sábado, 9 de julho de 2016

Antônio, o Ingênuo



Marcus Vinicius Batista

A cada dois anos, sinto que o sobrenome do meu amigo Antônio foi feito para ele. Antônio carrega um adjetivo e uma crença, não um sobrenome. Na rotina profissional, como vendedor de carros, ele parece a contradição em sua identidade nominal. Mas quando as eleições se aproximam ...

Depois de um mês, reencontrei Antônio Ingênuo. Ele mora na minha rua, a duas quadras de casa. Sempre sorridente e aberto a um bom papo, Antônio é tão simpático que – ele que me perdoe – cai em qualquer conversa em ano de eleição. Logo ele que, certa vez, me disse que era capaz de vender qualquer carro com o máximo de lucratividade. Eu vi, na estante da sala dele, dez troféus de vendedor do mês na concessionária onde trabalha.

Quando nos encontramos, ele estava animado. “Acabei de voltar de uma reunião”, começou a me contar logo depois do tudo bem. Ele participou de um encontro com um pré-candidato a vereador.

Sujeito de primeira viagem, mas com cargo importante na Prefeitura, o pré-candidato assegurou que desejava compartilhar ideias com formadores de opinião. “Mas nada de promessa, queria dividir conosco sua visão da cidade do futuro. Não pediu votos”. Só respondi com hum... (o primeiro, na verdade).

Antônio, em tom professoral, me chamou a atenção porque retruquei que, oficialmente, a campanha deveria começar em 35 dias. “É claro que sim, foi só uma conversa. Você é desconfiado!”

Antônio garantiu que era amigo do pré-candidato. Nunca haviam se encontrado até 2016, mas ele o acompanhava nas redes sociais. Vídeos, fotos de família, selfies com amigos, pessoas importantes e gente comum. “Ele nunca se recusa a tirar fotos na rua. Admiro a disponibilidade dele.” Meu segundo hum...

No sábado seguinte, voltei a encontrar Antônio Ingênuo. Ele voltava da feira, e eu seguia no sentido contrário, na esperança de comprar feijão e ovos, desta vez à vista, sem precisar parcelamento no cartão. Antônio não me cumprimentou. Partiu para o relato:

“Cara, acabei de ver fulano. Ele estava cercado por quatro pessoas, que o abraçavam e tiravam fotos. Pegou uma criança no colo e fez questão de pagar o pastel de uma senhora. Ainda bem que ele é pré-candidato. Muita gente o admira.” Balancei a cabeça e comentei: “hum...”

Antônio Ingênuo – tenho certeza – apostou que eu concordava. E continuou com a história. Era a segunda vez essa semana que encontrava o pré-candidato. “Muita sorte ou coincidência que fortalece uma amizade?” Só respondi: “Olha, hum....pode ser.”

Ele encontrara o sujeito num restaurante popular na mesma semana. Teve que almoçar por lá por causa do tempo curto entre duas vendas que fechou naquele dia. O pré-candidato traçava aquele prato de pedreiro, palavras do Antônio, cheio de arroz, feijão, salada e a mistura. “Ele não tem frescura, não faz cerimônia com nada.”

Antônio Ingênuo diz que vota com convicção. Lê o noticiário, acompanha as polêmicas nas redes sociais, dá uma bisbilhotada no horário eleitoral gratuito e nunca vota nulo ou branco. Jamais se absteve. Ele me diz, com uma convicção de assustar qualquer político sob delação, que o voto é sua arma contra os corruptos.

Esse ano, quase brigamos porque disse que não tinha batido panelas ou protestado na Praça da Independência. “Ah, foi lá que encontrei o pré-candidato pela primeira vez. Um cara de liderança, com camisa da seleção e bandeira do Brasil. Patriota na veia, cara.”

Eu me arrisquei a perguntar: “Mas ele não é de um partido de oposição?” O olhar de Antônio Ingênuo era mais inquisidor do que a cobrança contra um colega que perde cliente. “Isso importa? Ele é cidadão. Saiu de casa no domingo. Duvido que tivesse interesses.”

Tenho como princípio não perder amigos por causa de política. Fiquei em silêncio, acenei a cabeça e murmurei: “hum...”

Temos um pacto silencioso de amizade. Ele nunca me ofereceu um carro. Sabe que sou contra a ideia de ter um. Como contrapartida, eu jamais ofereci a ele uma alternativa política. Sei que ele é contra a ideia de ter uma.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

A humildade possível

Carina Vitral, pré-candidata do PCdoB à Prefeitura de Santos

Marcus Vinicius Batista

A decisão do PT em não ter candidato à Prefeitura de Santos em 2016 e apoiar a pré-candidatura de Carina Vitral, do PCdoB, é o desfecho provisório de um processo que empurrou o partido diversos degraus abaixo neste século. Escolher uma candidata jovem pode soar como atitude sensata - e o é, em tese -, mas também indica como o PT se esfacelou na cidade. Virou coadjuvante.

É a primeira vez, desde 1984, que o Partido dos Trabalhadores não disputa a Prefeitura de Santos. Historicamente, não é uma decisão fácil para quem venceu duas vezes e perdeu cinco na sequência. Numa delas, protagonizou a mais disputada votação de Santos, quando João Paulo Tavares Papa derrotou Telma de Souza, por 1771 votos (0,3%).

Essa derrota foi emblemática. A (quase) chance de vencer não deu ao PT a humildade de estudar e aprender com a derrota. Ali, talvez estivesse a oportunidade de renovação, de formação de novas lideranças, da construção de um novo discurso de oposição.

O PT, a partir dali, sangrou e encolheu em praça pública. Os velhos caciques ficaram no comando, os desafetos foram para o Planalto Central ou para a reserva. Daí em diante, derrotas por goleada. Um segundo lugar sem vestígios, em canto algum, de lugar mais alto do pódio.

A consequência está posta: recolher a soberba e apoiar uma candidata que representa aquilo que o partido deveria ter feito há duas eleições. De sobremesa, engolir a pré-candidata de um partido que o PT sempre tratou como irmão bastardo, como mais um dos componentes de coligação, como o nanico que nunca seria cabeça de chapa.

Carina Vitral é presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e cursa Economia na PUC-SP. Ela pode ser o frescor que a campanha morna de Santos necessita. Em teoria, é simpática ao público jovem, pode atrair o hipersegmento universitário mais aquela parcela de esquerda do eleitorado, que se sente órfã do próprio PT, inclusive, ao longo dos últimos 10, 12 anos.

No entanto, é preciso ter cautela. Carina Vitral tem que provar, em 45 dias de campanha, ser mais do que um rosto bonito. Seguir a trilha e enfrentar os pedregulhos pelos quais passou Manuela D'Ávila, também do PCdoB, no Rio Grande do Sul.

As perguntas nascem aos soluços. Como ser a alternativa para a gestão atual, também comandada por um prefeito jovem, embora com estratégias antigas? Como será o discurso de alternativa para um eleitorado murcho e inerte, com tendências a manter tudo como está? Carina Vitral pretende minimizar o passado de apoio à presidente afastada, Dilma Rousseff?

Como se desvincular dos vícios e dos estereótipos que corroem aqueles que se dizem de esquerda? Como escapar do fogo amigo (de voto, inclusive) de candidatos de outras correntes da oposição, como Evaldo Stanislau, da Rede? Como ficar conhecida em tão pouco tempo? O horário eleitoral ajudará?

O PT, ao apoiar Carina Vitral, pode parecer humilde, num primeiro momento. Mas desconfio - com um grau bem próximo da certeza - de que o partido estava numa sinuca de bico. Em outras palavras, sem opções. Falou-se no ex-ministro da Saúde, Artur Chioro, um técnico sem manchas, mas pouco conhecido e - infelizmente - vinculado ao passado recente do governo Dilma Rousseff.

A ex-vereadora Cassandra Maroni Nunes, uma das mais combativas parlamentares e exceção da oposição inteligente, é experiente para fugir deste presente de grego, de um desgaste que a idade e a trajetória política não aceitam mais.

Telma de Souza, ainda que apareça em segundo lugar nas pesquisas, sabe que há o risco grande de virar um cavalo paraguaio. Não há como vencer. Seria a repetição do velho filme, numa versão mais gasta. Mas Carina Vitral teria chances, então? Poucas, mas aí o problema será do PCdoB. Telma disputará para vereadora, vencerá e trará o PT de volta à Câmara. Quem sabe com outro "companheiro" via matemática?

O cenário sombrio - decorrente dos erros e da vaidade - levou o PT à decisão certa. O desgaste extremo da imagem do partido aponta a hora de se recolher, reconhecer o tamanho menor e, dependendo do curso do processo político, renascer como outra instituição.

Nada como uma roupa reformada, apesar de emprestada, para entrar na festa pela porta da frente e com nome na lista de convidados.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

O parque dos dinossauros

Rodovia dos Imigrantes ou um parque temático?

Marcus Vinicius Batista

O parque ficou com fama de caro. Muito dinheiro para pouca aventura. Muitos clientes reclamam que o passeio é curto: uma hora em média. Os defensores alegam que o parque é imprevisível, inclusive com novidades fora das férias escolares. Ótimo para que prefere a baixa temporada. A freguesia chia sempre quando o preço do ingresso aumenta. Todo dia 1º de julho sobe. Desta vez, foi para R$ 25,20.

O lado bom, se defende o parque, é que o ingresso é por carro, o que valeria como combo-família. Mas e os solitários? Pagam o mesmo preço, é a resposta-padrão, porque usufruem de todas as atrações do mesmo jeito.

Desde que duplicou as instalações, o parque atraiu mais gente. São 70 quilômetros aproximados de extensão. O visitante, de acordo com os folhetos de divulgação, se sente acolhido logo de cara.

Não precisa pensar em dinheiro, desembolsar nada. É só apreciar o verde, com as manchas de civilização nas margens. Gente que se vê de longe, sabe-se que existem, evita-se o toque.

Coisa de uma vez por ano, eles se rebelam, queimam uns pneus na pista, nada grave, garante a empresa responsável. Para parte da imprensa, são os bárbaros que reclamam de barriga cheia - e TV em casa -, porque não podem frequentar as instalações.

O passeio pelo parque é interrompido uns 15 minutos depois. É o momento do pedágio antes de viver a aventura. Não tem meia-entrada, desconto para aposentados, benefícios para professor ou funcionário público. Todo mundo paga R$ 25,20. Contrato assinado entre a empresa responsável e a Alckmin Entretainment Inc., que repassou os serviços quando tinha outro nome. Hoje, só responde - é o que diz o folheto - pela segurança.

O melhor dia é com neblina. Aumenta a ansiedade de se ver dinossauros. Único momento em que a escolta aparece. Aviso para ter medo? A neblina atrapalha um pouco, mas é possível testemunhar tiranossauros, muitos em fila, pela Ala Anchieta do parque. Todos, domesticados, seguem para o Porto de Santos, onde se alimentam.

Nos últimos tempos, o parque retomou a maior de suas atrações. Expectativa para as férias? Depois dos tiranossauros, surgem os velociraptors, espécimes que podem atacar os veículos. Muitos jogam pedras. Outros atiram. Deve ser efeito especial. Pertences de frequentadores sumiram, mas - como explica o folheto - os objetos deixados no parque são de responsabilidade dos visitantes.

Dizem que gente morreu nesse passeio. O jornal A Tribuna denunciou que os documentos que mostram as queixas não estão disponíveis. A Alckmin Entertainment Inc. garante: é para tranquilidade de quem deseja descansar da vida agitada.

Uma dica: vá pela saída sul do parque e adquira o combo que dá direito ao WaterWorld. Este complexo das águas reproduz a atmosfera de um meio de transporte do século passado. Só que a balsa também ficou mais cara. Agora, R$ 11,50, sem desconto e com filas. Mas, às vezes, eles contratam uns piratas.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

A eleição em um poema




Marcus Vinicius Batista

Falta um mês e meio para a campanha eleitoral começar, oficialmente. Para quem acompanha política - e ainda acredito que todos deveriam fazê-lo, mesmo para se proteger -, é divertido testemunhar a dança de salão.

Neste momento, é a hora dos flertes, dos blefes, das juras de amor eterno enquanto dure ... até outubro ou ... até a divisão de cargos e salários. Fala-se ao pé de ouvido, espalham-se galanteios, mas pouco se pega na mão, nada se beija, e ninguém aparece na casa dos pais da pretendente para pedir a benção ao matrimônio.

A política, de vez em quando, me faz pensar em literatura. Pode ser daquela ruim, de papel barato e palavrório oco. Mas a política pode ser alta literatura policial, enquanto jogos de cenas, reviravoltas, pistas falsas, profundidade psicológica e vilões difíceis de detectar, até nas entrelinhas.

Peço desculpas pela liberdade em explorar um poema que me vem à lembrança outra vez. Repito o recurso anos depois porque a métrica é repetitiva. E que o poeta, mineiro de Itabira, não me crucifique por desvirtuar sua "Quadrilha".

Em Santos, cidade da piada pronta e das obras atrasadas, "Quadrilha" é apenas o nome do poema de Carlos Drummond de Andrade. Outros sentidos são de sua responsabilidade, caro leitor.

Pois bem, a versão oficial, composta no Paço Municipal, na Praça Mauá:

O PSDB, de Paulo Alexandre Barbosa, amava o PSB, de Fabião e Márcio França, que tentava se apaixonar pelo PSD, de Gilberto Kassab, que procurava amar o PTB, que fingia tolerar o PR, no comando da Prodesan, que dizia amar o PMDB, no vai e vem do namoro e que um dia amou o PPS.

O prefeito lidera as pesquisas e deve se reeleger. O PSB, o PSD, o PTB, o PMDB e o PR, hum..., todos eles sonham com o cargo de vice-prefeito, entre outras fatias do coração tucano (apelei para o clichê de música brega, mas que se encaixa numa campanha de refrão-chiclete).

Agora, o poema, na versão (supostamente) dor de cotovelo:

O PPS, de coração partido, lançou Marcelo Del Bosco, que foi secretário na gestão Paulo Alexandre, machucado de amor assim como o DEM, outra paixão do passado e de governo (será?), que inventou Moysés Fernandes e lidera um movimento de oposição. Em relacionamento aberto, o Democratas ama o PSL, que ama o PSDC, que tenta engatar um relacionamento com PDT e PRP, que - por enquanto - aguardam a flechada do cupido.

Todos ignoram os nanicos de sempre, da direita e da esquerda (se é que existem), com velhas e novas damas de honra, o mais perto que chegarão do altar, sem direito a levar as alianças.

E, juntos, DEM, PSL e PSDC sonham em namorar a Rede, de Evaldo Stanislau, que trabalha sozinho, sem alianças (essas políticas), com dote mínimo e que um dia amou o PT.

Ah, e o PT? Este se amou tanto diante do espelho que se esfacelou como Dorian Gray e só recebeu desprezo de todos os outros personagens desta história.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Rinha de galo




Marcus Vinicius Batista

Os colantes desfilam nas traseiras dos carros. O bate-perna e as conversas ao pé de ouvido se multiplicam no comércio. Comendas e títulos preenchem sorrisos no plenário. Apertos de mãos e abraços a cada encontro na rua, na feira, na universidade, no Centro de Santos.

A campanha eleitoral será curta. Oficialmente, 45 dias. Para os pré-candidatos a vereador, o inverno de junho é uma das etapas da colheita, que termina em outubro. Para os sujeitos com mandato, a semeadura começou há quatro anos.

A legislação eleitoral e suas contas fazem da eleição para vereador uma loteria. Nem os cachorros grandes têm certeza da vitória enquanto a última urna não for computada. No tempo da cédula, testemunhei vereador quebrar escritório de campanha porque dormiu eleito e acordou derrotado. Toda eleição tem aquele que teve votos suficientes, mas morreu na praia por causa da aliança com os amigos errados.

Santos tem a maior Câmara da região: 21 vereadores. Em 2012, foram mais de 450 candidatos, emprego mais concorrido do que vestibular de faculdade pública. Um salário de R$ 10 mil hoje, mais seis assessores, benefícios e, acima de tudo, a síndrome do pequeno poder seduzem neste emprego. Desculpe, emprego e trabalho são conceitos, muitas vezes, diferentes.

O grande número de variáveis torna quase imprevisível a eleição para o Poder Legislativo. Historicamente, a renovação dança entre um terço e 40% das cadeiras. De seis a oito vereadores não se reelegem. Muitos se encaixam na Prefeitura, o que não é de todo mal, claro, para eles.

Observo, com distância segura, a luta dos vereadores. Xadrez, mesmo!, com blefes, acordos, estratégias de marketing, ações de visibilidade, pequenas promessas, propostas que nada tem a ver com o papel de um vereador.

No momento, a briga maior é dentro do viveiro tucano. O PSDB começou a gestão Paulo Alexandre com seis parlamentares. Hoje, tem dez. É rinha de galo, na qual muitos sangrarão na arena. Será bem difícil emplacar dez vereadores; por sinal, muitos pré-candidatos saíram à francesa quando viram as garras do fogo amigo.

Outro problema são os aliados da máquina. Muitos partidos na barca, dificuldades de prever quem ficará no convés, quem terminará no porão. As alianças podem pulverizar as bancadas na Câmara. Ruim para as siglas de médio porte.

E o PT nesta ciranda? O Partido dos Trabalhadores está mais perto dos nanicos do que dos dias de glória. Parece que sobra um acordo de cavalheiros: Telma de Souza entrar na disputa.

Os dois lados ganham. Telma consegue um mandato no momento em que se aproxima da aposentadoria política. Já o PT pode sonhar com uma ou até duas cadeiras na Câmara. Telma ainda tem apoio de parte da militância e de seus eleitores fiéis. Não será a mulher de 20 mil votos, recorde em Santos, mas estaria eleita sem sofrimento.

Confesso que, a cada vez que escrevo sobre vereadores, me lembro da Suécia. Lá, vereador é cargo não remunerado. Se aqui fosse assim, utopia!, a eleição seria mais enxuta e com menos beijos, abraços e apertos de mãos.


quarta-feira, 8 de junho de 2016

De repente, vice

Paço Municipal de Santos/SP
Marcus Vinicius Batista

A campanha eleitoral em Santos está morna, quase em banho-maria. O fogo brando deriva da política nacional fervente, que esfriou os demais níveis, mas também pela disputa local gelada, na qual todos sabem que Paulo Alexandre Barbosa vai se reeleger, salvo um incêndio político (ou um milagre), dependendo de quem vê.

A briga silenciosa acontece nos bastidores. Eventualmente, alguém coloca a cabeça para fora do buraco e grita por atenção. O DEM, por exemplo, lançou Moysés Fernandes como pré-candidato a prefeito. O PPS apostou em Marcelo Del Bosco. Ambos os partidos eram governo até ontem, ou melhor, fingem não continuar hoje.

É difícil acreditar que as duas candidaturas vão durar até agosto, quando a campanha começa de verdade. Del Bosco talvez permaneça na luta, mas com a consciência de que fará, no máximo, o papel de "bom" coadjuvante. O DEM, historicamente, chora, esperneia, ganha um mimo e volta para os braços do pai. Não há qualquer sinal de que este filho saia de casa nesta eleição.

É neste cenário que a indicação para vice-prefeito se encaixa. Enquanto partidos menores se apressam para embarcar na coligação, de olho nos cargos mantidos ou a conquistar, quatro partidos sorriem para pedir, com educação, o cargo de vice-prefeito de Santos.

Um deles é o PSD, de Gilberto Kassab. O ministro já passou por aqui, o partido inchou ao reunir lideranças da cidade, e a propaganda na TV mais insinuou do que deixou claro suas intenções.

O PR abandonou a sutileza e disse com todas as letras, na voz do presidente da Prodesan, Odair Gonzalez, escudeiro de outros tempos na Câmara, agora convidado oferecido para ser vice-prefeito.

O PSB é o convidado dos almoços de domingo. Parece fazer parte da família como parente próximo e de outros carnavais. O PSB tem Márcio França como vice-governador de Geraldo Alckmin. Fabião Nunes, do mesmo partido, é há mais de dois anos o secretário de Cultura. É um nome na mesa há tempos, inclusive por conta do bom desempenho na eleição anterior. 22 mil votos não são para qualquer um.

O PMDB é o azarão, mais para cavalo paraguaio. O então presidente da Câmara, Marcus de Rosis, era o único que costurava com esse objetivo. O falecimento dele enfraqueceu o partido na cidade, já machucado demais com a saída do ex-prefeito Papa para o PSDB.

Sobra, claro, o próprio partido tucano, que hoje detém o cargo de vice. Mas, pela conjuntura política, ser vice-prefeito é importante demais para que as coisas fiquem dentro de casa. Por outro lado, o PSDB ficou adulto em Santos, efeito para quem chega ao poder. Será difícil reeleger os 10 atuais vereadores. Será difícil largar uma moeda de troca, com tantas propostas de alianças.

Quando não se acompanha pouco a política, espera-se pouco do vice. Normalmente, ele é visto como uma peça decorativa, o sujeito que assina a papelada já encaminhada quando o titular do Poder Executivo viaja.

Do jeito que a política brasileira é encarada como assunto para iniciados ou como bravata para a polarização rasteira, a história insiste em nos ensinar que o vice representa, de fato, um cargo tão relevante. Nos últimos 31 anos, três vice-presidentes se tornaram chefe do Poder Executivo no Brasil.

José Sarney, o imortal da Academia de Letras e do Poder, substituiu Tancredo Neves, morto antes de empossado. Já Itamar Franco e Michel Temer receberam seus novos cargos pela disputa política que resultou em impeachment (ou afastamento) dos titulares.

Em Santos, o vice-prefeito era visto, publicamente, como um enfeite na sala, um presente de consolação para um dos partidos que coligaram. Isso mudou a partir da segunda gestão Beto Mansur. Não sei pela visão do então prefeito - conhecido pelo senso de oportunidade - ou pela visão do então vice João Paulo Tavares Papa, aluno certinho da velha escola do PMDB.

Agora, muito mais gente compreende que o vice não é primeira-dama. O vice come pelas beiradas, transita pelas sombras, negocia com o Poder Legislativo, sempre o balcão de negócios, é o chefe de gabinete informal, que transpira poder sem mostrar a camisa suada.

O vice não é aquele que se senta na cadeira durante viagens a trabalho ou férias do trabalho. O vice-prefeito de Santos será, desde o primeiro dia do segundo mandato, o sujeito que tentará acertar uma sucessão tranquila e programada de Paulo Alexandre, que não poderá se reeleger e precisa colocar em prática os sonhos mais ambiciosos, sem o stress de ver a própria sala bagunçada pelas crianças que adotou.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

O Clube das Mulheres. Por quê?


Protesto "Por Todas Elas" aconteceu em diversas cidades brasileiras.
Nesta imagem, manifestação em Natal/RN

Marcus Vinicius Batista

Elas eram 200. Poderiam ser mais. Deveriam se multiplicar e atrair os homens para a mesma gritaria. Tem que crescer como movimento, em progressão geométrica, e envolver qualquer pessoa com bom senso.

Elas estavam na Praça da Independência, em Santos, no meio da semana. A praça é o centro das comemorações de campeonatos, o ponto de encontro dos que querem o fim da corrupção e dos que escondem seus preconceitos na política. A praça costuma reunir quem tem algo a dizer.

Elas estavam lá porque não querem deixar de ser quem são. Mulheres. Gente. Pessoas com liberdade para vestir o que quiserem, para serem vistas como iguais, como mulheres, e não pedaços de carne cobertos de tecidos, prontas para o matadouro de um pinto qualquer.

As mulheres - e por que os homens não apareceram? - gritaram, levantaram faixas, caminharam, fizeram barulho em frente à delegacia, assim como milhares foram reclamar da Cultura do Estupro, na avenida Paulista, em São Paulo. O protesto também aconteceu no interior do Estado e nas regiões Sul e Nordeste. A Cultura do Estupro existe, viu, amigo? Não é da natureza humana, sabe se lá o que seja isso quando serve como desculpa para a bestialidade.

O ato se chamou "Por Todas Elas" e foi organizado, claro, a partir do caso ocorrido no Rio de Janeiro com uma garota de 16 anos. Mas elas sabem - e todos deveriam saber - que não é preciso ir muito longe. A Baixada Santista e o Vale do Ribeira respondem por si mesmos.

Nesta sexta, um homem foi preso em Iguape por ter estuprado uma menina de 12 anos dentro de uma igreja. Ela foi atacada antes da aula de catequese e ameaçada depois pelo agressor se abrisse a boca.

Na última terça, uma babá de 33 anos foi estuprada por um homem quando esperava por um ônibus, na Vista Linda, em Bertioga. Ele ainda roubou R$ 250 da vítima.

No final de semana passado, por exemplo, aconteceram dois casos. Uma menina de oito anos sofreu atos libidinosos - juridicamente é estupro desde 2009 - em Bertioga. O autor foi um vizinho, na faixa dos 70 anos. Em Guarujá, outra história. Uma moça de 18 anos foi perseguida e violentada por um sujeito, em um terreno baldio, na avenida Antenor Pimentel.

Nos primeiros quatro meses de 2016, foram 101 casos de estupro na Baixada Santista. A cidade campeã é Praia Grande, com 26 ocorrências. Santos registrou a metade disso, 13 casos. Só que, no mesmo período do ano anterior, foram quatro. O Vale do Ribeira contabilizou mais 57 estupros no mesmo período. É a maior média dos últimos três anos.

Em 2015, as duas regiões registraram mais de um caso por dia. Como sabemos, por pesquisa, que só 35% dos crimes acabam nas delegacias, não é preciso confiar nos números ou fazer tantas contas para entender a "naturalidade" da violência sexual.

Vivemos no país dos 50 mil casos de estupro ao ano. 20% deste total acontecem no Estado de São Paulo, supostamente o mais desenvolvido do Brasil. Vivemos no país onde o número de denúncias, 180, recebe 25 mil chamadas por dia. Mesmo que se desconte os trotes, a quantidade de ligações impressiona.

As mulheres têm que pressionar a classe política. Exigir políticas públicas de curto, médio e longo prazos. Cobrar ações do sistema de segurança política. Reclamar com o delegado responsável por quaisquer casos. E não deixar o assunto esfriar enquanto não houverem respostas adequadas.

Só me pergunto: por que muitos homens não querem falar sobre isso? Ignorância, conivência ou omissão?