segunda-feira, 15 de julho de 2013
Jogando pela imagem
A proposta de se cancelar o recesso de julho na Câmara Municipal de Santos é o termômetro ideal para se observar o comportamento dos vereadores. Nada mais sintomático que a ideia tenha nascido na presidência da Casa, hoje nas mãos de Sadao Nakai (PSDB). Afinal, a presidência é o símbolo de todo um grupo, de um modelo de gestão. É o representante político maior de seus colegas, não somente um cargo administrativo.
O projeto de emenda à Lei Orgânica ainda precisa passar pela Comissão Permanente de Justiça, Redação e Legislação Participativa. É parte da dança burocrática e jurídica. Se o projeto chegar ao plenário, poderá ser votado até o final do ano e, claro, a mudança só valeria em 2014.
Na justificativa do vereador Sadao Nakai, a medida – que determina o período de sessões de 1º de fevereiro a 15 de dezembro – serve para moralizar e melhorar a imagem da instituição.
A proposta, além de tentar desenhar um novo rosto para o Poder Legislativo, é requentada. Pela quarta vez, em 20 anos, a Câmara Municipal discute o fim do recesso em julho. Nas ocasiões anteriores, os próprios vereadores mataram a ideia no apagar das luzes. São os velhos métodos que renascem quando a corda aperta no pescoço.
Acabar com o final do recesso também soa como demagogia. É claro que os vereadores – muito bem remunerados, por sinal – deveriam trabalhar também em julho, como qualquer servidor público. Servidor, e não funcionário, preste atenção no termo, caro leitor.
O problema é que as reações parecem tão encenadas quando o projeto. Em enquete feita pelo jornal A Tribuna, 17 dos 21 vereadores foram favoráveis. Apenas Douglas Gonçalves (DEM), Ademir Pestana (PSDB) e Roberto de Jesus (PMDB) disseram ser contrários. Em termos de imagem, poderia acreditar que os três foram corajosos de se virar contra o politicamente correto. Mas, curiosamente, todos recitaram o mesmo mantra.
Adivinhou? Os vereadores afirmam que trabalham demais em julho. Fazendo o quê? Ouvindo a população, analisando requerimentos, participando de audiências públicas, com pequenas variações nas vozes do coral parlamentar. E daí? Como usualmente o faz, a classe política se esforça para transformar obrigação em mérito.
De que adianta mexer no recesso se as atitudes pouco se alteraram? E os vícios tóxicos que permeiam as relações e as alianças políticas? A Câmara realizará mais sessões para distribuir medalhas, para conceder títulos e outras honrarias provincianas? Ou permanecerão vivos certos gabinetes que se vangloriam de serem máquinas de produção de requerimentos?
A Câmara do século 21 se perdeu no século passado. O Legislativo abandonou – salvo exceções individuais – seu papel de fiscalizar a Prefeitura. Vereadores foram cúmplices nas mudanças nocivas que a cidade sofreu nos últimos anos, como especulação imobiliária, problemas ambientais, política de transporte e trânsito. Salvo uma ou outra voz herege, os parlamentares sempre se ajoelharam e disseram amém a todas as canetadas do Paço Municipal.
A Câmara que pretende, pelas razões erradas, extinguir o recesso de julho é a mesma que desdenhou a voz das ruas nos primeiros 10 dias de protestos. O Legislativo só mudou de canoa quando a Prefeitura congelou a tarifa de ônibus e os manifestantes, literalmente, bateram na porta dos vereadores.
Um dos parlamentares de primeira viagem, aliás, questionou porque as pessoas protestavam na cidade, já que não havia ocorrido aumento no preço das passagens. Além de aprender rápido como negar a palavra a quem o elegeu, o vereador demorou – como muitos colegas – a entender que a luta não era por causa de 20 centavos.
O vereador Ademir Pestana (hoje no PSDB, mas que já foi PT) justificou que o recesso auxilia na economia da casa. Vamos falar de apertar o cinto? Por que não voltar a 17 vereadores, em vez de 21? Por que não reduzir o número de assessores? Talvez a conta ficasse mais barata para os moradores da cidade.
A Câmara costuma, como as demais instituições parlamentares, reagir com lentidão aos fatos. Cortar o recesso para ficar bonito na fotografia é sintomático para quem olha o próprio umbigo e suas mesquinharias do poder. Matar o recesso em julho não mudará, acredite presidente, a imagem dos vereadores. É preciso muito mais do que medidas que tentem acalmar a torcida.
Aliás, o presidente da Casa também disse à imprensa que o fim do recesso teria, entre outros objetivos, moralizar o Poder Legislativo. Ele poderia nos informar, então, onde reside a imoralidade?
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Cansado, exausto, farto
O som escapa pelos dedos. Os ruídos da cidade retomam a rotina. Buzinas, pés apressados, irritações individuais, problemas urgentes. Os gritos somem aos poucos. As faixas desaparecem. As reivindicações se diluem nas palavras padronizadas e vazias de quem torceu da arquibancada para que tudo fosse como antes.
É impossível não ter raiva. É impossível não engolir a seco a frustração de quem fez 1 a 0 e não soube ampliar a vantagem. É impossível não se desiludir quando a inércia esmagou a mudança porque não se soube dar o segundo passo. A pressão pelo basta se dissolveu em questões mesquinhas. A criança arrombou a loja de doces e não entendeu o que poderia comer e muito menos o que poderia levar para casa.
Ver os fatos sendo apagados por conta de factóides, construídos por velhos métodos de antigos caciques, me provoca cansaço. Tira-me a vontade de racionalizar para compreender. Assassina o desejo de ler o todo, quando enxergo no horizonte da próxima esquina a velha frase pintada na manchete: “Jogamos como nunca, perdemos como sempre.”
Honestamente, estou cansado de ser educado com vagabundos que sorriem por cima de suas gravatas importadas. Vagabundos que decoram palavrórios que se encaixam em qualquer situação. Discorrem sobre assuntos que não conhecem, sobre cenários que nunca frequentaram, sobre pessoas que os deixam enojados só de pensar nelas.
Vagabundos que vomitam projetos e ideias natimortas, sem a cara de espanto de quem deveria ser exposto como fraude. Vadios que me fazem trabalhar um terço do ano para pagar impostos. Vadios que gargalham de instituições que deveriam investigá-los e provar, como qualquer criança de dez anos faria com matemática elementar, que ganham muito menos em comparação ao que ostentam. Criminosos que desfilam e esfregam na minha cara o que compraram com meu dinheiro.
Estou exausto de ler, ouvir e testemunhar episódios de uma política fla-flu, que se sustenta e se esvazia em práticas gêmeas, de duas instituições partidárias que navegam para se agarrar na próxima boia de privilégios e mamatas que só o poder concede. Cansa observar que a vida pública corroeu e reduziu as conversas ao slogan “se você não está comigo, está contra mim.”
Estou farto de assistir aos bajuladores que se penduram no saco alheio antes do bajulado respirar, quanto mais espirrar. Gente que se agarra em cargos porque está viciado em não se mover e ganhar pela inoperância. Gente que distorce o quanto for possível para construir e alimentar bonecos de terno nascidos em ficção científica. Bonecos que repetem mantras sem caráter quando apertamos seus braços, que recitam o papo furado de uma realidade inexistente.
Sinto náuseas ao ouvir – como um disco quebrado – as promessas da revolução que nasce e morre no boteco. As palavras que brotaram da meia dúzia de livros mal lidos e adaptados às migalhas de um poderzinho que só funciona até a terceira garrafa. A revolução que segue na sala escura, atrelada a tempos mortos, que se molda na cadeira do poder e encena por a mão nas feridas sociais multiplicadas como tumores, enquanto se aplicam doses suaves de gotinhas contra gripe.
Mergulho na vergonha alheia ao acompanhar coleguinhas falando de um mundo que não existe além do shopping center. Jornalistas que mastigam rótulos que mal resolvem as leituras do que acontece ao redor. Jornalistas que, por incompetência ou apego ao status que nunca terão, mudam de ponto de vista a cada manchete e apontam o dedo como carrascos ou juízes por direito adquirido. Ficam contentes em virar o leme para onde a correnteza indica, mesmo que o vento aponte a tempestade na próxima curva do rio.
Estou cansado de apostar no próximo fio desencapado que alteraria a trama em que vivemos. Exausto por acreditar e me ver enganado outra vez porque apostei em fantasias. Farto em defender o que poderia nos conduzir a outras histórias, olhar para os lados e notar que o prato do dia é a próxima promoção do supermercado, a próxima liquidação da coleção de inverno da boutique do bairro.
Confesso, pronto. Acreditei em novos ares no último mês. Talvez seja o desabafo momentâneo de vestiário, antes da volta para o segundo tempo. Ainda creio numa mudança. Quem sabe o otimismo tente penetrar no cínico?
O otimismo, mesmo cambaleante, tem limites. Desconfiança de si mesmo e do cenário pela janela ou na rua, não sei. Esperança, tomara que não.
segunda-feira, 1 de julho de 2013
O PT está morto!
O PT morreu. É um cadáver que se transformou em páginas de memória recente, em lembranças que nos conduzem ao século passado. O PT das greves do ABC. O PT das Diretas Já, testemunha ocular da redemocratização. O partido que se envolveu com os caras-pintadas, símbolo da morte momentânea de um caçador de marajás e piloto de jet-ski.
Os protestos das últimas três semanas enterraram, em definitivo, a velha estrela vermelha. E deu forma definitiva e assumida da nova versão, morta-viva, que suga o que pode – e o que não deveria – para se perpetuar no poder.
O PT de hoje é cúmplice de quem bate em manifestantes. O PT no governo não dialoga, somente sussurra para os movimentos sociais. É um partido que permitiu que suas lideranças mergulhassem até o fundo em alianças lamacentas e tóxicas com outras legendas em decomposição.
O PT de hoje tem ministros que sugerem as forças nacionais para acuar o que vê como vândalos e sua lista de reivindicações. Baderneiros que – um dia – pertenceram à agenda pública de quem compactua com o porrete no lombo de estudantes.
A militância jovem do PT foi a exceção, mas teve que esconder suas bandeiras nas ruas para não pagar o preço dos velhos caciques, que hoje – pelas atitudes – mais se parecem com generais de pijama. São semelhantes na fala, no olhar sobre o mundo e nas reações diante do imprevisto.
A direção do partido, por sinal, só autorizou a presença da militância e o abraço à causa quando a tarifa de ônibus foi reduzida em São Paulo. Nada mais petulante do que “autorizar” que as pessoas compareçam às ruas para romper o silêncio. Não é coisa de partido do outro extremo político? Depois, é sintoma de quem optou pelo pragmatismo dos acordos nocivos ao país.
O PT de tempos atuais aceita – e defende com tom mais elevado de voz – que Guilherme Afif Domingos seja ministro. O mesmo sujeito é filiado ao PSD de Gilberto Kassab e vice-governador de São Paulo. Mais do que tolerar, o PT abraça e sorri ao lado de Maluf, Sarney, o próprio Collor e Michel Temer.
O líder máximo do partido, um ex-presidente cuja barba simbolizava o pensamento de uma corrente, emudeceu. Por qué no hablas, poderia pedir o rei da Espanha? Luiz Inácio não se manifesta justamente quando a hora é de se expor e defender o rebanho. Lula, pelo contrário, jogou a ovelha-mor aos leões, talvez de olho no retorno à cadeira principal da capital federal.
Um ex-presidente pediu, certa vez, que esquecessem o que ele escreveu. A atual presidente dá a impressão que solicita, a todos nós, que esqueçamos o passado dela. Dilma Rousseff fala na TV como uma antiga matrona, que autoriza a bagunça, mas dá o pito: “Sem arruaças!” Ela mal fala de questões sociais. O discurso é quase sempre economicista, como se este fosse o único ângulo de análise dos problemas nacionais.
O PT de hoje caminha com um zumbi, na busca dormente por onde está o alimento. A carne crua da política dos esgotos. O partido, que esmaga as vozes descontentes de sua militância, se tornou o espelho de quem mais criticava. Abriu tanto a boca, que provou do veneno. E gostou!
Hoje, PSDB e PT se parecem irmãos siameses. Basta ouvir o discurso dos caciques. Pautas parecidas, perspectivas semelhantes. Governantes que discursam em conjunto para resistir contra o clamor popular. Governantes que só respondem quando sentem o gosto azedo vindo das urnas eletrônicas.
Dizem que o PT morreu com o mensalão. Mas ainda havia pulsação em quadros importantes, revoltados com seus líderes. Acabaram calados ou expulsos. Para eles, era possível sentir o cheiro de podre de um moribundo.
O PT morreu e não notou. Vaga pelos corredores do poder como um morto-vivo, incapaz de descansar e permitir a reencarnação de novos horizontes, infelizmente pouco provável em tempos de protestos nas ruas.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
O mau pagador de promessas
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A beleza do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) |
Quando Geraldo Alckmin e Fernando Haddad anunciaram o retorno da passagem de ônibus a R$ 3 na capital, ambos usaram – quase um coral – a palavra sacrifício. Só faltou se abraçarem, apesar de que a jura de amor aconteceu nos discursos, quase sempre afinados nas últimas duas semanas, desde que começaram os protestos em São Paulo.
Se é possível dizer que os dois demoraram a entender o que se passava em seus territórios, também é cristalino perceber que o governador saiu tão queimado das manifestações como os ônibus atacados por uma minoria. Aliás, este grupo pequeno pode ser chamado de vândalo, e não a grande massa de pessoas, desqualificadas pelo Governo como cidadãs e reintituladas baderneiras na semana passada, com apoio de parte da imprensa servil.
Alckmin, como todo governante, desmereceu o grito da população para depois sussurrar a contraordem diante de um cenário político desfavorável. De cara, mandou a polícia descer o porrete nos manifestantes, relembrando os anos de chumbo. Uma das diferenças eram as balas de borracha, que também podem matar, deveria saber o médico que administra o Estado.
Diante dos cassetetes da política, Alckmin recuou e pediu que a polícia apenas observasse o que se passava nas ruas. De fato, o governador pagou para ver e talvez sinta o preço de sua aposta equivocada daqui a 15 meses, quando tentará a reeleição.
O auge da soberba de Geraldo Alckmin aconteceu na quinta-feira retrasada, quando Santos se transformou em capital das promessas por conta das comemorações do aniversário de José Bonifácio. O governador não só fez uma lista de juramentos como também tentou ignorar o barril de pólvora que se transformava a capital paulista.
Entre as promessas, a construção de Unidade Básica de Saúde em Santos, de um Centro de Referência ao Idoso na mesma cidade, a instalação de uma unidade do Bom Prato em Vicente de Carvalho e a construção de um Posto de Atendimento ao Trabalhador em São Vicente. No caso do PAT, a obra começaria somente em 2015, quando talvez o governador seja outro sujeito. O repórter Alessio Venturelli, de A Tribuna, procurou todas as Prefeituras correspondentes, além do próprio Governo do Estado. Não há algo concreto, entre projetos, custos e prazos de entrega das obras.
No Twitter, rede social bastante utilizada por Alckmin e sua equipe, nenhuma palavra sobre o que acontecia em São Paulo. Apenas a divulgação das promessas de obras na Baixada Santista. Na última mensagem antes do boa noite, os cumprimentos pelo aniversário da cidade de Guaratinguetá, enquanto os PMs cumprimentavam jovens com suas bombas de efeito para quem julgam imorais.
A promessa pirotécnica ocorreu em 29 de maio. Geraldo Alckmin esteve em Santos para dar início às obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), moeda de troca na política local há quase 20 anos. Com toda pompa, circunstância e puxa-sacos, o governador deu o primeiro toque de maquiagem. Desde então, as obras oscilam entre a paralisação e o ato de rastejar na avenida Conselheiro Nébias. Basta passar lá e testemunhar o segurança que toma conta dos equipamentos.
As obras fantasmas do VLT não deveriam deixar ninguém de queixo caído. É de praxe o atraso de obras públicas, não importa a cor do partido do governante. Mas, no caso das lideranças do PSDB, há uma nota de rodapé marcada pelo patético. Em março de 2010, o então candidato à presidência da República, José Serra, veio a Santos inaugurar a maquete da ponte entre Santos e Guarujá.
Um ano depois, o próprio Alckmin pediu reestudo do projeto, sinônimo da gaveta do esquecimento. Depois de enterrar a ideia, a maquete foi para o lixo. Qual seria a diferença entre inaugurar uma maquete e uma obra que se arrasta? A prática mostra um rosário de semelhanças e de promessas.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
O efeito colateral
O deputado federal Marco Feliciano é muito bom no que faz. Ele não só resiste há quase quatro meses à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, como também mostra que sabe como poucos navegar nos intestinos da política do Congresso Nacional. E sem sujar os cabelos artificialmente alisados.
Marco Feliciano sempre foi um parlamentar de baixo clero e reage às provocações como anão de jardim, nas sombras, mordendo o osso no descanso dos cachorros grandes. O deputado paulista nunca se envolveu em questões centrais da política e da economia, assuntos que dominam as conversas entre os leões do Poder Legislativo. Sobraram para ele pautas sociais e culturais, essenciais para a sociedade brasileira em seu cotidiano, mas desimportantes e ignoradas pela Casa.
Feliciano entende com clareza as regras do purgatório. Ele não está na presidência da Comissão por seus méritos, e sim pelo que e a quem representa, para rezar um verbo da moda. O deputado pertence a um partido nanico, PSC, irrelevante para as decisões centrais da macropolítica, mas que compõe a horda de legendas sanguessugas que gravitam em torno do PT ou de quem estiver sentado na cadeira do Palácio do Planalto.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, infelizmente, é moeda de troca, de baixo valor no mercado das alianças. Tanto que o Partido dos Trabalhadores, tradicional controlador da comissão, abriu mão dela para um partido inexpressivo, ávido por mergulhar no pequeno poder. Os deputados, na prática, pouco se envolvem em assuntos das chamadas minorias. Uns preferem flutuar com a maré da pauta principal. Outros sequer sabem que tais problemas sociais existem.
Marco Feliciano pode ser homofóbico, intolerante e racista, mas não é um idiota. O parlamentar paulista cresceu dentro de um arco religioso tão grande quanto diverso, principalmente na região de Orlândia e Presidente Prudente, no interior de São Paulo. Nada mais distante da grande imprensa paulista, sempre focada no próprio umbigo – em outras palavras, na política da capital – e que o desconhecia até que os estragos estivessem em curso.
Pastor, conferencista e empresário, como se apresenta no site da Câmara, Feliciano teve 212 mil votos. Foi o deputado mais votado da bancada da Bíblia e o 12º dos 70 parlamentares por São Paulo. Esses números também indicam como ele tem noção exata de onde se encontra nos intestinos dos acordos políticos.
Marco Feliciano está lá porque representa, sim, muita gente. E que são cúmplices, co-responsáveis pelas sandices em uma comissão que deveria merecer mais holofotes pela relevância de sua agenda.
A esperteza do presidente da Comissão ficou clara com a aprovação do projeto que autoriza psicólogos a tratarem a homossexualidade; no rótulo, a “cura gay”. Feliciano aproveitou mais uma brecha nas lacunas da fiscalização do poder. O cochilo e o cansaço habituais de quem acompanha tantas ações ao mesmo tempo no parlamento brasileiro.
A “cura gay” passou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias no vácuo entre bandeiras, gritos de guerra e outros movimentos dos protestos pelo país. Uma piscadela para o lado e ele deu o bote, mesmo sabendo que a proposta não seguirá adiante. Ainda faltam duas comissões, uma delas onde o deputado é mero figurante, a de Comissão e Justiça, para que a “cura gay” alcance o plenário.
Independentemente disso, Marco Feliciano já acariciou seu curral eleitoral e religioso, contou com o silêncio dos colegas de bancada da Bíblia e, na prática, ganhou o respeito e a conivência de parte da sociedade. De fato, muitas pessoas ainda compreendem a opção sexual como doença e/ou como desvio de caráter, passível de consertos comportamentais, do uso da prostituta à surra e – quem sabe? – terapia, internação e medicamentos.
As pressões populares, provavelmente, provocarão a morte por inanição do projeto da “cura gay”. O assunto voltou à vitrine dentro do pacote de protestos nas ruas, para tristeza de quem usa o registro no Conselho Federal de Psicologia para exercitar o preconceito e o desprezo pelo outro dentro de um consultório.
Mas não podemos incorrer no pecado da soberba: Marco Feliciano e a turma que abusa da fé em benefício próprio mal começaram a operar seus milagres. Eles são bons no que fazem.
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Oportunidade passageira
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou nesta segunda-feira que não haverá aumento nos pedágios das rodovias estaduais. Imagine mais caro do que já é, R$ 21,20 por 70 quilômetros de estrada, no sistema Anchieta-Imigrantes?
Alckmin cancelou também o reajuste na travessia de balsas entre Santos e Guarujá. Os contratos preveem aumento das tarifas todos os anos, sempre em 1º de julho, a partir da inflação. Este ano, o reajuste seria de aproximadamente 6,5%.
Alckmin negou que a medida tivesse caráter populista e que fazia parte de estudos, que incluem a revisão dos contratos. A declaração soou como piada pronta diante do óbvio: os protestos que paralisaram diversas rodovias nos últimos dias. Na política, como os políticos estão carecas de saber, com o perdão do trocadilho ao governador, não existem coincidências. Existem oportunidades. Ou oportunismo, dependendo do ângulo de cá de análise.
A Baixada Santista também seguiu o mesmo caminho do morde e assopra. Santos congelou as passagens até março de 2014, salvo algum acontecimento extraordinário. A expressão é tão vaga quanto à crença de que não há relação com as manifestações na cidade.
Peruíbe e Bertioga também mantiveram as tarifas em R$ 2,20 e R$ 2,80, respectivamente. Praia Grande reduziu a tarifa para R$ 2,90, que chegou a R$ 3,20 em março. Guarujá, para R$ 2,80. Antes, custava R$ 2,90.
Cubatão, onde aconteceram violentos protestos na semana passada, estuda revisar o valor da tarifa de R$ 3,10. Aliás, mais cara do que em São Paulo, município um bocadinho maior, como diria a ironia dos mineiros.
Itanhaém também fala em revisão. Hoje, a tarifa custa R$ 2,70. As Prefeitura de São Vicente e Mongaguá ainda não se manifestaram.
Das semelhanças entre as cidades da região, a primeira é a retórica dos prefeitos, que repetem o mantra de que precisam estudar as planilhas de custos, documentos tão confidenciais quanto a papelada anti-terror do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. É uma caixa preta.
A outra ideia é que investimentos serão sacrificados, para usar as palavras de Alckmin e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Sacrifício? Mais ainda, diante de um serviço ruim e desrespeitoso ao cidadão. E quais investimentos seriam estes?
As respostas da classe política me levam a pensar em dois pontos fundamentais. O primeiro é que ninguém abriu a boca para falar nas linhas intermunicipais, que sofreram aumento recentemente. Cobrar de quem? É fundamental pressionar a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), responsável pela regulação do setor.
As tarifas de ônibus intermunicipais são de responsabilidade do Governo do Estado. Novamente, voltamos à figura do governador, que se mantém em silêncio sobre o assunto, inclusive quando veio brincar de capital do Estado em Santos, enquanto o couro comia solto na capital de fato. A lógica recente indica que é preciso ocupar as ruas para que Alckmin saia da inércia.
Boa parte dos moradores da região necessita de ônibus intermunicipais, cujas linhas em Santos, São Vicente, Cubatão e Praia Grande estão nas mãos da Viação Piracicabana. Até agora, a companhia se manteve muda. Só se mexeu quando houve incêndios e protestos. O que fez? Tirou a frota das ruas em São Vicente e Cubatão. A EMTU, onde estava?
Além disso, os políticos adoram encher a boca para falar em Região Metropolitana da Baixada Santista. O termo é gasto ao extremo em eventos e outras reuniões que nunca resultam em ações públicas. Os prefeitos se revezam no Conselho de Desenvolvimento, aos olhos da Agência Metropolitana, tão insossa quanto às reuniões entre os administradores municipais, que discursam em conjunto e trabalham somente no próprio quintal.
Um exemplo da lentidão reflexiva da classe política é Santos. O prefeito Paulo Alexandre Barbosa anunciou, como ato reflexo, a criação de um Comitê para discutir o transporte público. Historicamente, comitês servem para agendar comissões, que marcam outras reuniões. Tais encontros resultam no agendamento de mais reuniões.
A ciranda é previsível, diante da postura dos administradores municipais, que não tiram as vistas do termômetro político e, assim, pautam seus passos. Depois, fazem cara de espanto, mordem os lábios e dizem não entender o que acontece nas ruas.
Observação: A EMTU anunciou na tarde desta segunda-feira que vai reduzir o valor da passagem nas linhas intermunicipais no Grande ABC (R$ 0,20) e na Baixada Santista (R$ 0,15). As novas tarifas começam a valer em julho.
sábado, 22 de junho de 2013
Tempo de desconfiar
Depois de duas semanas, os protestos em todo o país só podem nos indicar duas certezas. A primeira delas é que os políticos recuaram – ou sentiram o cheiro da oportunidade – e reduziram as tarifas de ônibus em dezenas de cidades brasileiras.
A segunda certeza aponta que as manifestações atraíram diversos grupos, muitos deles dispostos a embarcar no trem e tomar para si a paternidade de uma criança que, acima de tudo, nasceu de inseminação coletiva.
Fora isso, é fundamental desconfiarmos dos próximos capítulos de uma história em construção. Precisamos duvidar, acima de tudo, dos governantes e de suas ações. O exemplo começa pelo topo da cadeia predatória, na Presidência da República. Dilma Rousseff consultou o marqueteiro responsável pela campanha dela. Nada mais sintomático do que pensar, palavra por palavra, em mecanismos para evitar maiores arranhões no produto; aliás, Governo e sua candidata.
Devemos duvidar do discurso de Dilma, que requenta velhos trololós quando o assunto é reforma política e apoio aos protestos pelo país. Como esperar alterações sem que as alianças que sustentam o governo no Congresso Nacional sejam rompidas? Como acreditar em modificações substanciais no sistema político de tomaladacá, se dois partidos – PT e PSDB -, mais o volúvel PMDB estão atolados até a alma em acordos de governança e distribuição de cargos?
A presidente cozinhou pautas gastas como os royalties do petróleo para a educação. O Governo Federal ignorou solenemente as propostas que surgiram no Poder Legislativo. Por que resolveu discutir somente agora um plano de mobilidade urbana? Tivemos seis anos para isso por conta da Copa do Mundo e nada foi feito.
Com que desfaçatez falar em transparência de gastos públicos se somos bombardeados todas as semanas com a farra das obras do Mundial de Futebol? O custo do Estádio Mané Garrincha, por exemplo, passou de R$ 1,7 bilhão, numa cidade que mal tem um campeonato profissional. O anjo de pernas tortas, se soubesse, talvez driblasse tal homenagem.
Como acreditar em transparência quando o Gabinete de Dilma proíbe a divulgação dos gastos nas viagens presidenciais?
Precisamos colocar em xeque as razões que levam a imprensa e outras instituições e movimentos a apoiar as manifestações pelo país. No próximo ano, teremos as eleições e não devemos nos esquecer que cada passo é calculado com os olhos vidrados em outubro de 2014.
Vi, por exemplo, na minha cidade, Santos, a Prefeitura anunciar congelamento da tarifa em R$ 2,90. Inicialmente, não havia prazo definido. Depois, a informação é que o preço será mantido até março de 2014, salvo mudanças bruscas, seja lá o que signifique tal expressão.
Aproveitando a ocasião, o presidente da CET, Antônio Carlos Gonçalves, fez questão de salientar uma lista de melhorias recentes no transporte coletivo, como Internet e ar-condicionado em alguns coletivos.
É claro que o presidente da empresa, há 16 anos e meio no Governo, não colocou em discussão o monopólio da companhia de transporte, mais a falta de pontualidade, o excesso de trabalho dos motoristas e a medida controversa que proíbe o uso de dinheiro nos veículos.
Na Câmara Municipal, os vereadores resolveram criar uma Comissão Especial para investigar o transporte coletivo. Na semana passada, alguns dos parlamentares, além de tentar esvaziar a comissão, diziam que os protestos não cabiam na cidade porque não houve aumento nas linhas municipais.
Agora, os vereadores – poucos, na verdade - resolveram acompanhar de perto nas ruas. Será que entenderam o que se passava? Ou fingiram entender de olho em mais uma oportunidade? As CEVs, como são chamadas por aqui, chegam a cem em um único ano, inclusive com sobreposição de temas. Os resultados beiram a inércia, salvo uma ou outra exceção.
É a hora de se desconfiar de quem defende a ausência absoluta de partidos políticos neste processo histórico. Associar-se a partidos faz parte dos direitos humanos. Precisamos, de fato, reformulá-los, sacudir um modelo que permite mais de 30 siglas, quase todas em prol de uma minoria sanguessuga que se sustenta pela costura de alianças, pela articulação de conchavos (aliás, articular é o verbo perfeito quando não querem solucionar coisa alguma).
Os partidos indicariam, em tese, uma visão pluralista de qualquer cenário. A ausência deles nos conduziria a um olhar totalitário, de pensamento único diante do processo político. A História do século XX está recheada de exemplos, nos dois extremos. É claro que os partidos brasileiros pouco se importam com o pensamento alheio e, por isso, devem se cobrados com veemência.
Precisamos colocar os dois pés atrás com aqueles que defendem de maneira unilateral a violência. Parece-me um ato de egoísmo, de quem vira as costas para a coletividade e suas reflexões de mudança. No fundo, representam a torcida pelo caos e pelo insucesso dos governos atuais, em parte babando pelo desejo de ocupar a vaga.
A destruição de patrimônio público, incluindo serviços de transporte coletivo, soa como estupidez pelo simples fato de prejudicar justamente quem mais necessita deles no dia seguinte. E muitos destes necessitados são tratados como gado, que sonham pelo consumo e se alimentam pelas migalhas de políticas sociais com prazo de validade de quatro anos.
Os vândalos realmente acreditam que a classe política utiliza serviços públicos e o quebra-quebra serve para puni-la? Ou representa a visão ingênua de que o público é de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém?
Não devemos engolir com facilidade certos slogans de origem publicitária. Francamente, o gigante não acordou. No máximo, abriu os olhos, mas ainda segue entubado, necessitado de injeções cavalares e contínuas de cidadania para se levantar. Ou, no mínimo, sentar-se na cama. O tratamento é longo, diante de uma enfermidade que o acometeu por cinco séculos, salvo alguns instantes de lucidez, o último deles há 21 anos.
É fundamental desconfiar de quem pensa que o movimento acabou. O segundo passo é essencial, a construção de uma pauta de reivindicações, baseada numa espinha dorsal nacional. Nacional, e não nacionalista.
Cada localidade necessita definir o que deseja de seus governantes. Os movimentos organizados devem crescer, envolver as instituições e canalizar ideias para, principalmente, definir uma agenda de cobranças públicas. No microcosmo, aparentemente é mais fácil.
A pressão não deve cessar. A batalha mal começou. Ficou mais do que provado, com um milhão de pessoas nas ruas, que a classe política sempre soube o que deveria ser feito, mas só se mexe quando a seringa se aproxima de suas veias. Ou da urna, seja a anatômica, seja a eleitoral?
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