sexta-feira, 19 de junho de 2015

Terra das tartarugas




Santos se comporta, por vezes, como o retrato do sonho brasileiro. É a terra onde se planta e tudo dá. A cidade do futuro. E outros clichês de um lugar onde suas lideranças políticas insistem em vislumbrar o amanhã, sem pavimentar o presente e aprender com o passado.

Inflacionamos o mercado imobiliário e multiplicamos as placas de vende-se e aluga-se, quando a bolha estourou. Prometemos ser o endereço da sustentabilidade e precisamos de mobilização popular para salvar uma árvore cujo assassinato beneficiaria uma empresa. Juramos ser o CEP do turismo de negócios e seguimos dependentes de veranistas três meses por ano e feriados prolongados.

A megalomania costuma apontar quem somos (ou como pensa a classe política que nos governa). No entanto, são as pequenas ações, as sutis alterações na paisagem e na rotina da cidade que simbolizam – de fato – o que desejamos ou até onde caminha nossa cegueira. E mais: escancara a ausência de compreensão do que significa a palavra Planejamento.

Um dos exemplos de que o microscópio amplia as entrelinhas da doença foi a instalação de um semáforo na esquina da rua Ministro João Mendes com a avenida Siqueira Campos (canal 4). É o quarto semáforo num trecho de quatro quadras. Um semáforo que trava ainda mais o trânsito numa via que deveria ser um corredor.

A faixa de pedestres é a cereja no bolo. A faixa permaneceu onde estava, antes do equipamento ser instalado. Em outras palavras, atravessar nela significa encarar sempre sinal verde para os veículos. Sempre! Das duas, uma: ou quem autorizou a instalação do semáforo está cego ou é mais um exemplo de que se entrega um serviço pela metade, calam-se os críticos, e os ajustes são feitos na base do quando dá?

Ampliando um pouco o problema, andemos pelas ruas do bairro onde fica o semáforo. O Embaré, principalmente nas ruas internas, virou uma salada de política de trânsito. A rua São José é mão para a praia a partir da Frei Francisco Sampaio. A partir da avenida Pedro Lessa, a rua tem duas mãos. Muitas ruas do bairro têm rotatórias, política defendida por gestores passados e que reduziram acidentes na região. Outras receberam semáforos, olhar de quem governa em dias atuais.

Se encostarmos o microscópio e abrirmos o telescópio, veremos que o semáforo novo no canal 4 e a situação do Embaré refletem a cidade em vivemos. Todo mundo sabe que a malha viária é esta aí. Não há como crescer e, por conta disso, uma política pública de trânsito e transporte seria ainda mais necessária.

É claro que a mentalidade de ter carro como objeto de consumo está além das fronteiras do município. Só que vivemos de ações paliativas que apenas adiam o retorno do problema. São aspirinas para um paciente em metástase.

Proibir o estacionamento em avenidas nos horários de pico alivia, mas não corta o efeito do vírus chamado congestionamento. Sair do centro e chegar à Ponta da Praia ou à divisa com São Vicente no final da tarde pode levar uma hora. Na segunda, passam a valer restrições de estacionamento nas ruas Machado de Assis e Lobo Vianna, no Boqueirão. Por que este cronograma não é público para que as pessoas saibam o que ocorrerá mês a mês, por exemplo?

O coração do problema é, todos sabem, o transporte coletivo. Ônibus grandes demais para vias apertadas. Pontos mais distantes que travam os coletivos para beneficiar os carros. Sistema de linhas circulares que ninguém mexe há 30 anos. Um preço de passagem que não condiz com o serviço prestado e o quilômetro rodado.

Diante de todos estes problemas, ainda somos carnavalescos em crer que o VLT será uma saída metropolitana. De nove cidades, virou um projeto para dois municípios e olhe lá! Um projeto refém de interesses empresariais com quem os políticos ficam arrepiados só de ouvir o nome.

Por enquanto, os ciclistas conseguem se salvar. As faixas exclusivas aumentaram, embora as ciclovias mais antigas sofram com buracos e saliências do piso.

Debater transporte e trânsito é perceber, entre outros aspectos: 1) não é possível enxergar uma política de quatro anos, quanto mais de uma década, prazo mínimo em países mais adiantados; 2) que os problemas do setor devem se agravar em prazo curto, como acontece em dezenas de cidades com densidade populacional alta e baixo planejamento; 3) que falar em metropolização é acreditar em Papai Noel.

Santos, realmente, é um símbolo do que assistimos fora daqui e para quem, com cinismo, apontamos o dedo do moralismo rasteiro.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Os donos do amor



O filme publicitário de O Boticário sobre o Dia dos Namorados é um exemplo de criatividade. Não se trata do conteúdo, da narrativa em si, que mostra diversas pessoas se preparando para encontrar seus namorados e namoradas, pessoas de diversas opções sexuais, de idades diferentes.

O filme de O Boticário entrou para a História da Publicidade brasileira pelo circo, e não pelo número de um dos artistas. O filme em si, aliás, é convencional, sutil, discreto até. Nem beijo há! O Boticário somente escapou do clichê tradicional de casais heterossexuais, que representam a família feliz, aquela que depois vai gerar um casal de filhos na publicidade de margarina.

O Boticário não revirou valores, prática coerente com o papel da Publicidade. Esta linguagem sempre se baseia em um cenário idealizado, de venda ilusória de felicidade e de liberdade. Os valores nascem de percepções do público, e não o contrário. Por essas e outras, a Publicidade pouco se arrisca diante de certas certezas, como o Dia dos Namorados.

A grande sacada de O Boticário foi perceber antes uma mudança gradual de comportamento em diversos setores da sociedade. Legislação, mídia, representantes políticos, movimentos sociais, apareceram diversos sinais de que a homofobia (e seus sintomas doentios) e a liberdade sexual ganharam outros olhares nos últimos anos.

A intolerância, um exercício de ignorância, misturado à virulência com pitadas de falta de inteligência, caiu no pulo do gato. As reações foram truculentas e previsíveis. As manifestações de homofobia, apoiadas no moralismo religioso, saltaram como veias alérgicas. Os preconceituosos de Bíblia nas mãos – desconfio que leram, mas não entenderam – fizeram exatamente aquilo que a empresa de cosméticos desejava.

A informação deixou de ser necessária há décadas na Publicidade, salvo certos segmentos como o varejo. Na Era da Imagem, a ordem é envolvimento emocional. Mais do que dados sobre a marca e o produto, a obviedade é fazer com que o consumidor traga as mercadorias para dentro de casa. Defenda-as. Integre-as às próprias lembranças. Chame-as pelo nome a ponto de considerá-las parentes. E, acima de tudo, rejeite a concorrência. Como a Coca-Cola e a campanha pela refeição em família!

O Boticário conseguiu o que queria. Não tinha como medir o tamanho da tempestade, mas poderia prevê-la. Em primeiro lugar, visibilidade para a marca. Depois, o apoio incondicional de consumidores, que elevaram a imagem da empresa ao defendê-la contra os inquisidores medievais. E, por tudo isso, os cifrões deverão se multiplicar em sua conta bancária, no mínimo, até dia 12 de junho. Comprar no Boticário, para os ingênuos, virou ato político.

Os intolerantes, agarrados à escuridão da própria visão de mundo e ao individualismo, são os melhores servos pela incapacidade de se colocar no lugar do outro. São os melhores servos porque tagarelam como matracas as palavras de um líder religioso repleto de interesses político-econômicos. São os melhores servos porque dão visibilidade a uma empresa, que lucrará como poucas vezes em sua história.

Homofóbicos, essa semana seu Deus chamado Mercado se perfumou com O Boticário. Sentiu a fragrância? Feliz Dia dos Namorados!

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Por que só te calas?

Dois anos atrás, várias Prefeituras recuaram no reajuste do preço da passagem de ônibus e, no caso de Santos, a administração local decidiu manter a tarifa, por conta do clima político e das manifestações nas ruas. No domingo, dia 24, o preço pula de R$ 2,90 para R$ 3,25. Silêncio. Ruas caladas diante de um conformismo ou a reação de que não é conosco.

Nós ficamos em coma com o reajuste, assim como nos fingimos de mortos com a energia, com a gasolina, com a comida, tudo mais caro. Somos omissos diante de motoristas sem troco. Como será agora com as moedas de 25 centavos? Aceitaremos um assalto de valor mais alto? Somos omissos também com a distância maior entre os pontos de ônibus, para proteger o trânsito dos carros que – quase sempre – carregam exércitos de um passageiro só.

Aceitamos como favor ou migalhas obrigações transformadas em mérito como Internet e ar-condicionado nos veículos. Concordamos com ônibus lotados em horários de pico e minutos para um coletivo sair de um ponto por causa do número menor de paradas.

Não desconfiamos porque a mesma empresa controla o serviço de transporte público desde o século passado. Não perguntamos por que somente a mesma empresa se interessou pela concessão de um serviço tão lucrativo, ainda que os números não sejam públicos.

O aumento da tarifa de ônibus é só mais um exemplo que se multiplica como vírus numa sociedade de analfabetismo político. Ficamos calados quando deputados federais aprovam a construção de um shopping center ao lado do Congresso Nacional, ao custo de R$ 1 bilhão. Por que não transferir o esforço parlamentar para evitar um corte maior de R$ 9 bilhões na pasta da Educação?

Nós nos calamos quando o deputado federal Beto Mansur – o mesmo do selfie no incêndio da Alemoa – justifica o gasto da obra com palavras como “centro comercial” e “algumas lojas”. É o mesmo silêncio que ocorreu quando todos os deputados federais que representam a Baixada Santista votaram pela terceirização das relações trabalhistas.

Nós nos calamos quando os professores entram em greve para amenizar o abismo social que os engole ano a ano. Do vale-coxinha (nome sugestivo, anterior ao apelido que alcança o chefe do Palácio dos Bandeirantes) à violência diária nas escolas estaduais.

Nós nos calamos até o momento em que o governador Geraldo Alckmin, um mestre do xadrez político, esvazia o movimento pelo cansaço. Dois meses depois, dois meses de negativas e olhos fechados como Alice no País das Maravilhas, as escolas seguem quase em ritmo normal, de cotidiano heroico de várias categorias de funcionários.

Nós nos calamos diante das torneiras secas, do reajuste da água digno dos tempos do Sarney, na década de 80, e do mundo do não que governa Alckmin. Ele se elegeu, mais uma vez, com a cumplicidade de quem tolera um reajuste cavalar nos pedágios por causa de um contrato assinado pela turma que continua no poder. De quem tolera faltar água e ver professores com jornadas exaustivas e afastamentos por depressão, síndrome do pânico e outras patologias da modernidade semi-escravocrata.

Como dizem os argentinos quando falam de si, vivemos uma política adolescente. Reclamamos do PT com razão, por ser incapaz de cortar fundo a própria carne, mas transformamos a política numa novela mexicana, frágil na montagem de heróis e vilões.

Por que nos calamos? Talvez por nos faltar maturidade política para entender que os engravatados só se mexem quando a causa é clara, quando a faca encosta nos pescoços deles. Fora Dilma ou Volta Ditadura soam como pedido espiritual tamanha a abstração e distância da realidade. Blefes cívicos não resolvem uma questão prática, como abrir uma torneira ou pagar mais para subir num ônibus lotado, todos os dias.

Por que nos calamos e somos seletivos para ir às ruas? Gritar na Internet ajuda, mas não faz cócegas em que insiste em nos lesar. Bater panelas nas varandas não muda nada, apenas aumenta os decibéis de quem precisa descansar um pouco. Bater panela na janela faz, na prática política, o mesmo barulho que um monastério budista.

Por que não mudamos de janela? Talvez os ouvidos políticos fiquem mais sensíveis se as panelas estiverem embaixo das varandas com mandato? Por que não abrimos a boca e vamos para a rua, uma causa por vez?

sábado, 2 de maio de 2015

Os bandidos


Os professores são bichos estranhos. Enquanto todos falam de seus trabalhos como atividade remunerada, professores são voluntários porque dão aulas. E não somente dão aulas com ajuda de custo, como o fazem com exclusividade, traduzida na pergunta: você só dá aula?

Agora, os professores resolveram se comportar mal. Quando a ordem é enterrar a cidadania e os direitos adquiridos, os professores do Paraná foram petulantes ao protestar nas ruas. Manifestações só valem para questões tão dispersas quanto espirituais. Intervenção militar, por exemplo.

Os professores são sujeitos violentos. Quando não se armam com giz ou caneta de lousa branca – apagador é proibido -, os educadores perdem os bons modos e atacam policiais com os próprios corpos. Batem a cabeça em cassetetes, furam o braço nos escudos dos policiais.

Professores são masoquistas. Aceitam com prazer salários ruins, vale-coxinhas e jornadas em várias instituições. O altruísmo sem limites inclui dar a outra face para o murro policial. E tem que ser em praça pública, pois docentes são narcisistas que precisam apanhar e aparecer para as câmeras de TV.

Esses marginais contam com apoio de outros criminosos impregnados de má fé. Um deles era cinegrafista. Ele não só registrava o que acontecia para prejudicar os policiais como também provocou o pitbull que dilacerou sua perna esquerda. Um kamikaze, provavelmente, que pretendia tirar licença do trabalho e curtir férias no hospital. Por que não adquirir uma cirurgia reparadora no pacote de folgas?

Os bandidos de diploma de licenciatura representam má influência, claro. Os deputados estaduais do Paraná, assim como parlamentares de todo o Brasil, tem o direito de defender suas propriedades. Assembleia Legislativa não é casa do povo, da ralé. É a extensão residencial dos engravatados com mandato. E com guarda pretoriana particular, enfeitada de capacete, escudo, armas, bombas e dinheiro público.

A má influência contaminou 17 PMs desertores. Eles se recusaram a atacar os professores. Cadeia neles! Como puderam perder tamanha oportunidade de surrar insurgentes desarmados, baderneiros? A polícia não é para proteger patrimônio?

Esses policiais tomaram doses de humanidade. Envenenados pelo povo que deveria estar em sala de aula, de bico calado e cabeça baixa. Parar de trabalhar? O Paraná deveria aprender com São Paulo, onde o governador – do mesmo partido – jura que greves (ah, e falta d´água) não existem.

Três grandes jornais diários não surpreenderam. Nas manchetes, a palavra confronto. Jornalistas sabem – porque é matéria-prima – o peso e a intenção de uma palavra. Confronto quando um lado ataca e o outro corre pela impossibilidade de se defender?

Triste é o país onde seus professores são tratados como bandidos. Triste é uma sociedade que, em suas entranhas, defende intervenção militar e é incapaz de se mover por quem os ensinou durante muitos anos. Vai ver que a ironia está aí: os professores não ensinaram direito porque estavam preocupados em protestar!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Um prêmio à criatividade




Cada vez que encontro um vereador em Santos – sim, eles andam na rua de vez em quando -, vejo com pesar seu rosto exausto, envelhecido. Ser um vereador significa horas de trabalho em comissões, de debates em reuniões, de conversas em articulações políticas, de brigas em plenário e, claro, dias de planejamento para entrega de medalhas e outras honrarias.

A melhor forma que encontrei de reconhecê-los é divulgar a criatividade de alguns deles. O ápice de um vereador é quando ele apresenta um projeto de lei. Que honra modificar os caminhos de um município com ideias que zelam pelo bem estar dos cidadãos, como também proteger a moral e os bons costumes! Uma luz de criatividade nas trevas da política!

O prêmio de funcionário do mês deveria ser entregue – falta ainda a decisão de uma comissão de notáveis – para o Professor Igor, do PSB. Ele apresentou um projeto que, tenho certeza, vai modificar a maneira como o santista vê filmes. Uma proposta que fará os colegas se morderem de inveja (como não pensei nisso antes?) e que, se aprovada, se espalhará pelo Brasil.

O vereador propôs disciplinar o comportamento das pessoas dentro das salas de cinema. A lei, na fase de comissões, determina o fim do barulho nas salas, proíbe a entrada de consumidores com celulares ligados e com “alimentos incompatíveis”. Não sabe o que são “alimentos incompatíveis”? Ora, aqueles que são semelhantes aos vendidos nas salas de exibição. Bom comportamento inclui qualidade de vida, que significa alimentação nutritiva.

O projeto é tão zeloso dentro dos princípios da criatividade que determina que os pés do espectador têm que ficar perto da poltrona. Imagina conviver com a indecência de pernas para o ar! E, como professor, o vereador não deixou de lado a educação. Se aprovado, será lei não filmar ou fotografar, como também levar as embalagens para as lixeiras antes de deixar a sala de cinema.

Os infratores serão convidados a deixar o recinto. Por quem? Calma, não dá para pensar em tudo. Ressurreição dos lanterninhas? Olha aí a geração de mais empregos.

A ideia é tão prestativa que se casa com outras propostas de colegas da casa. Poderíamos classificar até como um gesto de altruísmo parlamentar, pois valoriza a própria proposta e ainda ressuscita o que foi enterrado pelas justificativas arbitrárias de inutilidade ou ilegalidade.

Disciplinar os arruaceiros que insistem em ver filmes no cinema complementa, em parte, o projeto de lei do vereador José Lascane (PSDB), aquele que proíbe os selfies nos banheiros. Daria para fazer um combo legislativo, já que devem ser comuns selfies em banheiros de salas de cinema. Uma pena que este projeto foi reprovado na Comissão de Justiça, Redação e Legislação Participativa, da Câmara Municipal.

Há outros exemplos de criatividade entre os parlamentares de Santos. No final de 2013, a Câmara aprovou a proibição do uso de celulares em sala de aula, na rede municipal. Quem fiscaliza? O professor, sujeito que não tem muito o que fazer durante os dias letivos, a não ser dar aula.

Outro caso foi o projeto de lei, apresentado na década passada, que mudava o tratamento entre os vereadores de “Vossa Excelência” para “Senhor”. Depois de muito discutir na ocasião, os parlamentares reprovaram a ideia. Como vulgarizar a maneira de chamar a um colega? Vereadores tinham que dar o exemplo.

Por essas e outras, sempre olho com pesar – e admiração – quando vejo um vereador com olhares exaustos pelas ruas da cidade.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sete pontos (e muitas perguntas) sobre o incêndio na Alemoa


Foto: Solange Freitas - G1-Santos
O incêndio nos tanques da Ultracargo, na Alemoa, em Santos, nos possibilita – infelizmente – testemunhar certos aspectos da cidade que é vendida como exemplo de qualidade de vida. E, por conta disso, nascem diversas dúvidas, dificilmente respondidas pelos homens de terno que se reúnem, se reúnem, se reúnem, dão entrevistas, dão entrevistas e silenciam quem estava na linha de frente, pessoas preocupadas não só em apagar o fogo, mas também informar sobre os riscos e os impactos do segundo incêndio do gênero no mundo. 

Eis algumas breves constatações e dúvidas:

1) Logística - O incêndio na Alemoa expõe, novamente, a precariedade da infraestrutura logística de Santos. O porto opera sempre no limite e isso fica claro quando acontece um incidente mais grave. Não aprendemos com 2013, quando houve congestionamento de caminhões. Pouco se fez. Prosseguimos dependentes das vias rodoviárias. Investe-se aquém do necessário em sistema ferroviário e, quando se fala no assunto, é a distorção do tema.

2) Caminhões – os caminhoneiros, como bucha de canhão, sofrem com a desatenção e desorganização das autoridades. Medidas paliativas foram tomadas pela Codesp, a partir de conversas com a Prefeitura de Santos. Por que não se criou um protocolo para situações como essa? Por que não se elaborou um documento que permitiria, passo a passo, executar ações para minimizar o prejuízo econômico e, acima de tudo, humano? Por que se esperou acontecer o problema, sabendo-se dos riscos e das experiências anteriores? Isso sem falar nos caminhoneiros, há dias tomando banho em restaurantes, comendo de maneira improvisada, entre outras dificuldades cotidianas.

3) Política - Os políticos agiram como se esperava deles: a) necessidade de aparecer e lentidão para agir, além das disputas internas de comando; b) criação de comitês e outros penduricalhos burocráticos para resolver um problema com atraso. Aliás, por que comitês de segurança e prevenção não existiam? c) a adoção de estratégias midiáticas, como a contratação de especialistas americanos, para dar a sensação – depois de uma semana – que se têm consciência do que deve ser feito. Uma semana? 

O ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi
(centro da foto - Imagem: Mariane Rossi/G1)
4) Social - Os prejuízos econômicos e ambientais são falados de vento em popa. Precisam ser discutidos, mas e o prejuízo social? Trabalhadores e moradores da região, o que será feito em relação a essas pessoas? Não é o momento para se aprender e se pensar – num futuro próximo - em simulação de acidentes, treinamento dos moradores dos bairros próximos para evacuação? Além disso, planejamento urbano nas imediações de locais com alto risco de acidentes é relevante, não? Um adendo: como ficará a saúde dos cerca de 100 bombeiros, expostos há dias a produtos químicos no combate ao incêndio?

5) Satisfação - Quando os dirigentes da Ultracargo vão mostrar seus rostos e cumprir sua obrigação de explicar - PUBLICAMENTE - o que aconteceu e como a empresa lidará com suas responsabilidades?

6) Informação - Prevalece a guerra de informação. Bombeiros silenciados por engravatados. Boatos e informações desencontradas, plantadas muitas vezes por quem deveria esclarecê-las. Menos preocupação com marketing político-eleitoral, por favor. Qual é a diferença entre Comitê de Crise e Gabinete de Integração, se ambos significam palavrório como “tudo sob controle”?

7) Meio Ambiente - Houve vítimas fatais sim. Sete toneladas de peixes. Como ficam os pescadores artesanais? Alguém se lembrará deles e a limitação de sua subsistência? Haverá impacto sobre o consumo de pescado em alguma área da Baixada Santista? Quais são as recomendações para o consumidor, embora boa parte dos peixes consumidos venha de outras regiões do país? Mas o consumidor sabe disso?

Para onde foram os peixes recolhidos pela empresa contratada pela Ultracargo? Cetesb e Ibama vão continuar com o discurso de "tudo sob controle", em coro com muitos políticos? Por que as duas instituições não tomaram atitudes mais rigorosas diante do impacto ambiental?

Mais perguntas do que respostas. A prova viva da desinformação disseminada e da preocupação em se proteger politicamente do que, na prática, esclarecer a dimensão do problema. Falta, acima de tudo, transparência.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O selfie-desgraça


(Foto: Reprodução)


Vaidade e poder andam de mãos dadas. E só largam as mãos para apertar outras, de políticos, bajuladores e demais espécies que os cercam e se deleitam na soberba. Mãos que por vezes deixam de cumprimentar para registrar, fotografar, gravar o desejo de estar presente nos acontecimentos, não exatamente para resolvê-los ou testemunhá-los, mas para dizer que se mostrou serviço. Selfies e outros badulaques a serem vistos pelos cegos de plantão. 

O selfie do deputado federal Beto Mansur e do prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, não mereceria tanto destaque se não representasse a cereja de um bolo que nasceu tostado. Foi mais uma faísca de vaidade que me fez lembrar do ator Al Pacino, que disse com sabedoria ao interpretar o Diabo: “A vaidade é, definitivamente, meu pecado preferido.”

A imagem deles simboliza a cadeia de comportamentos da classe política diante de um problema que poderia ter sido amenizado ou evitado. Um problema tão antigo quanto à reportagem do jornalista André Argolo, publicada no extinto Diário Popular, em 1996. A matéria apontava os riscos de incêndio nos tanques da Alemoa, a inexistência de exercícios de simulação de acidentes com os moradores das imediações e a consequente ignorância sobre como agir em caso de incidentes.

O selfie seria irrelevante, um deslize narcísico na selva virtual, se não viesse acompanhado de um pacote de medidas pouco esclarecedoras e de uma trupe disposta a alimentar a fogueira de vaidades. A Prefeitura de Santos se mexeu com rapidez ao pedir ajuda. Já o Governo do Estado levou três dias para sair da inércia. O Governo Federal só se moveu cinco dias depois. Prejuízos ambientais, econômicos e de saúde pública compuseram o picadeiro de estripulias políticas. 


Toneladas de peixes mortos no Rio Casqueiro
(Foto: Rafaella Martinez)


Daí, nasceram as repetitivas e inodoras coletivas de imprensa. Daí, brotou o Comitê de Crise, depois chamado de Gabinete de Integração. Crise, que palavra temível. Neste caso, a ordem dos fatores não alterou o produto; apenas multiplicou as labaredas que chamuscaram a imagem política. Imagem de uma cidade, aliás, vendida no mês passado pela administração municipal como liderança em qualidade de vida no Brasil. Tossimos de alegria. Nossos olhos lacrimejaram de contentamento e de luto às sete toneladas de peixes mortos. Jornalistas e ambientalistas falam em 20 toneladas. 

Beto Mansur dá a impressão de que a experiência como proprietário de emissoras de TV e rádio não o ensinou a lidar com as novas tecnologias. Em 2012, o então candidato a prefeito virou hit nas redes sociais por conta do slogan “É obra do Beto”. Foi a piada pronta. Mansur apareceu em frente à Torre Eiffel, entre outros endereços. Desta vez, uma das montagens inseriu Beto Mansur e Paulo Alexandre em frente às torres gêmeas, no instante do ataque aéreo, em 2001. 


(Foto: Reprodução)
O prefeito atual também precisa reduzir as dosagens diárias de vaidade. Há exemplos de mal-estar. Em fevereiro de 2013, Paulo Alexandre andou de ônibus a partir da Zona Noroeste, passeio registrado por câmeras de todas as ordens, para constatar o óbvio: o serviço de transporte público apresenta pilhas de problemas.

No incêndio que nunca termina, o coquetel de arroz de festa se completou com outra ação infeliz, a do vereador Kenny Mendes. O parlamentar registrou em vídeo, editado profissionalmente e, portanto, premeditado, os momentos em que comprou dezenas de garrafas de isotônicos e água e levou os produtos para os bombeiros que trabalhavam no incêndio.

Seria possível, com boa vontade, acreditar nas intenções do vereador em colaborar com a corporação. No entanto, quaisquer crenças foram incineradas com o episódio-reality-show, que se tornou um tiro no pé, tamanha a quantidade de críticas ao político nas redes sociais. Demagogo foi a ofensa mais delicada.

Kenny não foi o primeiro nem é o único vereador em Santos a registrar os próprios passos no cotidiano parlamentar. Alguns dos colegas dele parecem até xerifes quando andam pela cidade de dedo em riste e câmera na mão. Só falta a cartucheira.

Hoje, a religião-vaidade determina como exercício de fé documentar cada passo, sorrir a cada flash que pisca, abraçar quem se aproxima com um celular engatilhado para fotografar. Não é um mal exclusivo, claro, é sinal de “modernidade” tecnológica dos políticos.

Talvez a saída seja fazer como eles fazem. Na dúvida, criam-se leis, sejam para pegar ou não. Diante dos acontecimentos recentes, basta aproveitar o projeto de lei do colega José Lascane, aquele que proíbe selfie em banheiros, e estender para incêndios. Mas quem fiscalizaria quem?

Em tempo: o título deste texto é sugestão do jornalista e amigo Fulvio Feola, um dos mais críticos e atentos profissionais da Baixada Santista.