a atmosfera de um meio de transporte do século passado. Só que a balsa também ficou mais cara. Agora, R$ 11,50, sem desconto e com filas. Mas, às vezes, eles contratam uns piratas.