segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Pelé e a bruxa


Pelé se tornou o rei do futebol por sempre surpreender, uma das características inerentes aos gênios. Mas os gênios também possuem uma particularidade: a ingenuidade diante de certas coisas do mundo.

Pelé, cada vez que se manifesta sobre racismo no futebol, deixa de ser exemplo e reforça – espero que sem saber – o discurso dominante da discriminação. Pelé colabora com a ideia de que o racismo representa um problema social menor, que deve ser tratado na esfera privada. Assim o fez no caso do goleiro Aranha. 

Tinga e Arouca também foram vítimas de racismo

De que maneira tratar um assunto, presente na raiz da formação da sociedade brasileira, como um tema entre quatro paredes? Foi desta forma que, durante décadas, prevaleceu a retórica de que não havia racismo no país. Racismo era um problema norte-americano, pois aqui vivíamos sob a miscigenação democrática. Era o caminho mais eficiente da dominação, que se cristaliza pela invisibilidade. Ninguém fala, muitos negam, todos amenizam, a chaga permanece viva.

As palavras do rei do futebol são contraditórias. Ele defende punições, mas afirma que tocar no assunto é aguçar ainda mais a violência. É o argumento distorcido da invisibilidade. Quando, então, vamos colocar o dedo na ferida? Quando vamos, de fato, aplicar a legislação e punir os responsáveis?

Pelé, enquanto jogador, sofreu inúmeras agressões. E calou-se. É claro que o contexto histórico era outro, da quase ausência de reação, da impunidade absoluta para os selvagens. É famoso o episódio em que o então jogador do Santos, ainda menino e desconhecido, foi barrado em um clube da cidade, onde os negros só entravam pela porta dos fundos.

Em 1963, o Santos enfrentou o Boca Juniors, em Buenos Aires. Pelé foi chamado várias vezes de “negro sujo” e “macaco” pelos torcedores argentinos. Xingamentos já haviam ocorrido na Suécia, durante a Copa de 1958, vencida pelo Brasil.

As agressões ao goleiro Aranha indicam como estamos despreparados para lidar com o racismo. O futebol é termômetro da sociedade brasileira, sob quaisquer ângulos de análise. Existem pilhas de estudos, inclusive na área de História, que apontam o futebol como rio onde deságuam todos os tipos de violência presentes no país.

A discriminação contra o goleiro do Santos, até o momento, parece ser mais uma chance perdida de realmente alterar o estado de coisas. A punição ao Grêmio, pelo histórico da Justiça Desportiva, será amenizada. O rigor é seguido do barulho, que dá lugar aos panos quentes quando o tempo esfria. 

Daniel Alves ironiza torcida do Villareal

Ao mesmo tempo, a superficialidade se manifesta na caça às bruxas. Ou melhor, uma bruxa, vestida de bode expiatório. A torcedora gremista foi caçada no melhor estilo inquisitório medieval. Ela deve ser punida pelo crime que cometeu? Sim.

No entanto, o que vemos é a confusão entre justiça e linchamento. Não é a primeira vez este ano, apenas para ficar no passado recente. Ou nos esquecemos de mortes e pessoas amarradas em postes? O percurso é muito semelhante: o tribunal virtual é rápido em condenar, veloz em se esconder das consequências. A torcedora gremista ainda estava na arquibancada quando abriu a temporada de caça.

A garota foi ameaçada de morte e de estupro. Depois, transformou-se em celebridade-vilã da semana e, por conveniência, ninguém procurou saber quem eram os demais torcedores. Será que o goleiro Aranha possui superaudição capaz de detectar um único xingamento numa arquibancada lotada?

Agora, a casa da moça foi incendiada. Esta novela é repeteco da TV, que só termina com a morte da vilã? Historicamente, todas as sociedades adeptas do olho por olho, dente por dente, terminaram em barbárie. E nenhuma delas colocou em pratos limpos suas sujeiras sociais, como o racismo.

Entre palavras equivocadas do rei e reações animalescas de seus súditos, infelizmente, só sobraram botinadas e gols contra.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O preço de uma campanha


A vida mudou para Marina Silva. E não me refiro à mudança de candidatura por causa da morte de Eduardo Campos. A trajetória de Marina se alterou por conta das ações políticas que podem conduzi-la à vitória no segundo turno. 

Marina Silva, em capa de 2010. O que mudou?

Em 2010, ela era a candidata de protesto. Hoje, ela é uma candidata de fato. E isso vira do avesso o papel da ex-senadora do Acre e o peso de suas palavras e atos. A chance de acabar com a polaridade PSDB-PT expõe suas posições mais polêmicas e – acima de tudo – suas alianças e seus grupos de apoio. Marina Silva virou o alvo preferencial de quem ainda não entendeu o que se passou no último mês, mas compreende que ela personifica o peão que sacudiu todo o tabuleiro.

A proximidade da eleição e o crescimento de Marina nas pesquisas fazem com os dois maiores partidos brasileiros se agarrem em todos os fios desencapados de seus comitês de campanha. A ordem é atirar contra a candidata do PSB. Qualquer opinião dela será dissecada e transformada em espetáculo, mesmo que seja parecida com a dos candidatos adversários.

A desinformação é a arma para tentar conter um segundo turno, sem Aécio Neves. Boatos e fofocas valem mais do que fatos. Se os fatos por acaso forem mais sólidos, por que não requentá-los em microondas?

O debate vazio sobre o aborto foi ressuscitado. Todos se esquivam, ninguém fala sobre políticas públicas. A mudança de posição sobre o casamento gay no programa de governo de Marina pariu bandeiras de protesto, como se fosse uma novidade diante de uma candidata com raízes religiosas fortes e como se programa não fosse peça de ficção científica.

Marina Silva canalizou também a intenção de voto útil. Nas conversas do cotidiano, muitas pessoas passaram a prestar atenção nela pelo espírito anti-PT e pelo cansaço do modelo tucano, multiplicador de projetos e marketing.

Neste sentido, o discurso ambiental – que seduziu na corrida eleitoral de 2010 – virou fundo de prateleira. Não seria coerente agora um olhar sustentável de mundo, ao lado de um vice que carrega a influência do agronegócio.

É triste testemunhar que a campanha eleitoral caiu novamente na vala superficial dos ataques pessoais e dos temas desconectados de políticas públicas. Em outros momentos, os candidatos tratam educação, saúde e economia de maneira tão genérica que parecem discursar sobre entidades espirituais.

Os ataques contra Marina Silva também envolvem o cardápio de alianças da candidatura dela. O PSB, um partido até ontem no Governo Federal, tenta se exibir como baluarte de nova política, quando caminha com sapatos tão gastos que dá ver as meias pelos furos das solas.

Quem seria tão ingênuo em crer que se tornou possível, dentro do sistema político brasileiro, governar com chapa pura, sem esqueletos de alianças embaixo da cama? Ou alguém acredita que os amigos de hoje de PT e PSDB, se sentirem o cheiro de derrota, não mudarão de endereço como se nada tivesse acontecido?

Votar em Marina Silva é arriscar os dados não somente pela ausência de experiência administrativa dela, mas principalmente pelo novo cenário de alianças que se desenha. É apostar em loteria. Mas, fazendo o advogado do diabo, qual candidato não seria?

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Fulano, o candidato




Caro eleitor, cara eleitora,

Começou o Horário Eleitoral Obrigatório no rádio e na televisão. É o momento de me apresentar a você. Meu nome é Fulano de Tal e sou candidato a deputado nestas eleições. Sou filho, pai, irmão, cidadão e trabalhador. Sei o que você precisa e deseja para os próximos quatro anos.

Quero ser seu representante em Brasília. Quero ser seu porta-voz no Congresso Nacional. Serei o grito contra a exclusão, a desigualdade e a injustiça que dominam este país. Não vou me dobrar aos poderes do dinheiro e das velhas políticas dos antigos coronéis.

Nunca fui candidato, mas tenho experiência em trabalho social, porque sempre me preocupei com o bem-estar das outras pessoas. Desde criança, aprendi com meus pais o valor de praticar o bem em nome da sociedade. Passávamos fome, mas sempre soubemos o valor de dividir um prato de comida com o próximo. Ajudei idosos, crianças, altos, baixos, gordos, magros, doentes, santistas, corintianos, palmeirenses, são-paulinos e outras pessoas necessitadas.

Com muito suor dos meus pais, pude estudar e, com a força dos meus braços, sempre soube dar valor ao trabalho. Trabalho desde cedo, sempre preocupado com a cidadania, sempre alerta para os obstáculos da sociedade.

Sou o novo, aquele que ajudará você a testemunhar a renovação que precisa acontecer neste país. Também estou cansado das velhas políticas, do velho toma-lá-dá-cá. Assim como você, eleitor e eleitora, quero novidades, novas propostas para mudar São Paulo, para mudar a nossa cidade, a nossa região.

Prometo muito trabalho e honestidade para que o Estado de São Paulo possa respirar a mudança, o progresso e o desenvolvimento. Nasci na Baixada Santista e tenho muito orgulho da minha terra. Por isso, resolvi lutar pela minha população, para que a região esteja preparada para um novo cenário, que inclui o pré-sal, o turismo de negócios e o crescimento imobiliário.

Em Brasília, vou lutar por segurança, educação, saúde e habitação. Parece muito? É pouco pela força que carrego comigo, pela vontade de trabalhar pelas pessoas. Mais do que isso: vou trabalhar para melhorar a qualidade do nosso transporte coletivo. Vou brigar pela mobilidade urbana, por novos empregos para a região da Baixada Santista. Farei, junto com meus colegas de partido, uma nova região, voltada para a criação de projetos que garantam qualidade de vida para moradores e turistas que venham nos visitar.

Sou um homem de palavra e de família. Aliás, prometo lutar pelos direitos da família e meus semelhantes. Sou um homem de fé e, em nome de Deus e de minha religião, vou exorcizar os hereges e os pecados que dominam a política brasileira e os governantes. Chega de usar a política para fazer o mal.

Não caia na conversa daqueles que riem de vocês, eleitor e eleitora, desaparecem e só se lembram depois de quatro anos. Não deem ouvidos aos candidatos que te fazem de palhaços. Em Brasília, serei o símbolo da seriedade e da honradez na política. Não vou me render aos conchavos e aos acordos que tanto nos incomodam no Congresso.

Projetos concretos? Prazos? Dinheiro? O que faz um deputado? Isso é conversa dos adversários, daqueles que nunca pensaram na Baixada Santista e se alimentam de promessas. Daqueles que jamais pensaram na região como um polo de desenvolvimento. Garanto a você que, comigo, não faltará trabalho, 24 horas por dia, sete dias por semana, 30 dias por mês.

Para não se dar mal, vote em Fulano de Tal para deputado federal. Vou limpar o Congresso Nacional. Meu número é 9999. Conto com seu voto!

Obs.: Este texto é uma peça de ficção. Qualquer semelhança com o que você vê no Horário Eleitoral Obrigatório NÃO É mera coincidência!

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O candidato e os jornalistas


A morte de Eduardo Campos é, infelizmente, aquela história clássica que reacende o brilho nos olhos dos bons jornalistas. Imprevisível na origem e incontrolável nas consequências, o acidente – de impacto único na história brasileira – alterou drasticamente a rotina das redações. E, com o regime de exceção, nasceram as coberturas consistentes e os erros jornalísticos.

Em primeiro lugar, é irresponsável exigir respostas imediatas numa situação como um acidente aéreo, até porque elas não existem. Todos os fatos precisam de maturação. Todos os fatos apresentam múltiplas causas e variadas consequências. É infantil confundir a agilidade das redes sociais, que multiplicam as informações desencontradas, os boatos, as teorias conspiratórias, com a prática do Jornalismo, que precisa se equilibrar entre a velocidade da informação e o contexto dos acontecimentos. 

Local do acidente com o avião, em Santos (SP)
As redes sociais potencializaram o tradicional consumidor de informação como produtor e distribuidor de conteúdos eventualmente informativos, em outras vezes alarmistas. Esta relação horizontal entre jornalistas e opinião pública não pode ser vista sequer como competição, por conta dos papéis diferenciados no nascimento destas funções sociais. 

Uma cobertura como essa não fornece aos jornalistas a possibilidade do planejamento, como uma Copa do Mundo. As notícias e os ângulos de análise são, muitas vezes, construídos ao longo do processo, o que exige um olhar mais aguçado dos profissionais envolvidos, como também eleva o risco de erros e exageros.

Tais posturas sempre vão acontecer, e não somente em um caso especial. Os escorregões ocorrem no cotidiano. Por que insistir em apresentadores que especulam? Por que acompanhar certos repórteres que se comportam como abutres? Cabe também ao público duvidar deles e separar o palavrório da informação crível.

É evidente que muitas redações foram vitimizadas pelas próprias empresas jornalísticas, em quantidade e qualidade. Faltam profissionais, quanto mais especialistas em certos assuntos, como aviação e acidentes aéreos. É óbvio também que times pequenos não recebem salvo conduto para trabalhar sem limites éticos.

Mas há redações que sangram pelas boas histórias. Jornalistas que estavam de férias retornaram para cobrir o acidente aéreo e suas consequências. Jornalistas que vararam a noite ou fizeram horas extras que jamais verão em suas contas bancárias. Jornalistas que entenderam, desde os bancos das universidades, o que significa uma história importante, que afeta milhares de vidas. Vidas perdidas ou não. O resto são seguradores de gravadores ou microfones, dispostos a cavar por corpos e suas imagens horrendas.

Seria mais sensato que os jornalistas oferecessem apenas o que podem do que comprar o bilhete da esquizofrenia midiática e descumprir promessas. Depois do choque, sempre começa o processo de assentamento dos fatos. A velocidade do público – em sua maioria – não é em tempo real. Os leitores querem saber o que se passa minimamente, para depois entender o que aconteceu. É dever dos jornalistas esclarecer também o tempo dos acontecimentos. Assim, não assumem o que não podem entregar e evitam efeitos colaterais de uma cobertura jornalística histérica.

É ingênuo esperar que os jornalistas sejam capazes de atender a todas as demandas por informação. O que as pessoas de bom senso esperam dos jornalistas? Sensibilidade e solidez cultural para serem capazes de fornecer o maior número possível de variáveis de um cenário novo e pouco explorado. Conhecimento técnico deve ser buscado com quem o possui, de fato. Chutes e informações como loteria, em tempos de redes sociais, transformam a cobertura em capítulos vergonhosos de ficção rasteira.

É preciso compreender que o Jornalismo não depende de si mesmo para sobreviver. Depende da capacidade de localizar aqueles que podem auxiliar estas testemunhas a entender, com o mínimo de civilidade razoável, o que se deu no quarteirão do lado, atrás da minha casa, no bairro onde houve fumaça e uma explosão.

Coberturas como o acidente aéreo que vitimou o candidato à Presidência Eduardo Campos e outros quatro passageiros, mais os dois pilotos, estarão sempre sujeitas a equívocos. O andamento da própria cobertura é capaz de nos mostrar quem erra deliberadamente e quem deslizou por conta do excesso de conteúdo disponível ou dos ajustes das equipes de reportagem.

Neste sentido, nós, jornalistas, não podemos trocar as histórias humanas – natureza de nossa profissão – por momentos de morbidez ou de voyeurismo perverso. Eduardo Campos é, por exemplo, o ator principal deste evento trágico, mas não o único sujeito. Muitos repórteres perceberam, de cara, a necessidade de contar o que aconteceu pelos olhares das pessoas comuns, muitas delas com a rotina completamente destroçada tanto quanto suas próprias moradias.

Não há espaço para maniqueísmo ou enfoques baseados em dramalhões novelísticos. A cobertura eleitoral é também essencial, inclusive porque – indiretamente – provoca impacto no cotidiano dos mesmos indivíduos afetados pelo acidente, claro que de maneira menos perceptível. Um lado complementa o outro e enriquece a cobertura jornalística.

Vamos dar mais tempo aos bons jornalistas. Sem generalizações moralistas, deixemos que nos contem – no devido tempo e com profundidade – as histórias que precisamos saber. Mais do que a instantaneidade dos aplicativos e das redes sociais, precisamos da profundidade que reside nos sentimentos humanos. E só podemos alcançá-los com serenidade e reflexão.

Os jornalistas que fazem jus ao nome têm olhos e ouvidos atentos. São os mensageiros dos gritos das testemunhas. E entendem que precisam também demonstrar o que sentem, sem afetações. Numa cobertura como esta, marcada pela morte e pela dor, a relação entre público e jornalistas deve ser horizontal sim, mas na cooperação pela transparência dos relatos, procurando nos pormenores os pedaços que talvez ajudem a concluir um quebra-cabeça, que não nasceu pelas conspirações paranoicas, mas por razões que só o tempo de apuração, de checagem, de elaboração e publicação poderá responder, ainda que parcialmente.

Os próximos passos, sem Eduardo Campos


A hora é de luto, de condolências, de demonstração mínima de civilidade e de compaixão pelos familiares do candidato à presidência Eduardo Campos, dos pilotos e dos assessores, além da preocupação com as vítimas e seus parentes que moram nas imediações do local do acidente aéreo, em Santos. Não é o momento para piadas, divulgação de imagens bizarras e teorias conspiratórias ou de manifestações via Fla-Flu da política eleitoral. 


Ao decretar luto de três dias e informar que paralisaria sua campanha pelo mesmo período, a presidente Dilma Rousseff deu o recado. É necessário dar a devida atenção aos funerais, reforçar os sentimentos aos familiares de todos os envolvidos. É um cessar-fogo numa campanha eleitoral mais curta e que dava sinais de que começava a esquentar. Os candidatos à presidência deram entrevistas aos principais canais de TV. O horário eleitoral entrará no ar no dia 19.

Por outro lado, analistas e a própria classe política não podem abrir mão, mesmo que discretamente, das perguntas: como vai ficar a campanha eleitoral? Quem vai substituir Eduardo Campos?

Se muitos políticos bem mais velhos não deixaram herdeiros ou não se preocuparam em formá-los, como esperar um sucessor político de um candidato que estava no auge da carreira, aos 49 anos? Em Pernambuco ou no PSB, onde era a maior liderança, não há substitutos. Campos era visto como um menino prodígio, maior herdeiro – ainda com diferenças ideológicas – do avô Miguel Arraes, um mestre na política.

Eduardo Campos, provavelmente, não seria eleito, mas deixaria o próprio nome mais sólido para a campanha presidencial em 2018. Ele tinha afirmado, esta semana, que a campanha nacional era um grande aprendizado, diferente das corridas regionais que o levaram ao Governo de Pernambuco. A disputa nacional tinha menos corpo a corpo, menos caminhadas e mais discussões, reuniões, eventos de caráter regional, que pudessem aglutinar lideranças políticas.

Na coligação em torno do PSB e mesmo dentro do partido, não há nomes disponíveis para uma campanha com apenas 45 dias de duração. Nomes conhecidos, que não dependam de uma construção de imagem do zero. Corrigindo, dentro do partido (e por um acordo único), há Marina Silva. O PSB tem dez dias para decidir se terá outro candidato, comunicar os demais partidos da aliança e aguardar as aprovações regionais da decisão.

Segundo analistas políticos que acompanham de perto a campanha, Eduardo Campos e Marina Silva tinham boa relação e lidavam bem com as diferenças ideológicas e de programa de governo. O problema está entre as patentes mais baixas, com a inadequação de membros da Rede dentro do PSB. A turma da Rede é vista com mal necessário, aqueles parentes agregados em um casamento.

Marina Silva tem a seu lado as pesquisas eleitorais. Sempre que o nome dela foi colocado na disputa, Marina teve um desempenho melhor do que Campos. Mais do que isso: ela era o único nome capaz de enfrentar a presidente da República. 


Se Marina se candidatar, certamente tirará votos tanto de Dilma quanto do candidato do PSDB, Aécio Neves. Em tese, pois o que podemos esperar do próprio PSB com uma “estrangeira” como cabeça de chapa? Marina Silva acompanhava Campos na tentativa de atrair simpatia de fatias da sociedade, assim como torná-lo mais conhecido nas regiões Sul e Sudeste.

Caso se torne candidata, Marina ganhará uma intensidade de poder que o PSB não deseja conceder. Ela passará a dar as cartas da campanha, elevando consigo as frentes da Rede que seguiam adormecidas ou silenciadas. O programa de governo mudará, assim como o tom dos discursos. Os demais partidos da aliança seguirão com ela? E o tempo no horário eleitoral?

Se o PSB quiser manter o caminho de crescimento nacional, talvez tenha que engolir Marina e o lastro de 20 milhões de votos da eleição anterior. Haverá o risco de fortalecimento da instituição partidária, enquanto nomes importantes da sigla encolhem.

A morte de Eduardo Campos cria uma situação inusitada no cenário. Na década de 50, o então candidato Salgado Filho, que havia sido o principal nome da Aeronáutica, morreu num acidente aéreo. O aeroporto de Porto Alegre leva o nome dele. Obviamente, o contexto político era extremamente diferente.

Depois dos três dias de luto, a campanha recomeça, pelo menos às claras. Nesta encruzilhada, todos esperam pelo movimento do PSB e, depois, por Marina Silva, principalmente os adversários.

Onde elas estão?


Com o início da campanha eleitoral, ficaram claros quais tipos de estratégia serão usados numa corrida cada vez mais padronizada, com a diferença da conta bancária entre os favoritos e os azarões.

Neste cenário, houve a queda no número de concorrentes aos cargos de deputado federal e estadual. O primeiro fator é a falta de dinheiro na praça. Os investimentos estão mais concentrados nas campanhas dos tubarões e sobrou pouco alimento para os peixes menores, muitos deles dispostos em aparecer na vitrine para a eleição de 2016. Acabaram de fora na primeira curva.

Como segunda causa, muitas alianças partidárias optaram por enxugar o número de corredores, com foco em poucos nomes, mas com maiores chances de vencer ou abocanhar uma suplência. Isso reduziu o quadro de renovação e manteve, óbvio, ex-prefeitos e ex-parlamentares – além dos candidatos à reeleição – como favoritos no páreo.

Uma das decepções é a baixa presença feminina. São 13 mulheres entre 85 candidatos. Com pequenas variações, é o mesmo índice das duas eleições anteriores. Para variar, nenhuma coligação conseguiu alcançar a cota exigida de 30% da chapa composta por mulheres.

Mesmo entre as mulheres, a renovação não é elevada. A presença de uma mulher na presidência ou de três prefeitas nos nove municípios da Baixada Santista são exceções históricas. A única boa notícia é que, no país, o número de mulheres candidatas cresceu 45,6%, mas a estatística é limitada diante de um eleitorado que representa 52% do total. Como votantes, as mulheres são maioria.

A história da Baixada indica que as mulheres ocupam algum espaço nos partidos teoricamente mais à esquerda. Uma das três prefeitas da Baixada, Marcia Rosa (Cubatão), é do PT. Maria Antonieta, do Guarujá, foi do mesmo partido. As duas deputadas do litoral sul com mandato, a federal Maria Lúcia Prandi e a estadual Telma de Souza, militam no mesmo endereço.

Infelizmente, a política ainda representa uma prática machista e, acima de tudo, controlada por homens. Os partidos, em grande parte, enxergam as mulheres como enfeites. Em outras palavras, como representantes de políticas assistenciais ou em áreas historicamente femininas, como a educação. Na visão machista, política social não integra o conceito de progresso ou de desenvolvimento econômico.

Lembro-me de uma professora que foi convidada para entrar em um partido político. Na primeira reunião, soube que ajudaria na organização da ala feminina. O dirigente a informou que um dos objetivos era aumentar a presença das mulheres na sigla.

No segundo encontro, a professora descobriu o que significava “mais mulheres na sigla”. A presença feminina ficaria restrita à organização de chás e campanhas beneficentes. A professora agradeceu pelo convite, alegou falta de tempo e nunca mais voltou ao partido. O dirigente perdeu uma eleitora.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O mal em silêncio


A Aids padece de um sintoma tão perigoso quanto as consequências provocadas pelo vírus HIV. Se antes predominava o preconceito, hoje prevalece o silêncio em torno da doença. Médicos e agentes de saúde têm falado com frequência sobre as dificuldades em convencer as pessoas de que os cuidados preventivos nunca devem ser esquecidos e que as campanhas devem ir além das datas comemorativas.

A Unaids, agência da ONU que trata da epidemia, divulgou um relatório sobre o avanço da Aids em todo o mundo nos últimos oito anos. No Brasil, houve crescimento de 11% no número de casos. O número de mortes aumentou 7%. São 16 falecimentos para cada mil soropositivos.

No planeta, houve queda de 27,6%, inclusive na África, continente que concentra 1,5 milhão dos 2,1 milhões de infectados. Ali, reside a soma de preconceito, miséria e ausência de políticas públicas na maioria dos 54 países. Em muitos endereços, ainda persiste a ideia de que o homem não precisa usar preservativo porque quem adquire e transmite a doença é a mulher.

Do lá de cá do oceano, a situação não é reconfortante. Na América Latina, a liderança em número de casos é brasileira. Na região, são 10 novos casos por hora. Seis em cada dez infectados são homens. Um terço das contaminações acontece entre jovens de 15 a 24 anos. A pior situação é na Guatemala, onde houve aumento de 95% no número de casos.

Na Baixada Santista, a situação é de estabilidade, o que não significa boa notícia. Pelo contrário! A preocupação é que a doença se movimenta sem alarde, diante da perspectiva de que a prevenção pode ser aliviada, principalmente entre jovens e idosos.

A região registrou 4 mil casos, nos últimos oito anos. O número é subestimado porque não considera os soropositivos que não apresentaram problemas de imunidade. Santos lidera com cerca de 1450 casos. Na prática, a média é superior a um caso por dia na Baixada.

No ano passado, participei de um debate com profissionais de saúde e representantes de ONGs sobre o tema. O discurso era unânime. A doença reduziu o ritmo, mas nunca deixou de avançar na região. Os infectados por drogas injetáveis se concentram em bolsões de consumo de crack e outros entorpecentes, como a área do Valongo.

No entanto, o maior problema está entre os jovens do sexo masculino, que se dividem em dois grupos: 1) aqueles que abrem mão da camisinha por ter um número reduzido de parceiros; e 2) aqueles que possuem múltiplos parceiros e preferem jogar na loteria, em comportamento de onipotência.

Entre os idosos, ressurge o preconceito machista, que prevalecia do início da epidemia, na década de 80, até o começo dos anos 2000. Um estudo do fisioterapeuta Elton de Freitas, professor da Universidade Católica de Santos, indica que muitos idosos se tornaram soropositivos por conta de alta quantidade de parceiras e a recusa do uso de preservativo, não pela autoconfiança, mas pela crença de que a camisinha reduziria o prazer. É a ressurreição da expressão “chupar bala com papel”.

Soma-se a isso a entrada de medicamentos no mercado, como Viagra, e a expansão de centros de sociabilização, com bailes e outros eventos. Muitas mulheres, envergonhadas e temerosas de perder o parceiro, aceitam o relacionamento sexual sem camisinha e acabam contaminadas. Por trás de todos os fatores, não importa a idade do paciente, a falsa crença de que o coquetel de medicamentos garante a sobrevivência por décadas, sem sofrimento.

A Aids ainda é um problema central de saúde pública. Mais do que empilhar números, como fiz neste texto para convencer você, leitor, a Aids representa um quadro de dor e preconceito, humanizando um mal incurável que, infelizmente, se move com a conivência do silêncio.