quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Osasco somos nós!


Quando criança, me lembro de uma vizinha – uns 10 anos mais velha do que eu – que tocou a campainha de casa para pedir à minha mãe uma xícara de açúcar. E qualquer barulho mais forte no prédio significava portas abrindo e vizinhos procurando o problema, seja para resolvê-lo, seja para fofocar sobre ele.

Hoje, muitos de meus vizinhos se esforçam para soltar grunhidos quando cruzamos na escadaria ou no corredor principal do prédio onde moro. Na madrugada, qualquer som mais forte ou repentino não provoca reações. Apenas ouvimos atônitos, viramos para o lado e retomamos o sono. Desconfio que as paredes ficaram mais grossas ou que prevaleceram os produtos zero e as dietas contra o açúcar.

Estamos em guerra! Vivemos um conflito que fingimos ser invisível ou silencioso. Um combate que não tem nada a ver conosco, pois ocorre em outros edifícios, ou melhor, em terras distantes, reinos que muitos só visitam pela televisão, nos programas de final de tarde.

As chacinas na Grande São Paulo, particularmente em Osasco e Barueri, vem desaparecendo com discrição do noticiário. Quase ninguém investiga, fica a impressão de que o assunto perdeu a relevância. Isso em um país que registra 50 mil assassinatos por ano. Desde a Segunda Guerra Mundial, só Ruanda – com um genocídio de 800 mil pessoas em 100 dias (números oficiais) – conseguiu ser mais violenta.

O número de chacinas dobrou no Estado de São Paulo em 2015. Foram 10 chacinas, com 38 mortos. Lembre-se de que, para ser chacina, são necessários três assassinatos no mesmo local. O número de mortos, também não se esqueça, aumentou três vezes. Dados extra-oficiais, como da Ponte, agência independente de Jornalismo, falam em 72 corpos. Não importa a matemática; casos assim seriam alvo de investigação internacional.

No entanto, o Governo do Estado prefere brincar de faroeste. E muitos jornalistas engolem a bravata. Enquanto o governador Geraldo Alckmin posa de xerife, estipula recompensa e insinua que se trata de uma ação isolada, muitos jornalistas são rápidos em estender o microfone e o gravador, e cegos em enxergar as histórias das vítimas e daqueles que ficaram para carregar os caixões.

Tudo se resume à ausência de passagens de polícia. Números e falta de humanos, seus nomes, suas trajetórias. E o governador, o mesmo que negou a falta de d´água e ignorou as reivindicações dos professores, adota o silêncio na bagunça da segurança pública.

É perfeitamente compreensível pedir ajuda aos cowboys. 90% dos homicídios no Estado de São Paulo não tem o autor identificado. A Polícia Técnica vive à míngua. Em Osasco, por exemplo, o Instituto Médico Legal levou 12 horas e meia para chegar ao local de uma das chacinas.

Na Polícia Militar, existem pilhas de casos de policiais que sofrem de problemas de saúde mental diante das pressões do trabalho. No outro lado da corda, PMs matam e morrem – em serviço ou não - como saldos de uma guerra negada. Em 2015, 11 policiais morreram. 358 pessoas foram mortas pelas Polícias Civil e Militar, segundo a Folha de S.Paulo.

No ano passado, 926 pessoas foram mortas pela PM – uma a cada 10 horas. 72 policiais morreram. O ano de 2014, em números, foi o mais violento desde 1995, quando o Governo do Estado passou a divulgar as estatísticas com regularidade.

Não basta somente esclarecer as chacinas de Osasco e Barueri, como disse Alckmin. É como detectar o barulho no vizinho e voltar a dormir, à espera de novos sons saltitantes. Às vezes, pode-se fingir que era o barulho da geladeira. Mas não dá para negar quando várias campainhas tocam ao mesmo tempo, por conta de gritos, de tiros, de sangue a ser lavado na calçada, como naquele bar de Osasco.

sábado, 15 de agosto de 2015

Quanto valem os partidos?




Marcus Vinicius Batista

Em democracias mais maduras, partidos ainda são capazes de representar um conjunto de ideias e construir uma agenda de propostas, a serem seguidas por seus políticos com mandato. Em democracias mais jovens e pouco confiáveis, partidos atendem às desconfianças do eleitor, da imprensa e da própria classe política, que os vê como portos provisórios para projetos individuais, quando não como legendas de aluguel.

O eleitor, bobo só de vez em quando, sabe disso e – quase sempre – vota em pessoas, e não em siglas partidárias. Até porque, em um país com 34 partidos, as próprias legendas nada cumprem o que esbravejam ou sussurram.

A eleição para a presidência da Câmara de Santos simbolizou o carnaval partidário brasileiro. O vereador Manoel Constantino, do PMDB, foi eleito com 14 votos. Era candidato único. Sete vereadores não votaram e, portanto, não houve abstenções.

A votação coroou o teatro político da semana. Embora ninguém fale abertamente, a costura já estava pronta quando o ex-presidente Marcus de Rosis foi enterrado. Na segunda-feira, dois dias depois da morte do vereador, 12 vereadores anunciaram a escolha de Constantino como novo presidente do Legislativo. Ele havia presidido a casa em 2011/2012.

O outro parlamentar do PMDB, Antônio Carlos Banha Joaquim, não fazia parte do time. Chiou, mas votou em favor do colega na quinta-feira. Hugo Dupreé, do PSDB, integrava o grupo, ignorou os colegas de partido e confirmou seu voto em Constantino.

O problema é que os demais parlamentares tucanos, mais os do PR, reclamaram que não foram consultados da “eleição” antecipada de segunda-feira e se retiraram do plenário antes da votação. Mas não apresentaram uma alternativa ao longo da semana.

A bagunça se estende nas relações com o Poder Executivo. O PMDB é da base aliada do governo Paulo Alexandre Barbosa e se sabe que De Rosis sonhava com uma candidatura à vice-prefeito em 2016. Ou, pelo menos, um representante do PMDB. Agora, a ideia perde impacto e outros jogadores mostrarão as cartas. Entre os vereadores, os que votaram e os que saíram do plenário, pode ter certeza, haverá paz em breve.

A morte de Marcus de Rosis, na prática, faz com que o PMDB, que teve dois dos cinco prefeitos anteriores à Paulo Alexandre, fique ainda mais fraco. Constantino é o vereador mais antigo, é visto como conciliador, mas não poderá fazer verão sozinho diante da saída de tantos militantes.

A vaga de Marcus de Rosis reforça a fragilidade do sistema partidário. Geonísio Pereira Aguiar, o Boquinha, seria o primeiro suplente. Mas, com o final do governo Papa, voou para o lado de quem venceu. Ele pleiteou a vaga, mas perdeu provisoriamente o lugar para Fabio Duarte, hoje sem partido.

Duarte assumiu com uma liminar nos braços, alegando infidelidade partidária de Boquinha. Duarte ficaria com a vaga por ser do PSD, que integrava a coligação. Mas, como é PM, não pode ser filiado a partidos, exceto em períodos eleitorais. O segundo suplente, Fabiano da Farmácia, está hoje no PHS.

Diante de uma briga jurídica, quem perde é o PMDB. O partido perdeu, de fato, um vereador, pois qualquer um dos substitutos não têm vínculos com a sigla. O PMDB, que protagonizou as lutas políticas da cidade no século passado, hoje é um desenho nítido do que se transformaram os partidos, principalmente pelas ações dos próprios políticos.

E olha que nem mencionei as relações entre PT e PMDB no Governo Federal e na Câmara dos Deputados, sob as asas de Eduardo Cunha.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O político clássico

O ex-presidente da Câmara de Santos, Marcus de Rosis
Marcus Vinicius Batista

O ex-presidente da Câmara de Santos, Marcus de Rosis, tinha o perfil clássico do político. O vereador, falecido no último sábado, reunia uma série de características comuns aos parlamentares da velha escola. Não é o caso de entrar no mérito de suas gestões como comandante do Poder Legislativo nem endeusá-lo, como se faz usualmente quando há a morte de uma liderança, e sim tentar compreender qual papel ele exercia dentro do contexto político contemporâneo da cidade.

De Rosis tem a herança genética, a exemplo dos Barbosas, Franças e Bargieris. Ele era filho do ex-vereador Oswaldo De Rosis, que dá nome ao plenário da Câmara Municipal; aliás, nome escolhido pelo próprio Marcus. Como em muitos casos na Baixada Santista, o filho perpetua a carreira do pai.

Marcus de Rosis tornou-se vereador aos 28 anos e presidiu o parlamento de Santos pela primeira vez, aos 33. Foi o mais jovem presidente da história da cidade. Ele não era um político da velha escola somente pela longevidade como vereador – cumpria o sexto mandato e, provavelmente, se candidataria para o sétimo -, mas também porque foi picado pela mosca azul, gíria para os políticos sempre próximos do poder.

Ninguém se sustenta como presidente do Poder Legislativo por tanto tempo à toa, sem a capacidade de transitar pelos diversos órgãos do corpo que movimenta a política. Embora tivesse um temperamento explosivo, traduzido pela fala em tom mais elevado, Marcus de Rosis era o articulador clássico. Sabia costurar uma aliança, com amigos e adversários. Elegeu-se, por exemplo, presidente da Câmara pela última vez com 18 votos, de colegas de sete partidos, inclusive do PT.

O lado temperamental aflorava nos debates histéricos no plenário, como as brigas com a então vereadora Cassandra Maroni Nunes, do PT. Discussões que entraram para a história e o folclore da política recente.

De Rosis também soube canalizar para si o foco das relações com o Poder Executivo. Representou o governo Papa no Legislativo, assim como manteve o nível das relações com o atual prefeito, Paulo Alexandre Barbosa. Por conta disso, chegou a ocupar a secretaria de Esportes na gestão Beto Mansur e tinha voz ativa na composição de uma aliança com o PSDB para as eleições de 2016. O PMDB lutava para indicar o vice-prefeito.

O ex-presidente da Câmara era, como manda a cartilha da escola tradicional, um homem de partido. Filiou-se ao PMDB no tempo em que Oswaldo Justo não apenas era prefeito, como o homem-forte da sigla. De Rosis resistiu como uma das últimas lideranças de um partido enfraquecido, mesmo depois da saída de Papa e da debandada de muitos militantes para a terra dos tucanos.

Como adepto do estilo antigo, Marcus de Rosis havia se adaptado ao novo cenário, sem abandonar as velhas teorias. De vez em quando, ao se sentir preterido, ele esbravejava publicamente e nasciam os boatos de que o PMDB poderia ter candidato próprio ou até lançar o próprio De Rosis à Prefeitura. Os balões de ensaio se quebravam quando ele conseguia o que desejava e a gritaria esvaziava em palavras de conciliação.

Quem acompanha política sabe que até poderia haver o sonho de ser prefeito, mas De Rosis jamais embarcaria numa aventura, com o risco de perder o lugar onde cresceu e se desenvolveu na política, a Câmara Municipal. Ali, ele praticava outro tipo de poder, capaz de diálogos horizontais com o Poder Executivo e obter ganhos secundários em termos políticos.

Marcus de Rosis também carregava outra característica comum aos políticos que nasceram eleitoralmente no século 20. O ex-presidente da Câmara estendia seu exercício político para o futebol, outra esfera em que se misturam paixão e poder, arquibancada e plenário. De Rosis, irmão do ex-jogador Rui, presidiu a Portuguesa Santista no início dos anos 90, época do retorno ao futebol profissional.

A partir de quinta-feira, a Câmara de Santos terá novo presidente. 12 vereadores se comprometeram a votar em Manoel Constantino, outro político da velha guarda, com três décadas de Legislativo. O tom de voz pode diminuir em plenário, mas o jeito de fazer política se manterá nos mesmos decibéis.


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Por que estupramos?

Mulheres indianas protestam contra a cultura do estupro

Marcus Vinicius Batista

O Tribunal de Justiça de São Paulo não aceitou recurso e manteve a condenação de um homem, na semana passada, por sucessivos crimes de estupro. O sujeito, cujo nome não pode ser divulgado por segredo de Justiça, estuprou a filha durante 18 anos. A sentença foi de dez anos e nove meses de prisão.

Pai e filha moram no Guarujá. Do relacionamento que o desembargador Luis Soares de Mello considerou “verdadeira escravidão sexual”, nasceram três filhos-netos, dois meninos e uma menina, conforme comprovação de paternidade por exame de DNA.

A violência sexual aconteceu entre 1991 e 2008. A defesa do réu pedia prescrição dos crimes. Em parte, conseguiu. Os abusos sexuais entre 1991 e 1995 foram prescritos, como se fizesse alguma diferença. Os estupros, de acordo com relatos da vítima no processo, começaram quando ela estava com 16 anos. O pai alegou também que o relacionamento era consensual.

O horror não terminou aí. O sujeito responde a outro processo, desta vez em 1º instância, no Guarujá. A vítima, neste caso, é a filha-neta. O avô-pai, se é possível denominar assim, responde às acusações em liberdade.

A história descrita acima tem que provocar repulsa por si mesma e jamais ser encarada como uma exceção, como um desvio único no comportamento humano e daí gerar indignação. Este sujeito tem muitos semelhantes no Brasil e em outros endereços pelo mundo. Aqui, em sete de cada dez casos de violência sexual, o agressor é uma pessoa próxima da vítima, seja parente, vizinho ou amigo da família.

Na semana passada, também, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo divulgou o balanço da criminalidade no primeiro semestre de 2015. Sabemos que os números, por conta da falta de muitas notificações, tendem a ser maiores. Os casos de estupro, estatisticamente, caíram na Baixada Santista. Foram 114 casos, contra 163 no primeiro semestre do ano passado, redução de 30%.

Das nove cidades da região, apenas Santos registrou crescimento, de 20 para 21 estupros. Guarujá – coincidência? – se mantém na liderança, com 28 casos.

Francamente, os números são tão frágeis quanto necessários para pensarmos sobre esta doença social. 114 casos no primeiro semestre! É um estupro a cada 36 horas, a cada dia e meio. E não nos esqueçamos que muitas histórias de violência sexual são marcadas pelo silêncio do agressor e da vítima, como o exemplo de pai e filha no Guarujá.

O estupro representa mais do que uma epidemia. É uma pandemia, com registros elevados em todos os continentes. O que muda é somente o endereço e o pano de fundo cultural. Índia, por exemplo, com sua sociedade de castas e tolerância em muitos locais. Países escandinavos e o silêncio social. Nações africanas e o estupro como arma, para demonstração de poder contra os adversários em guerras civis. Mulheres simbolizam, de maneira explícita, propriedade e moeda de troca.

As sociedades contemporâneas, com particularidades culturais, fazem vistas grossas para a violência sexual. Em muitos cenários ditos civilizados e desenvolvidos economicamente, as mulheres não são vítimas, e sim encaradas como estímulo ao agressor. As roupas viram argumentos para justificar o estupro, inclusive com conivência e discursos agressivos de outras mulheres.

Não é incomum ouvirmos frases como: “Mas ela estava de shorts curto!”, “Se ela se vestisse melhor, não seria estuprada!” São variações que, na prática, se traduzem numa placa que deveria estar, na opinião dessas pessoas, pendurada no pescoço da vítima: “Por favor, me coma!”

Voltarei ao assunto, por causa da complexidade e também porque o caso de Guarujá acontece mais perto do que nós imaginamos (ou ignoramos).

Obs.: Caro leitor, há outros dois textos sobre tema, escritos por mim em 2013. São eles: Cultura do Estupro I e Cultura do Estupro II

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Onde os fracos não têm vez


Thaís Moraes Macedo

Quantas e quantas vezes não ouvimos a expressão: “Estude, pois a caneta é mais leve do que a pá”? Curiosamente, para aqueles que nos ensinaram durante toda a vida e tentam diariamente nos mostrar o real significado dessa expressão, pode não ser bem assim. Professores estudam, se aprimoram, montam aulas, corrigem provas em casa, comem o pão que o diabo amassou e sentem a caneta, ou melhor, o giz pesar cada vez mais.

Quem quer ser professor?, perguntavam os mestres no Ensino Médio e ninguém levantava a mão. Acredito que pensavam o seguinte: “Estudar muito para ganhar pouco e ainda encarar uns pentelhos feito a gente? Tô fora!”. Para ser professor, tem que ser muito corajoso, pelo menos aqui no Brasil. Essa falta de interesse dos jovens é explicada pela indiferença que os governos dão àqueles que estão na linha de frente dessa batalha chamada educação.

Salários baixíssimos, falta de estrutura e ausência de plano de carreira, na maioria das vezes, deixam a profissão ainda menos atraente. Só os fortes sobrevivem. Enquanto nos países nórdicos, como a Suécia, tornar-se professor é muito mais difícil do que passar no vestibular de medicina e ser a profissão mais respeitada, aqui os mestres são tratados por como meros seres que ensinam as crianças a escrever e decorar a tabuada e devem, segundo muitos pais, dar educação, no sentido familiar da palavra.

A falta de investimento faz com que professores não se dediquem integralmente à profissão, não por opção, mas por mera necessidade. Em Santos, a segunda melhor cidade do país para se criar filhos (???), de acordo com ranking divulgado pelo Exame.com, em levantamento com 100 cidades brasileiras, quase metade (44,5%) dos professores da rede básica são obrigados a ampliar a jornada para conseguir pagar suas contas. Trabalhando com educação ou não. E ainda reclamam quando fazem greve.

Em pleno 2015, na Era do Conhecimento, para muitos a caneta tem sido mais pesada do que a pá.