quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Jogo de palavras



A política tem uma relação de conflito com a palavra. Uma espécie de Complexo de Édipo, em versão pervertida. Políticos dependem dela para sobreviver. Discursos, sedução, convencimento, negociação. Ao mesmo tempo, a palavra vale tão pouco quando usada na política partidária. O valor cai ainda mais, como ações em blackout, com o cheiro mais próximo das eleições. Alianças, acordos, acusações, manipulação e promessas.

Numa época em que políticos viraram produtos e os partidos, itens de prateleira que, embora parecidos, podem ser trocados pelos vendedores-candidatos, a palavra se transformou em bijuteria. Enfeita a imagem de alguém que deseja reescrever os fatos conforme as aparências indicam.

Nas últimas semanas, há vários casos, em todos os níveis, que reforçam os jogos de palavras, símbolos da luta para reduzir o impacto de atos impopulares ou simplesmente construir heróis que, na prática, merecem algemas e grilhões.

Na política nacional, o maior exemplo é o braço erguido de gente como José Genoíno e José Dirceu, que mancharam o passado com o mel do poder. A definição de preso político soa como piada pronta em um país que ironiza e si mesmo.

Como esperar que, numa democracia, tenhamos presos políticos? Como delirar e acreditar que membros de um partido no poder há 11 anos, na mesma democracia, possam ser classificados como pessoas perseguidas? Ainda bem que a imagem se desfaz na inversão das palavras: políticos presos. Só falta, agora, Valdemar da Costa Neto, o colecionador de renúncias, seguir a moda e também levantar o braço como um pantera negra dos anos 70.

Em São Paulo, o Governo estadual se esforça para manter o armário trancado. Aqui, os esqueletos tentam escapar via metrô e trens. Em São Paulo, o esquema de corrupção ganhou o nome de cartel, que minimiza a conivência e a cumplicidade de figuras públicas em um desvio inesgotável de uma década e meia. Os tucanos se balançam na árvore, acusam os adversários, tentam desviar o foco por meio de e-mails sem assinatura ou juram processar as empresas corruptoras.

Em Santos, o IPTU aumentou 100%. No jogo matemático, traduzido em palavras, o reajuste foi de 12%, com um desconto de 88%. Vereadores mais ousados no palavrório se arriscaram a falar em atualização de valores, descartando a omissão política frente à especulação imobiliária. Nada que convencesse os eleitores de que não houve falta de compromisso. Os parlamentares receberam de volta um rosário de queixas.

Nesta semana, a Câmara Municipal ficou lotada por conta de outro projeto, que transfere para Organizações Sociais (OS) serviços em áreas essenciais como educação e assistência social. Para o Sindicato dos Servidores Municipais, é privatização com risco de exoneração de funcionários públicos.

Para os que apoiam a administração municipal, é uma necessidade para salvar os cofres públicos, que batem no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. E as OSs teriam à disposição servidores municipais, que não perderiam empregos. Em outras palavras, com o perdão do trocadilho, os funcionários públicos trabalhariam para empresas privadas, pagos com salários do contribuinte, que espera por serviços públicos de qualidade?


Os políticos vivem entre palavras sofisticadas. Comissões, projetos executivos, planejamento, aditamento (mais dinheiro) de obras, realocação, cadastramento. Neste dicionário, palavras são versáteis. Até porque, na política, palavra não é para ser cumprida.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Apenas 12%?



A Prefeitura de Santos vai terminar o ano da mesma forma como começou: sob um temporal de críticas, e sem guarda-chuvas. Nos três primeiros meses, a administração municipal teve que se defender diante de mortes no desfile de Carnaval, do caso do menino que foi eletrocutado nas tendas na orla da praia, além de uma greve dos servidores, algo que não ocorria há 18 anos.

Agora, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa e os vereadores da base de apoio tentam explicar porque o IPTU será reajustado em 12%, na média, no próximo ano. O aumento, o dobro da inflação, provocou críticas da imprensa e queixas de centenas de moradores nas redes sociais.

É óbvio que se trata de uma medida impopular. A classe política já esperava por isso. Atualizar a Planta Genérica de Valores pode soar como uma justificativa plausível, mas a população entende – e com razão – que elevar a carga de impostos é transferir as chibatadas para o lombo mais fraco.

Ninguém aguenta mais impostos, ainda mais diante do testemunho diário de que os recursos não aparecem de forma latente em benefícios públicos. A Prefeitura responde, como se previa, com o argumento das grandes obras, como a entrada da cidade e a macrodrenagem na Zona Noroeste ou se envolve em discussões sobre projetos como o VLT e o túnel, ambos com sinais cristalinos de planejamento falho.

Neste tempo, os serviços públicos não iluminaram os olhos. Um exemplo é a dificuldade da Prefeitura em intervir no transporte coletivo. Meia dúzia de coletivos com ar-condicionado e internet mal cutucam os problemas reais. Mudou-se o sistema de cobrança e a eficiência no atendimento seguiu inerte.

A administração municipal e os vereadores usaram jogos de palavras para justificar o reajuste do IPTU. Na verdade, o aumento foi de 100%, com um desconto de 88%. Assim, a retórica matemática alcança os 12%. O vereador José Lascane usou este argumento em entrevista ao Jornal A Tribuna.

Por hipótese – e o prefeito prometeu o contrário no Jornal Enfoque, na Santa Cecília TV -, a Prefeitura pode perfeitamente reduzir o tal desconto em 2015 e aplicar novo reajuste bem acima da inflação.

Os 17 vereadores, que aprovaram a toque de caixa o aumento do IPTU, também viraram alvo das críticas nas redes sociais. Alguns deles se defenderam com um caminhão de números. O vereador Kenny Mendes, por exemplo, afirmou que votar contra o reajuste seria permitir que a cidade quebrasse financeiramente. E disse que o município não precisa de heróis para brigar contra as estatísticas.

Realmente, Santos não necessita de heróis. A cidade precisa de uma Câmara capaz de questionar a administração, e não de se ajoelhar diante de todos os projetos do Poder Executivo, prática usual desde a gestão Beto Mansur. E necessita de uma administração que seja capaz de abrir a caixa preta de suas finanças, para que saibamos se há possibilidade de quebra e quais foram os responsáveis pela bagunça. Mas é esperar que a gestão atual corte a própria carne – muitos estão no governo há quase 17 anos – e confrontar o ex-prefeito Papa, hoje no próprio PSDB.

Os vereadores têm a obrigação de saber que aprovar o reajuste de 12% no IPTU, rejeitando todas as emendas, é esperar pelos tomates do público, revoltado com tantas vozes desafinadas. E sabem disso!

Diante disso, você sabe quem votou pelo reajuste? Eis os 17 parlamentares, em ordem alfabética: Ademir Pestana, Antônio Carlos Banha Joaquim, Cacá Teixeira, Douglas Gonçalves, Fernanda Vanucci, Hugo Dupreé, Jorge Vieira da Silva Filho (Carabina), José Lascane, José Teixeira (Zequinha), Kenny Mendes, Manoel Constantino, Marcus de Rosis, Murilo Barletta, Roberto Oliveira, Sadao Nakai, Sandoval Soares e Sérgio Santana. A conta também é deles!

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Cotas na política


Por conta do Dia da Consciência Negra, parlamentares reacenderam a discussão sobre criar cotas para deputados negros. Mas o debate foi tímido – é verdade -, sufocado pelas notícias sobre a prisão dos colegas condenados pelo mensalão. 

A proposta é mais um capítulo da distorção político-partidária em torno das cotas no Brasil. O tema, em prática no país há pouco mais de uma década, foi insuficiente para provocar alterações culturais nas relações étnicas. Não aconteceram mudanças substanciais no ensino superior, espaço onde as cotas geraram gritarias e outras posições agressivas. Os negros representam de 3 a 5% dos universitários, números que se mantiveram estáveis no período.

As pesquisas socioeconômicas indicam que os negros ainda recebem menos do que brancos na mesma posição profissional e com a mesma formação acadêmica. Negros recebem 36% a menos, índice muito próximo de uma década atrás. Entre os 1% mais ricos, negros e pardos representam somente 16% da população.

Criar cadeiras na Câmara dos Deputados é reforçar a mentalidade de segregação, criando um parlamento dentro de outro. Combater o racismo é, acima de tudo, propiciar condições estruturais para que o negro possa ter espaço para se desenvolver em termos políticos. Cadeiras só servem de consolo, se os convidados vão permanecer sem voz ativa na festa.

A educação política passa pela redução da desigualdade social, e não por constituir uma minoria no Congresso, a ser ignorada em suas reivindicações. O parlamento, novamente, aposta em projetos cosméticos, que agradariam um nicho eleitoral, sem – de fato – apresentar condições para alteração do modelo de discriminação no país.

Um exemplo é a lei 10.639/03, que estabelece o ensino de História e Cultura de origem africana. Isolada, a lei teve pouco efeito prático nas redes de ensino. A capacitação, no geral, é restrita a uma minoria de professores. A lei, mais uma vez, mal cutuca mentalidades enraizadas, até porque é preciso que se reconheça com todas as letras que o Brasil é um país racista.

Sem observar o quadro socioeconômico, o Congresso Nacional continuará como mais uma miragem para a maioria da população negra. Segundo levantamento divulgado pela ONG Transparência Brasil, somente 9,8% dos deputados federais e senadores são negros e pardos. Faltam números disponíveis para que se possa construir um quadro evolutivo, mas se sabe que estes grupos sempre tiveram poucos representantes.

A legenda com maior índice de parlamentares negros e pardos é o PT: 15%. No PSDB, principal adversário, negros e pardos não passam de 3,4%. O PT, aliás, estabeleceu que 20% das chapas que concorrem à direção do partido sejam compostas por negros e outros grupos minoritários. Mas vale ressaltar que nem o PT alcança o índice de 30% de mulheres candidatas, como determina a legislação eleitoral.

Antes de se criar cotas na Câmara dos Deputados, são necessários outros passos no sistema político. 51% dos brasileiros são negros ou pardos. E nenhum partido se aproxima deste percentual de filiados, quanto mais de candidaturas nas últimas eleições. O Congresso Nacional é mais um termômetro que indica a temperatura nas relações raciais no país.

Entretanto, houve uma mudança radical nos últimos dez anos. As cotas desnudaram um tipo de esqueleto autoritário. Aqueles que insistem em negar o racismo no Brasil escrevem livros e vomitam bobagens na TV. São os mesmos “heróis do atraso”, que costumam defender a limpeza social de mendigos e a matança fardada nas periferias. É a turma que também exala machismo e homofobia. Os reacionários têm agora nome, sobrenome, cargos e títulos intelectuais. Seremos coniventes com eles?

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O costureiro



A política é a arte do transitório. Nenhuma vitória é definitiva, assim como nenhuma derrota enterra carreiras eleitorais. No Brasil, as alianças políticas são, por vezes, tão improváveis – não apenas no sentido ideológico -, que servem como mágica para ressuscitar quem era dado como morto.

Em outubro do ano passado, o deputado federal Márcio França, sofreu – indiretamente – a maior derrota de sua biografia. Depois de uma campanha afogada na soberba e sustentada por pesquisas eleitorais, França assistiu de camarote à derrota do filho Caio na disputa pela Prefeitura de São Vicente, a maior surpresa do processo eleitoral na Baixada Santista.

Uma dinastia de 16 anos ruiu em apenas uma hora, com o grito eletrônico das urnas, vindo da Área Continental da cidade. O atual prefeito Luiz Cláudio Bili reconheceu, na noite da vitória, que parte dos votos eram contra o menino-herdeiro. Pai e filho conviveram com o silêncio por oito meses até a digestão (talvez parcial, talvez completa) do desastre.

Um ano depois, Márcio França deixou – sem escalas – o gabinete de uma secretaria estadual coadjuvante para entrar nos holofotes da principal e mais improvável aliança política da corrida para a presidência. O ex-prefeito de São Vicente usou linhas e agulhas e ajudou a costurar o acordo que levou Marina Silva ao PSB.

É óbvio que nenhuma aliança deste porte depende de um único costureiro. O próprio Márcio França não esperava, como disse à revista Piauí. “Convidei ele (Walter Feldmann) e a Marina. Convidei por educação porque ninguém imaginava que ela fosse.”

O fato é que o deputado federal soube capitalizar para si a autoria da obra, sem que ninguém em seu partido dissesse o contrário. A vitória retomou o planejamento (e sonho de consumo) do atual secretário estadual de Turismo: ser vice-governador do Estado.

Como ainda restam 10 meses e meio para as eleições, a política é ainda líquida, flexível e aberta às negociações. Márcio França precisa quebrar – pela segunda vez – a falsa fragilidade de Marina Silva, que acena com candidato próprio para o Governo de São Paulo. Um nome nascido dentro de casa é, definitivamente, mero figurante na disputa, ao mesmo tempo em que sepultaria – por hora – o sonho do ex-prefeito de São Vicente.

Marina Silva, apesar da filiação ao PSB apontar o contrário, age com a lógica. Como enfrentar os tucanos na eleição presidencial e estar de braços dados com eles no principal Estado? Abraçar Alckmin e fingir que não enxerga Aécio Neves no mesmo palanque?

Já Márcio França aposta na vida real. Nela, acordos não dependem de partidos, ideologias, legislação ou distância geográfica. Acordos dependem de projetos de poder. O ex-prefeito de São Vicente tem no PSB, um novo morador que se encaixa como exemplo. Vicente Cascione foi, na Câmara dos Deputados, vice-líder do Governo Lula, enquanto em Santos seguia como tradicional adversário de Telma de Souza, do mesmo PT.

França tem que correr para alinhavar que tipo de roupa pretende usar na festa de outubro de 2014. Vice-governador da dinastia tucana? Reeleger-se deputado federal como Plano B? Ou permanecer na condição atual, como chefe de uma secretaria de visibilidade política relativa?


O problema é que a aliança que o alçou à condição de costureiro competente pode se virar contra o feiticeiro. Por um lado, Márcio França tem que reconhecer que Marina Silva, embora magrinha, veste número maior no guarda-roupa político nacional. Por outro, aprendeu, na cidade onde nasceu para a vida pública, que nenhuma tendência desfila eternamente na passarela eleitoral.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Estupro: a pandemia


O número de estupros cresceu 23% na Baixada Santista. Em 2012, foram 672 casos, contra 545 no ano anterior. Em 2013, até setembro, foram 413 ocorrências, média que se aproxima de dois casos por dia na região.

No Estado de São Paulo, uma mulher é estuprada a cada 40 minutos. No país, dez casos por dia. As estatísticas constituem uma pilha de dor, de impunidade, de acobertamento e de traumas, mas parecem não sensibilizar aqueles que, com o poder em mãos, também deveriam se chocar com elas.

O argumento das autoridades é que a mudança da legislação, em 2009, colaborou para o crescimento do caso. A partir daquele ano, os atentados violentos ao pudor passaram a ser considerados crimes de violência sexual. O aumento foi de 162% no Brasil, mas a retórica não se justifica, pois o crescimento é gradual, ainda que a lei esteja em vigor há quatro anos.

A violência sexual é uma pandemia. Esta doença social não escolhe endereço, classe social, nível de desenvolvimento econômico. É uma enfermidade globalizada, que respeita somente as particularidades, embora conectadas ao machismo, ao sentimento de posse, ao desprezo pela mulher e à certeza de que o silêncio garante a repetição da monstruosidade.

No Congo, estuprar é hábito cultural, fruto das guerras civis. Na Índia, os estupros coletivos povoaram o noticiário internacional no primeiro semestre. Os Estados Unidos registram um caso de agressão sexual a cada dois minutos. Uma em cada três mulheres suecas sofrem violência sexual. Na vizinha Dinamarca, são três em cada dez.

O Brasil e a Baixada Santista, em particular, não possuem sólidas políticas públicas de combate aos estupros. A instalação de delegacias de atendimento à mulher são aspirinas diante de um tumor em escala terminal. Aliás, a maioria das delegacias não abrem as portas nos finais de semana, período com maior índice de agressões.

Os abrigos femininos são insuficientes para as vítimas, a maioria estupradas por pessoas conhecidas, como maridos, namorados, pais, tios, primos, vizinhos e amigos da família. Quando criam coragem para registrar um Boletim de Ocorrência, as vítimas precisam – muitas vezes - retornar para o convívio com quem as violentou. É comum o constrangimento de ter que retirar a queixa na delegacia para preservar a vida.

Infelizmente, os crimes de estupro não aparecem entre as prioridades da política de segurança pública. Por conta do silêncio e das evidentes dificuldades de se falar publicamente sobre o assunto, a violência sexual fica restrita às campanhas educativas (às vezes, somente cartazes com telefone para denúncia anônima). Estupro não tem a visibilidade política do tráfico de drogas e dos homicídios. A única semelhança é que, nos três crimes, os números engordaram.

Enquanto houver a sensação de impunidade, o modelo de vergonha para as vítimas e deleite para os estupradores seguirá perpétuo. É urgente ultrapassarmos a fase das campanhas educativas, que se mostraram ineficientes. A impressão é que as mensagens só são lidas pelas vítimas após o crime. Se os agressores leem, certamente debocham. E não é preciso que se modifique a legislação. A lei é rigorosa, somente depende de estrutura consistente e política pública de longo prazo para que entre em vigor de verdade.


Uma observação: por razões óbvias, é a terceira vez este ano que me sinto obrigado a escrever sobre violência sexual neste espaço. Os demais textos – Cultura do Estupro I e II – podem ser encontrados no blog Giz sem cor. http://gizsemcor.blogspot.com.br/2013/05/cultura-do-estupro-ii.html

sábado, 26 de outubro de 2013

Carta aos professores


Caros colegas,

Assim como vocês, recebi muitas felicitações por causa do dia 15 de outubro. Muitas delas me pareceram honestas, que indicaram admiração e reconhecimento, relevando erros por mim cometidos em 11 anos de docência. Outras manifestações, claro, cumprem as convenções sociais, em parte ditadas pela cartilha de bom mocismo das redes sociais.

Como estabelecer a diferença entre as duas posturas? Não sei, sinceramente, mas tenho a tendência a crer que a maneira como fomos tratados por aqueles que nos felicitam hoje pesa em minha interpretação.

Não comemorei o Dia dos Professores. Não pronunciei a palavra escola. Agradeci educadamente os cumprimentos, mas me soaria cínico se pulasse de alegria ou soltasse fogos de artifício diante da condição contemporânea desta atividade profissional.

Ser professor não é missão, destino, sacerdócio ou trabalho voluntário. Não dou aulas. Estudo todos os dias para me preparar e ter o que dizer dentro de uma sala, para 10, 20, 50 pessoas, ainda que erre. Sempre acreditei que tenho que ser remunerado por este comportamento, como qualquer trabalhador.

Reproduzir a ideia de que somos seres especiais aponta, a curto prazo, uma posição presunçosa. Professores são fundamentais em qualquer sociedade, assim como médicos, enfermeiros, motoristas, engenheiros e atletas. Somente para mencionar poucos atores – ah, esses também são essenciais – nesta história.

A longo prazo, esta condição única – realimentada como discurso de confetes e serpentina – mascara a desvalorização contínua de nossa atividade profissional. Recebo um salário acima da média dos professores brasileiros. É claro que a frase anterior pode ser distorcida do contexto. Basta torturar números que eles dizem o que queremos. Porém, devo acrescentar que trabalho quase o dobro de horas fora da sala de aula. Voluntariado?

Sofro para pagar as contas, mantenho um padrão de vida classe média, visito bancos – os cassinos de hoje – de tempos em tempos, fico exausto entre números para realizar qualquer sonhozinho de final de semana.

Comemorar a data me indica hipocrisia. O país tem um déficit de 300 mil professores. O piso nacional da categoria gira em torno de R$ 1500 e muitos Estados ignoram a referência. Este valor é pouco mais da metade do salário mínimo considerado como ideal pelos economistas. E risível quando compararmos com alguns dos melhores sistemas educacionais do planeta.

É triste assistir ao Governo Federal se esfalfar para implementar o Programa Mais Médicos, como único mecanismo de solução para abismo social brasileiro. Só os estúpidos entendem que o país não necessita urgentemente de profissionais de saúde.

Por que não temos o Programa Mais Professores? Por que médicos recebem R$ 10 mil e o piso do professorado é 15% disso? Associar professores a trabalho menor é prática em todos os níveis. Nas universidades, as licenciaturas são primos pobres. Recebem, aliás, muitos alunos de baixa renda, em parte os primeiros de suas famílias a alcançarem o ensino superior. Não é caridade, é mudança social que deveria ter ocorrido há décadas.

As licenciaturas moram no final da fila dos investimentos em pesquisa. A retórica não é explícita, mas a rotina indica que outras áreas – diluídas em exatas e de saúde – merecem mais verbas pela utilidade à ciência.

Por limitações de espaço, optei por ficar em somente um exemplo e não descer ao inferno do ensino fundamental e médio. Lembrem-se, colegas, que estamos a pouco menos de um ano das eleições. Ouviremos pregações messiânicas de que a educação salvará o país. E que o professor está no centro do milagre. É a clássica resposta que foge da pergunta e resulta em nota zero.

sábado, 19 de outubro de 2013

Amar é ...

Estaria pensando em eleição?

Política é apaixonante. E, como todas as paixões, pode desaguar em amor ou morrer na amargura da quarta-feira de Cinzas. Quando se aproximava o final do prazo para troca de partidos, vimos o amor florescer em erva daninha, sob a forma de corações despedaçados, flertes juvenis, casamentos e divórcios. 

O mercado dos sentimentos na política não nos entrega somente desilusões. Tem também poesia, pelo menos na inspiração. Que me desculpe o poeta de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, mas os versos de Quadrilha rimam com esta história de amor.

Marina Silva, por exemplo, amou um dia o PT, que aparece pela primeira vez na história. Depois, se apaixonou pelo PV. Então, tentou construir uma Rede de amor próprio. Casou-se com o PSB por interesses.

O PSB é também o novo amor do ex-deputado federal Vicente Cascione, que antes amava o PTB, que hoje ama o deputado estadual Luciano Batista, antes apaixonado pelo mesmo PSB, de Márcio França. Cascione chegou a construir um amor atribulado, em Brasília, com o PT, que aparece de novo na história.

Em São Paulo, PSB e PTB amam o PSDB de Geraldo Alckmin, que continua com o casamento estável. Os três amaram, durante oito anos, o ex-prefeito de Santos João Paulo Tavares Papa, que amava o PMDB e se casou com o PSDB. Em São Vicente, todos amaram também o PT, que perturba para ressurgir nesta história.

Na primeira vila do Brasil, o PSB chegou a ser amado por 20 parceiros, na gestão Tércio Garcia. Hoje, parte deles ama o PP do prefeito Luiz Claudio Bili. Muitos enterraram a vergonha de amar a sigla errada no ano passado.

O PP foi um amor de 20 anos do ex-prefeito Beto Mansur, mas não é o primeiro divórcio dele. Quando governou Santos, o PP era amado pelo PMDB, ex-casa de Papa que, você se lembra, trocou juras de felizes para sempre com o PSDB.

O PSDB, por sinal, é filho rebelde do PMDB e teve como um dos fundadores justamente o atual deputado federal Beto Mansur. Antes do PP, ele amou o falecido PDS. Hoje, ele ama o PRB, de Celso Russomano e da Igreja Universal, que, em Brasília, ama o PT, que insiste em se colocar no centro da história, mas também ama o PP, só que em São Paulo.

Russomano já amou o PP, assim como Beto Mansur, mas antes amou o PSDC e PFL, que também já amou o PSDB, em tempos de FHC no Palácio do Planalto. O PL, que veio ao mundo pelo ventre do PFL, ama o PSDB em São Paulo, mas em Brasília namora com o PT, que sempre se intromete no enredo.

O PT conquistou o PMDB, que sempre amou um marido provedor. Na prática, todos os presidentes desde o final da ditadura, com exceção de Fernando Collor, que amou – quando Lula era presidente - o PT, personagem novamente presente no roteiro.

Collor, que amou o falecido PRN, hoje vive de amores com o PTB, que com FHC no governo federal, amou o PSDB e, em São Paulo, é um amor para a saúde e para a doença dos tucanos.

O amor é um sentimento complexo, que nos confunde quando tentamos explicá-lo. Como defendem os psicólogos, o amor traz consigo um caldeirão de coligações, perdão, emoções.

Todo mundo tem uma história de amor. A mais interessante, talvez, seja a de Marina Silva. Para ela, amar o PSB é uma “filiação transitória democrática”, expressão que me lembrou outro poema de Drummond.

Que me perdoe o poeta mineiro, mas amar – na política – não é verbo intransitivo. A um ano de eleições, o amor não passa de um substantivo comum, impregnado de luxúria e, de fato, transitório.