segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O mal em silêncio


A Aids padece de um sintoma tão perigoso quanto as consequências provocadas pelo vírus HIV. Se antes predominava o preconceito, hoje prevalece o silêncio em torno da doença. Médicos e agentes de saúde têm falado com frequência sobre as dificuldades em convencer as pessoas de que os cuidados preventivos nunca devem ser esquecidos e que as campanhas devem ir além das datas comemorativas.

A Unaids, agência da ONU que trata da epidemia, divulgou um relatório sobre o avanço da Aids em todo o mundo nos últimos oito anos. No Brasil, houve crescimento de 11% no número de casos. O número de mortes aumentou 7%. São 16 falecimentos para cada mil soropositivos.

No planeta, houve queda de 27,6%, inclusive na África, continente que concentra 1,5 milhão dos 2,1 milhões de infectados. Ali, reside a soma de preconceito, miséria e ausência de políticas públicas na maioria dos 54 países. Em muitos endereços, ainda persiste a ideia de que o homem não precisa usar preservativo porque quem adquire e transmite a doença é a mulher.

Do lá de cá do oceano, a situação não é reconfortante. Na América Latina, a liderança em número de casos é brasileira. Na região, são 10 novos casos por hora. Seis em cada dez infectados são homens. Um terço das contaminações acontece entre jovens de 15 a 24 anos. A pior situação é na Guatemala, onde houve aumento de 95% no número de casos.

Na Baixada Santista, a situação é de estabilidade, o que não significa boa notícia. Pelo contrário! A preocupação é que a doença se movimenta sem alarde, diante da perspectiva de que a prevenção pode ser aliviada, principalmente entre jovens e idosos.

A região registrou 4 mil casos, nos últimos oito anos. O número é subestimado porque não considera os soropositivos que não apresentaram problemas de imunidade. Santos lidera com cerca de 1450 casos. Na prática, a média é superior a um caso por dia na Baixada.

No ano passado, participei de um debate com profissionais de saúde e representantes de ONGs sobre o tema. O discurso era unânime. A doença reduziu o ritmo, mas nunca deixou de avançar na região. Os infectados por drogas injetáveis se concentram em bolsões de consumo de crack e outros entorpecentes, como a área do Valongo.

No entanto, o maior problema está entre os jovens do sexo masculino, que se dividem em dois grupos: 1) aqueles que abrem mão da camisinha por ter um número reduzido de parceiros; e 2) aqueles que possuem múltiplos parceiros e preferem jogar na loteria, em comportamento de onipotência.

Entre os idosos, ressurge o preconceito machista, que prevalecia do início da epidemia, na década de 80, até o começo dos anos 2000. Um estudo do fisioterapeuta Elton de Freitas, professor da Universidade Católica de Santos, indica que muitos idosos se tornaram soropositivos por conta de alta quantidade de parceiras e a recusa do uso de preservativo, não pela autoconfiança, mas pela crença de que a camisinha reduziria o prazer. É a ressurreição da expressão “chupar bala com papel”.

Soma-se a isso a entrada de medicamentos no mercado, como Viagra, e a expansão de centros de sociabilização, com bailes e outros eventos. Muitas mulheres, envergonhadas e temerosas de perder o parceiro, aceitam o relacionamento sexual sem camisinha e acabam contaminadas. Por trás de todos os fatores, não importa a idade do paciente, a falsa crença de que o coquetel de medicamentos garante a sobrevivência por décadas, sem sofrimento.

A Aids ainda é um problema central de saúde pública. Mais do que empilhar números, como fiz neste texto para convencer você, leitor, a Aids representa um quadro de dor e preconceito, humanizando um mal incurável que, infelizmente, se move com a conivência do silêncio.

sábado, 26 de julho de 2014

As fotos que nos condenam

Vivemos afogados em imagens. O fenômeno não é recente, mas hoje nos indica o caminho do suicídio. Vivemos afogados em imagens produzidas por nós mesmos. A maioria delas inúteis, inclusive para quem as criou, destinadas ao esquecimento instantâneo, à indiferença pelo banal, à ausência de afetividade contínua.

Com o início da campanha eleitoral, os peões se movem na guerra da informação. E, numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Mais do que isso, a luta é para se construir uma nova “verdade”, artificial, sorridente, cheia de promessas, sem contexto. 

Lula, Haddad e Maluf, em 2012

As fotos assinam os casamentos de ocasião eleitoral. Apoios e alianças, que rendem cargos e acesso aos contratos, são chamados de governabilidade, aquela entidade espiritual que justifica as incoerências éticas e históricas.

Mas as fotos, quando bem selecionadas, não naufragam no mar de uma rede social. Imagens podem ser emblemáticas. Fotografias podem ser o documento histórico que mancha a biografia e ressuscita o pecado político sem a presença do confessionário.

As fotos entre os políticos soam como tragicômicas. Experiente na arte de esconder, Paulo Maluf sabe que uma foto é o contrato de cobrança para participar das refeições políticas no poder. Mas ele também sabe que uma imagem pode ser negada com enxurradas de palavras desconexas. O que importa é a frequência e a violência dos argumentos. 

Alexandre Padilha e Paulo Maluf, em amor de verão

Maluf repetiu com o candidato do PT ao Governo de São Paulo, Alexandre Padilha, a famosa imagem que fez com Lula e o prefeito Fernando Haddad, em 2012. Dias depois, assim como negou que nunca mais se candidataria se Celso Pitta fosse um prefeito ruim, Maluf anunciou apoio a Paulo Skaf, concorrente de Padilha ao mesmo cargo, só que pelo PMDB. 



O ex-presidente Lula, sempre simpático para os fotógrafos e cinegrafistas, já tirou fotos com todas as espécies. Sarney, Collor, Maluf, FHC, todos sorriram – em circunstâncias diferentes – para selar uma união pela “governabilidade”. Como interesses e pessoas mudam, Lula e FHC – irmãos na luta pela democracia – hoje parecem velhinhas que implicam com a barra da saia da outra. Lula diz que não lê o que FHC escreve, mas o próprio também já pediu outrora que esquecessem o que escrevera. 

Aquele abraço, em Palmeiras dos Índios, Alagoas

Na semana passada, um episódio da corrida eleitoral na Baixada Santista reforçou a adoção das velhas estratégias de uso da imagem. O candidato a deputado estadual Junior Bozzella apareceu, em cartazes, ao lado do prefeito de Santos, Paulo Alexandre, e o candidato a deputado federal João Paulo Tavares Papa. É a surrada aposta de associar o produto à marca e fisgar o eleitor-consumidor pela desinformação.

Menos de 24 horas depois, os cartazes sumiram dos muros. O prefeito de Santos, bem treinado nas técnicas do marketing político, joga suas fichas na lei do lixo e não poderia ser associado à sujeira da campanha eleitoral. Uma imagem, na política, pode valer como mil palavras, quando surfa na ignorância dos cidadãos.

Na Era da Imagem, as fotos perderam – em sua maioria – o poder de perpetuar um cenário, uma experiência, uma história. Mas, na sabedoria popular, fotografias não mentem sobre um ditado: diga-me com quem andas que te direi quem és.

sábado, 19 de julho de 2014

Na terra de Julio Verne


Com o início da campanha eleitoral, eles se multiplicam, elevam o tom de voz para aparecer na multidão, se tornam mais criativos e tagarelas. A política se transforma numa competição em que vence o campeão da megalomania. Se somarmos todas as propostas de obras mirabolantes que apareceram por aqui nos últimos dez anos, a Baixada Santista seria cenário nos livros do mestre Julio Verne. 

Julio Verne teria imaginação para tantas obras?

Na verdade, nem Verne teria a imaginação de reunir, numa mesma região, tantas fábulas que prometem a revolução econômica e social ao mesmo tempo. Do milagre da multiplicação de empregos à pós-modernidade do sistema de transporte. No discurso de ocasião, os eleitores não sabem qual gênero literário escolher. Não sabem se ficam entre a ficção científica, a fantasia mágica de Harry Potter ou a transformação de homens de gravata em super-heróis de histórias em quadrinhos.

O último capítulo delirante foi o túnel entre Santos e Guarujá. A ideia, nascida na primeira metade do século passado, deveria se manter nas páginas da História, como uma metáfora entre o mar bíblico que se abre para os peregrinos e as vinte mil léguas submarinas. Implantar o submarino Nautilus poderia amenizar as filas nas balsas?


Nautilus: solução para as filas das balsas

A saga do túnel envolveu uma dúzia de projetos diferentes, múltiplas audiências públicas, protestos de moradores que seriam desalojados, balões de ensaio com assinaturas jurídicas e até vídeos – por que não passaram nas salas de cinema, como trailers de animações em 3D? – que detalhavam todo o trabalho. Era o calvário imaginativo de mais uma obra que existe somente no papel. As ilustrações estão lá, agora começa o romance.

O capítulo da vez é a suspensão do processo licitatório. O texto não passou por erros jurídicos. Mais dinheiro no ralo para que o equívoco teoricamente seja corrigido. No meio do caminho, uma eleição. Dependendo de quem vença, o vídeo do túnel poderá enriquecer o museu de arte contemporânea, ao lado da maquete da ponte, inaugurada em 2010.

A ciranda política roda, mas a mentalidade permanece. Todos seguem a cartilha surrada de ícones como Adhemar de Barros e Paulo Maluf, na qual obras gigantes simbolizam progresso e desenvolvimento. Políticas públicas de longo prazo, com viés social e de infraestrutura, queimam como água benta nos braços dos pecadores.

Mesmo a mentalidade de grandes obras é falha. O passado recente é prova arquitetônica disso. De Peruíbe a Bertioga, a classe política coleciona trabalhos atrasados ou incompletos. Todos ganham fita, tesoura e sorrisos. De ginásios no Litoral Sul a teatros na carcaça em terras calungas. Se não se conclui quiosques da praia de Santos no prazo, o que esperar do VLT, antes metropolitano, agora ligação dentro da Ilha de São Vicente e traçado polêmico?

Nos próximos três meses, além das obras que lembram ficções apocalípticas, a dramaturgia política deverá nos premiar com o casamento entre projetos anunciados e promessas milagrosas de mudança de vida. É o enredo perfeito para o horário eleitoral gratuito, o programa humorístico de riso nervoso e graça discutível.

Como me disse um amigo escritor, a ficção jamais consegue competir com a realidade. Nem Julio Verne.

terça-feira, 15 de julho de 2014

A lei contra os porcos


A aplicação das primeiras multas para as pessoas que sujam as ruas de Santos reforçou os holofotes sobre a lei do lixo. Apesar da aprovação elevada da população e da importância de colocar o tema em pauta, a lei esconde aspectos culturais, passíveis de reflexão. 

Ele não precisa de lei. Só suja o próprio quintal

A lei se encaixa no comportamento cultural de que é preciso a mão forte e paterna do Estado para que problemas coletivos sejam amenizados ou resolvidos de vez. O pai é sempre provedor, juiz e carrasco e, desta forma, sabe o que desejamos para nós mesmos. A surra vem da mesma mão que acaricia.

Não digo que esta lei é desnecessária. Sabemos, contudo, que o país acolhe os atos jurídicos como leis que pegam e leis que não pegam. É a voz silenciosa, a reação muda de todos os envolvidos, no paradoxo de quem aceitou uma canetada de cima para baixo, excluindo-se da criação da legislação.

Implantar uma lei seria, na visão de muitos políticos, a maneira de mostrar serviço aos eleitores, ainda que não represente mudança na estrutura de fiscalização. Para os eleitores, é o conforto da transferência de responsabilidade, de quem não se vê como elemento essencial no problema.

Por outro lado, a legislação ilumina um comportamento selvagem, independentemente da conta bancária. Falta de educação não está ligada a diploma, local de moradia, classe social ou custo do carro financiado. Jogar lixo na rua significa a ausência de consciência político-cidadã, na qual o indivíduo é capaz de compreender que o espaço público é de todos e deve ser zelado pela coletividade.

A lei do lixo também expõe que certas posturas só podem ser construídas se o bolso fica mais pesado. Multas alteram ações cotidianas. Multas geram medo, fazem o sujeito pensar duas vezes. Mas daí nascem duas ideias. A primeira é que talvez o sujeito não incorpore ou entenda a necessidade de se portar de outro jeito. Apenas o faz porque teme a punição. O outro aspecto é que, sem fiscalização contínua, transgredir seja usual. Dirigir falando ao celular funciona como exemplo.

A nova legislação merece que pensemos sobre outro ângulo. Até que ponto a Prefeitura está preparada para manter um sistema de fiscalização? Por enquanto, as luzes da imprensa, o impacto político imediato e a reação das pessoas no dia a dia mantém acesa a chama que aproxima fiscalização e marketing político. Câmeras acompanham fiscais. Os primeiros infratores vestem o manto da crucificação.

A lei seca se enquadra em ambas as hipóteses. Depois de tanto alarde, entre blitz policiais e comandantes desfilando palavrório na TV, a fiscalização desapareceu. Motoristas bêbados reativaram suas máquinas de matar. Mortes e sobreviventes com sequelas povoam o noticiário todas as semanas. Tragédias que são lamentadas até nas mesinhas de bar.

Numa leitura das entrelinhas, a lei do lixo deveria servir ainda para elevar o nível de consciência ambiental. Mas um passo por vez. Com a leitura consumidora de mundo (traduzindo: “estou pagando”, para lembrar de um bordão humorístico), muitas pessoas encaram meio ambiente como aquele enfeite de decoração na mesa da sala.

Santos segue esta mentalidade. É uma cidade cada vez mais cinza, marcada pelo concreto e ferro dos espigões que se multiplicam como coelhos. A lei do lixo precisa ser enquadrada em um pacote mais extenso e profundo. Caso contrário, vai engrossar a coleção de ações ambientais isoladas, que servem de badulaques eleitorais e sequer arranharam o estilo de vida adotado pelo município nos últimos 20 anos.

Peço desculpas pelo título desta coluna. Não a você, leitor civilizado. Desculpem-me os porcos, que vivem sem aparências e com a coerência de sujar somente a própria casa.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O fator França


A decisão do PSDB em escolher o deputado federal Marcio França como candidato a vice-governador do Estado, ao lado de Geraldo Alckmin, não é para causar espanto. Pelo contrário. França cantava em verso e prosa há seis meses, o que representou, para adversários, mais um blefe do que uma costura política. O tempo confirmou a segunda hipótese.

Marcio França, ao lado do governador Geraldo Alckmin

Depois de um ano e meio, Marcio França prova que aprendeu com a maior derrota política da carreira. O ex-prefeito de São Vicente protagonizou a surpresa da última eleição na Baixada Santista. Ele aprendeu como a soberba afoga um político em águas rasas. Assistiu, nos últimos minutos, a virada de Luiz Cláudio Bili – um ex-aliado – sobre o filho Caio França, na Prefeitura local. E a derrota veio justamente da Área Continental, endereço que a turma no poder considerava um curral sob o cabresto.

Marcio França é um político à moda antiga, excelente aluno dos velhos caciques, até que se tornou um deles. Conhece como poucos a fórmula para alianças, a dança de distribuição de cargos, as palavras e os assuntos que o eleitor costuma ouvir com atenção. Domina também a dinâmica da mesa de cartas, com blefes e exageros na propaganda.

Entre 2012 e 2013, França ficou sete meses fora dos holofotes – quase sem falar com a imprensa. O cenário atual indica que, após digerir o nocaute, ele trabalhou atrás das cortinas, com paciência, conforme reza a cartilha da política tradicional. Fingiu-se de morto enquanto lia com clareza o cenário no horizonte.

Ele estreitou as relações com Eduardo Campos, sem se descuidar do namoro com Geraldo Alckmin. Neste sentido, pôde valorizar – ainda que em demasia – seu papel no casamento entre Campos e Marina Silva. Vendeu um peixe maior dentro de casa e contou com o óbvio: poucos vão até o rio para conferir a história do pescador. Na política e na guerra, propaganda é a chave da sobrevivência.

Desde que Marcio França começou a se destacar na política regional, logo no início da gestão como prefeito, fala-se que o sonho dele é ser governador do Estado. Em 2012, os mais apressados diziam que França se escondeu numa secretaria estadual irrelevante, a de Turismo, argumento reforçado com a derrota em São Vicente. O sonho dele estaria sepultado, em definitivo.

A política ensina que sempre há uma segunda oportunidade, desde que o sujeito compreenda que cargo e poder não são sinônimos. Relacionamentos são bem mais importantes do que plaquinhas na mesa, assessores e carros oficiais.

Para Marcio França, a vida na secretaria serviu para garanti-lo no círculo político de Alckmin, personalidade mais discreta do que ele, mas com doutorado no teatro das sombras, onde o palco somente sela os pactos das coxias.

Ao se candidatar à vice-governador, Marcio França adota relativo risco. Uma derrota – em princípio, improvável – o deixaria sem mandato, o que poderia atrasá-lo na caminhada. A vitória daria a ele tempo (e poder) para se preparar para a eleição seguinte, quando poderia se ver perto do sonho de infância política.

Por outro lado, a proximidade com Eduardo Campos é a segunda canoa onde colocou os pés, o plano para uma surpresa em São Paulo. Perder em âmbito federal é previsível, mas o número de votos é a garantia para reatar o namoro em Brasília, o que arrastaria França de volta para os braços do poder. Um peixe pequeno – é verdade -, mas no aquário com melhor alimentação.

Ver o filho perder a eleição em São Vicente abriu, de fato, os olhos do pai. França compreendeu a real dimensão da cidade e seu provincianismo político. Até o momento, na campanha eleitoral, ele deu o passo para subir a escada, com a vantagem maquiavélica de não jogar as fichas numa só roleta e sem abandonar o quintal de casa.

domingo, 29 de junho de 2014

A Copa e a urna

A Copa do Mundo é quase sempre previsível. As falsas surpresas costumam atender e alimentar as paixões, mas a proximidade das finais confirma que os tubarões dominam o aquário. A cadeia alimentar acaba sempre preservada.

A política-eleitoral adora a festa do futebol. Gols contra, faltas mais duras, mordidas financeiras e mudanças de esquema tático acontecem com a frequência desejada, sem que os torcedores percebam a virada de campo, sem que os juízes apliquem suspensões.

Em tempos de Copa do Mundo, a política-eleitoral assume escandalosamente o futebol de resultados. É hora de definir os elencos que disputarão o campeonato em outubro. Contratações e convocações, cortes por contusão ou naturalizações de última hora movimentam o mercado de seleções partidárias.

Como as partidas ainda não começaram de fato, os treinos abertos servem de aperitivo para a imprensa, políticos locais – que sonham em atuar em clubes de maior visibilidade – e torcedores-eleitores de facções organizadas. Nesta semana, Santos testemunhou o treino aberto de um dos favoritos ao título. A presidente Dilma Rousseff fez sua estreia na cidade e provocou reações sintomáticas dentro de um esporte cada vez mais carnavalesco. Muito barulho, pouco conhecimento, parafraseando Tostão.

Ao contrário deste texto, transformar a política numa partida de futebol é pouco saudável. Culpar, por exemplo, a presidente pelo trânsito em Santos é tão infantil quanto responsabilizar a tia-avó do interior pela cerveja quente no churrasco. É previsível, evidentemente, que esta reação aconteça, diante da metamorfose da política eleitoral em um Flamengo e Fluminense. Se não é culpa do PT, deve ser coisa do PSDB. E vice-versa, como diria o velho atacante filósofo.

Dilma veio para uma solenidade de anúncio de obras, assim como o governador Geraldo Alckmin faz todos os meses. Se as obras vão acontecer, é outro episódio. Quem se lembra da visita do governador, no ano passado, com seis projetos anunciados que não existiam?

O caos no trânsito reforça o delírio que é chamar a Baixada Santista de região metropolitana. Os congestionamentos indicam como Santos e seus vizinhos são mal preparados para qualquer evento que saia do roteiro cotidiano que, aliás, é marcado pela degradação contínua da mobilidade urbana, para usar uma expressão surrada na boca da classe política.

Acusar a visita da presidente de eleitoreira é como dar ouvidos ao comentarista que repete as palavras do narrador após o gol. Nada acrescenta, assassina o contexto, distrai do real objetivo. É óbvio que tem a capitalização eleitoral em qualquer passeio. Ou os eleitores não capazes de discernir a velha tática?

Analisar o jogo significa conhecer a história dele, estudar cada um dos times envolvidos, acompanhar a fundo – bem antes da competição – a trajetória de cada atleta-candidato. Ler um time e seu principal jogador por apenas uma partida significa apostar todas as fichas na Costa Rica como campeã do mundo.

Copa do Mundo e eleições são quase gêmeas. De perto, é possível notar uma pequena diferença entre elas. Se na Copa do Mundo são permitidas surpresas na primeira fase, as eleições costumam ser previsíveis nesta etapa. A irmã eleitoral raramente apronta e, quando o faz, prepara o susto para a decisão. O problema é que, neste tipo de jogo, times milionários geralmente atropelam os nanicos e ganham de goleada.


sexta-feira, 27 de junho de 2014

A bomba-relógio


Cubatão é uma granada. A cidade tem potencial explosivo, seja para se desenvolver economicamente, seja para estilhaçar a política local. Todos sabem onde fica o pino de segurança, capaz de evitar mudanças ou tragédias. O problema é que ninguém se interessa, de fato, em guardar o armamento em segurança.

O atual prefeito, Wagner Moura, testemunha um período de cessar-fogo e talvez consiga fazer a transição sem sobressaltos. Por enquanto, a dança política segue o caminho da obviedade. Moura adapta o governo à imagem e semelhança, com trocas de secretários e outros cargos de confiança. Marcia Rosa luta para retomar o poder, sem entrar para a História do município pela porta dos fundos.

O Poder Legislativo costura em silêncio, com um olho no Paço Municipal e outro, no Tribunal Superior Eleitoral. A Câmara Municipal é parecida com as demais casas da Baixada Santista. Salvo exceções que não fazem verão, os vereadores se agarram ao poder e aos seus privilégios, abandonam o comandante do barco ao primeiro sinal de naufrágio e não se incomodam em saltar em outra embarcação, mesmo que o estilo de navegar seja distinto.

Cubatão é politicamente predestinada. Nenhuma gestão conhece a paz plena. A diferença, aparentemente, é que desta vez os rumos da montanha russa foram resolvidos no Poder Judiciário. Mas Wagner Moura precisa se proteger de estilhaços. Ele ainda é visto como transitório, mas virará alvo se entrar na disputa eleitoral.

Entre franco-atiradores, turistas e velhos coronéis, meia dúzia de pessoas levantaram o braço para se tornar o próximo prefeito. Esta turma heterogênea só se une para torcer pelo enterro político de Marcia Rosa. Entre blefes e acertos, a campanha política fora de hora é como uma Copa do Mundo na cidade.

A calmaria política, contudo, é ilusória. A guerra pelo poder, mesmo que nos bastidores, nunca deixou de existir. Na verdade, as decisões judiciais colocaram a política local em falso ponto morto. Ninguém se arrisca. É hora de se ter paciência, algo incomum na biografia política da cidade.

Se pensarmos na história recente, Cubatão não costuma solucionar problemas com conversa. As decisões são na bala. Assessores e vereadores foram mortos. Falava-se até em lista de procura-se, como no Velho Oeste. Anos antes, o então prefeito Clermont Silveira Castor foi vítima de atentado. Crimes políticos sem solução.

O próprio prefeito interino, Wagner Moura, teve as duas filhas sequestradas por 38 dias, em 2013. Os sequestradores acabaram presos.

Numa encruzilhada político-eleitoral como esta, o que se pode esperar no município? A decisão do TRE será mesmo soberana? Podemos apostar no diálogo como meio para desatar os nós da discórdia?

Enquanto isso, Cubatão permanece desigual e com graves problemas sociais. Os rios de dinheiro que correm pelo ICMS, por exemplo, nunca desaguaram em desenvolvimento ou redução das diferenças no município. A economia da cidade é tão cinzenta quanto os muros que nasceram nas vilas operárias.

A área da saúde enfrentou, recentemente, denúncias de ambulâncias que viraram sucatas. O déficit habitacional parece insolúvel, quando não acontece gritaria pela revenda ilegal de apartamentos em conjuntos entregues pelo CDHU.

Cubatão, como qualquer peça interessante de não ficção, é um roteiro vivo. É uma história com múltiplos elementos cinematográficos, que envolvem traições, reviravoltas, paixões instantâneas, violência e mortes. Mas é uma combinação explosiva em que o público – parte omisso, parte conivente – é mero espectador da narrativa.